A maioria das pessoas vê o consumo de animais como algo normal, um fato, em vez de uma escolha, mas nunca pensam sobre o porquê de se recusarem a ingerir a carne de alguns animais e de acharem a carne de outros animais apetitosa.
Por que isto acontece?
Porque existe uma voz (um discurso) dominante invisível (estruturada através da sociedade, religião, cultura, ciência, mídia, costumes, etc) que decide como as pessoas devem pensar e agir frente ao tema.
Por inércia, as pessoas simplesmente são levadas (formatadas) a adotar (e defender com unhas e dentes) uma prática alimentar que lhes é imposta e, também, são habilmente levadas a rechaçar como errada e descabida qualquer ideia contrária.
Mas como se nomeia este eficaz discurso dominante (esta ideologia)?
Isto não tem nome reconhecido na humanidade, pois nomeá-lo significa reconhecer que ele existe.
Melanie Joy (psicóloga e socióloga americana) discorre sobre
este fenômeno (este discurso) no seu best-seller “POR QUE AMAMOS CACHORROS,
COMEMOS PORCOS E VESTIMOS VACAS – UMA INTRODUÇÃO AO CARNISMO / O Sistema de
Crenças que nos Faz Comer Alguns Animais e Outros Não”.
Ela apresenta como este discurso opera e o nomeia como “Carnismo”.
Reproduzo abaixo o capítulo dois do livro, o que apresenta o
termo.
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CAPÍTULO 2
CARNISMO “AS COISAS SÃO ASSIM MESMO”
No Capítulo 1, fizemos uma experiência mental. Imaginamos que você estava num jantar, saboreando uma
refeição deliciosa, quando uma amiga lhe disse que o guisado continha carne de
cachorro. Investigamos sua reação a isso
e, depois, ao fato da sua amiga ter dito que estava brincando e que você
estava, de fato, comendo carne de vaca.
Vamos tentar outro exercício.
Detenha-se um momento
pensando, sem autocensura, em todas as palavras que lhe vêm `a mente quando
você imagina um cachorro. Em seguida faça a mesma coisa, mas dessa vez imagine um
porco.
Agora faça uma pausa e compare as descrições desses animais.
O que você nota?
Quando imaginou um cachorro, você pensou “engraçadinho”?
“Leal”?
E quando pensou um porco, pensou na palavra “lama” ou
“suor”? Pensou em “sujo”?
Se as suas respostas foram parecidas com essas, você faz
parte da maioria.
Dou aulas de psicologia e sociologia numa universidade local
e, a cada semestre, dedico uma aula inteira às atitudes com relação aos
animais.
Já lecionei literalmente para milhares de alunos no correr
dos anos, mas toda vez que faço este exercício, a conversa se desenvolve
essencialmente da mesma maneira, com respostas parecidas
Primeiro, como acabei de fazer com você, peço que os alunos
façam uma lista das características de cachorros, depois das características
dos porcos e vou anotando as listas no quadro-negro à medida que elas são
criadas.
Para os cachorros, os adjetivos habituais incluem, além
daqueles que já mencionei, “simpático”, “inteligente”, “engraçado”, “carinhoso”,
“protetor” e às vezes “perigoso”.
Como era de se esperar, os porcos ficam com uma lista muito
menos lisonjeira de qualificativos.
São “suados” e “sujos”, assim como “estúpidos”,
“preguiçosos”, “gordos” e “feios”.
Em seguida, peço que os alunos expliquem como se sentem com
relação a cada uma dessas espécies.
De novo não chega a ser exatamente uma surpresa ver que, em
geral, eles no mínimo gostam de cachorros (com frequência os adoram) e ficam
“enojados” com porcos.
Finalmente, peço que descrevam seu relacionamento com
cachorros e porcos.
Cachorro, é claro, são nosso amigos e membros da família e
porcos são comida.
Nesse ponto, os alunos começam a parecer confusos, sem saber
para onde nossa conversa está levando. Faço então uma série de perguntas em
respostas às suas afirmações anteriores e o diálogo se desenvolve mais ou menos
assim :
Professor – Então por que vocês dizem que os porcos são
preguiçosos?
Alunos - Porque ficam o dia inteiro deitados
Professor – Os porcos na natureza fazem isso ou só os porcos
criados para o abate?
Alunos - Não sei. Talvez quando estão numa fazenda
Professor – Por que vocês acham que porcos numa fazenda...
ou no confinamento de um frigorífico, para se mais exata... ficam deitados?
Alunos - Provavelmente porque estão num pequeno cercado ou
enjaulado.
Professor – O que torna os porcos estúpidos?
Alunos - Eles são assim mesmo.
Professor - Na
realidade os porcos são considerados até mais inteligentes do que os cachorros
(Às vezes um estudante entra na conversa, afirmando ter
encontrado um porco ou ter conhecido alguém que tinha um porco como animal de
estimação e ilustrando isso com uma ou duas histórias.)
Professor - Por que
vocês dizem que os porcos suam?
... nenhuma resposta...
Professor - Vocês
sabiam que, na realidade, os porcos nem têm glândulas sudoríparas?
Professor - Todos os
porcos são feios?
Alunos - Sim
Professor - E os
leitãozinhos?
Alunos - Os leitãozinhos são engraçadinhos, mas os porcos
são nojentos.
Professor - Por que
vocês dizem que os porcos são sujos?
Alunos - Eles rolam na lama
Professor - Por que
eles rolam na lama?
Alunos - Porque gostam de sujeira. Eles são sujos.
Professor - Na
realidade, eles rolam na sujeira para se refrescarem quando está calor, pois
não suam.
Professor - Os
cachorros são sujos?
Alunos – Sim, às vezes. Cachorros podem fazer coisas
realmente nojentas.
Professor - Por que
não incluíram “sujo” na lista dos cachorros?
Alunos - Porque eles não são sempre sujos. Só às vezes.
Professor – Os porcos são sempre sujos?
Alunos - Sim, são.
Professor – Como você sabe disso?
Alunos – Porque eles sempre parecem sujos.
Professor – Quando você os vê?
Alunos - Não sei. Acho que em imagens.
Professor – E eles estão sempre sujos nas imagens?
Alunos – Não, nem sempre. Os porcos não estão sempre sujos.
Professor – Vocês disseram que os cachorros são leais,
inteligentes e engraçadinhos? Por que
dizem isso? Como sabem?
Alunos – É o que tenho visto
Alunos – Tenho convivido com cachorros
Alunos – Tenho encontrado muitos cachorros
(Inevitavelmente, um ou mais alunos compartilham uma
história sobre um cachorro que fez algo particularmente heroico, engenhoso ou
adorável.)
Professor – E quanto aos sentimentos dos cachorros? Como
podem saber que eles realmente têm emoções?
Alunos – Juro que meu cachorro fica deprimido quando estou
pra baixo.
Alunos – Minha cadela sempre ficava com aquele olhar de
culpa e se escondia embaixo da cama quando sabia ter feito alguma coisa errada.
Alunos – Sempre que levamos meu cachorro ao veterinário ele
treme, ele é muito apavorado.
Alunos – Nosso cachorro costumava chorar e parar de comer
quando nos via fazer as malas para sair de férias.
Professor – Alguém
aqui acha possível que os cachorros não tenham sentimentos?
(Ninguém levanta a mão.)
Professor – E quanto aos porcos? Vocês acham que os porcos têm
emoções?
Alunos – Com certeza.
Professor – Acham que eles têm as mesmas emoções que os cachorros?
Alunos – Talvez. Sim, eu acho.
Professor – Realmente a maioria das pessoas não sabe disso,
mas os porcos são tão sensíveis que desenvolvem comportamentos neuróticos, como
a automutilação, quando em cativeiro.
Professor – Vocês acham que os porcos sentem dor?
Alunos – Claro. Todos os animais sentem dor.
Professor – Então por que comemos porcos e não cachorros?
Alunos – Porque o bacon é gostoso (risos).
Alunos – Porque os cachorros têm personalidade. Não se pode
comer algo que tem personalidade. Eles têm nomes; são indivíduos.
Professor – Vocês acham que os porcos têm personalidade?
Eles são indivíduos, como os cachorros?
Alunos – Sim, acho que, se chegarmos a conhece-los, eles
provavelmente são.
Professor – Vocês já encontraram um porco?
(Exceto em algum caso excepcional, a maioria não).
Professor – De onde então obtiveram as informações sobre
porcos?
Alunos – Livros.
Alunos – Televisão.
Alunos – Anúncios.
Alunos – Filmes
Alunos – Não sei. Da sociedade, eu acho.
Professor – Como vocês se sentiriam com relação a porcos se
pensassem neles como indivíduos inteligentes, sensíveis, que talvez não sejam
suados, preguiçosos e comilões? Se chegassem a conhecê-los diretamente, como
conhecem os cachorros?
Alunos – Eu acharia esquisito comê-los. Provavelmente
sentiria um pouco de culpa.
Professor – Então por que comemos porcos e não cachorros?
Alunos – Porque os porcos são criados para serem comidos.
Professor - Por que
criamos porcos para comê-los?
Alunos – Não sei. Nunca pensei sobre isso. Acho que é porque
as coisas são assim mesmo.
“As coisas são assim mesmo”. Pare um instante para pensar
nessa declaração. Realmente reflita sobre ela.
Mandamos uma espécie para o
açougueiro e damos a outra nosso amor e generosidade aparentemente pela única razão
de “as coisas serem assim mesmo”.
Quando nossas atitudes e comportamentos com relação aos
animais são tão incoerentes e essa incoerência não é nem de longe investigada,
podemos sem a menor dúvida dizer que temos sustentado disparates.
É absurdo que comamos porcos e amemos cachorros sem ao menos
saber por quê.
Muita gente passa longos minutos no corredor da farmácia
meditando sobre o creme dental que vai comprar. A maioria, contudo, não gasta
tempo algum pensando nas espécies de animal que come e por quê
.
Nossas opções como consumidores impulsionam uma indústria
que mata 10 bilhões de animais por ano, só nos Estados Unidos.
Se optarmos por
sustentar essa indústria e nossa melhor justificativa é dizer que “as coisas
são assim mesmo”, sem dúvida há algo errado.
O que pode fazer toda uma sociedade de pessoas abrir mão da
sua capacidade de reflexão – sem ao menos
perceber que está fazendo isto?
Embora a questão seja bastante
complexa, a resposta é bastante simples : o carnismo.
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CARNISMO
Todos nós sabemos o que é um vegetariano – uma pessoa que
não come carne.
Embora algumas pessoas possam preferir se tornar
vegetarianos para melhorar a saúde, muitos vegetarianos param de comer carne
porque não acreditam que seja ético comer animais. Geralmente percebemos que o
vegetarianismo é expressão da orientação ética da pessoa.
Por isso, quando pensamos num vegetariano ou numa
vegetariana, não imaginamos alguém que é como todo mundo, com a única exceção
de não comer carne.
Imaginamos uma pessoa que tem um certo ponto de vista
filosófico e cuja opção de não comer carne é reflexo de um sistema de crenças
mais profundo, no qual matar animais para atender a objetivos humanos é
considerado antiético.
Compreendemos que o vegetarianismo reflete não apenas
uma orientação dietética, mas um modo de vida.
É por isso, por exemplo, que quando há um personagem
vegetariano num filme, ele ou ela é descrito não simplesmente como uma pessoa
que evita carne, mas como alguém que possui um certo conjunto de qualidades que
associamos aos vegetarianos, como ser um amante da natureza ou ter valores não
convencionais.
Se um vegetariano é alguém que acredita que é antiético
comer carne, como então, vamos chamar uma pessoa que acredita que é ético comer
carne?
Se um vegetariano é uma pessoa que opta por não comer carne,
o que é uma pessoa que opta por comer
carne?
Geralmente, usamos o termo “comedor de carne” para descrever
alguém que não é vegetariano.
Mas até que ponto isto é exato?
Como demonstramos, um vegetariano não é apenas um “comedor
de vegetais”. Comer vegetais é um comportamento
que deriva de um sistema de crenças.
“Vegetariano” reflete de forma precisa que há um sistema
central de crenças em ação : aqui o sufixo “ariano” indica uma pessoa que
defende, sustenta ou pratica uma doutrina ou conjunto de princípios.
Em contraposição, o termo “comedor de carne” isola a prática
de consumir carne, como se ela não tivesse relação com crenças e valores da
pessoa.
Sugere que a pessoa que come carne está agindo fora de um sistema de crenças.
Mas será que comer carne é de fato um comportamento que existe
independentemente de um sistema de crenças?
Comemos porco e não cachorro porque
não temos um sistema de crenças quando se trata de comer animais?
Em grande parte do mundo industrializado, comemos carne não
porque tenhamos que comer; comemos carne porque optamos por isto.
Não
precisamos carne para sobreviver ou mesmo para sermos saudáveis; milhões de
vegetarianos saudáveis, que tiveram uma vida longa, provaram este ponto.
Comemos animais simplesmente porque é o que sempre fizemos e
porque gostamos do sabor que têm.
A maioria das pessoas come animais porque as
coisas são assim mesmo.
Não vemos o ato de comer carne como vemos o vegetarianismo –
como opção, baseada num conjunto de pressupostos sobre os animais, sobre o
nosso mundo e sobre nós mesmos. Nós o vemos, em vez disso, como um dado, a coisa “natural” a
fazer, o modo como as coisas sempre foram e o modo como as coisas sempre serão.
Comemos animais sem pensar no que e por que estamos fazendo,
pelo fato de o sistema de crenças que está por trás desse comportamento ser
invisível.
Esse sistema de crenças invisível é o que chamo de carnismo.
O carnismo é o sistema de crenças que nos condiciona a comer
certos animais.
Muitas vezes definimos as pessoas que comem carne como
carnívoras. Mas carnívoros são, por
definição, animais que dependem da carne para sobreviver.
Os consumidores de carne não são meramente onívoros.
Um onívoro é um animal – humano ou não – que tem aptidão
fisiológica para ingerir tanto vegetais quanto carne.
Mas tanto “carnívoro” como “onívoro” são termos que
descrevem a constituição biológica do indivíduo, não uma opção filosófica.
Em grande parte do mundo de hoje as pessoas comem carne não
porque precisem, mas porque optaram por comê-la, e as opções derivam sempre das
crenças.
A invisibilidade do carnismo explica por que as opções não
aparecem absolutamente ser opções.
Mas, para começar, por que o carnismo tem permanecido
invisível?
Por que não lhe demos um nome?
Há uma razão boa para
isso.
O fato é que o carnismo é um tipo particular de sistema de
crenças, uma ideologia
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CARNISMO, IDEOLOGIA E STATUS QUO
Uma ideologia é um conjunto compartilhado de crenças, assim
como as práticas que refletem essas crenças.
Por exemplo, o feminismo é uma ideologia.
Os feministas são homens e mulheres que acreditam que as
mulheres merecem ser encaradas e tratadas como iguais aos homens.
Como os homens constituem o grupo social dominante (o grupo
que detém o poder na sociedade), os feministas desfiam a predominância
masculina em cada frente, do lar à arena política. A ideologia feminista
constitui a base das crenças e práticas feministas.
É razoavelmente fácil reconhecer o feminismo como uma
ideologia, assim como é fácil compreender que o vegetarianismo não diz respeito
apenas a não comer carne.
Tanto “feminista” quanto “vegetariano” evocam imagens de uma
pessoa que tem um certo conjunto de crenças, alguém que não é como todos os
outros.
E quanto então a “todos os outros”? Quanto à maioria, à
corrente principal, a todas as pessoas “normais”? De onde vêm suas crenças?
Tendemos a encarar o estilo de vida dominante como um reflexo
de valores universais. Contudo, o que consideramos normal não é, de fato, nada
mais que as crenças e comportamentos da maioria.
Antes da revolução científica, por exemplo, as crenças
europeias dominantes sustentavam que o céu era constituído de esferas celestes
que giravam em torno da Terra, sendo a Terra o centro sublime do universo. Essa
crença estava tão arraigada que proclamar outra coisa, como fez Copérnico e
mais tarde Galileu, era correr risco de morte.
Então, aquilo a que nos referimos como corrente principal é
simplesmente outro modo de descrever uma ideologia que se acha tão difundida –
tão arraigada – que seus pressupostos
e práticas são vistos como mero bom senso.
É considerada fato em vez de opinião; suas práticas são um
dado, em vez de uma opção.É a norma. É o modo como as coisas são.
E é a razão
pela qual o carnismo não recebeu até agora um nome.
Quando uma ideologia está arraigada, ela é essencialmente
invisível.
Exemplo de uma ideologia invisível é o patriarcado, a ideologia em que a masculinidade é mais valorizada
que a feminilidade na qual os homens, portanto, têm mais poder social que as
mulheres.
Avalie, por exemplo, quais das seguintes qualidades têm mais
probabilidade de tornar alguém social e financeiramente bem-sucedido: caráter
assertivo, passividade, competitividade, capacidade de compartilhar, controle,
autoridade, poder, racionalidade, emotividade, independência, dependência,
capacidade de nutrir, vulnerabilidade.
Há maior probabilidade de que você tenha preferido as qualidades
que são masculinas, sem perceber que suas opções refletem valores patriarcais;
a maioria das pessoas não vê o patriarcado como uma ideologia que nos ensina a
pensar e a agir de uma certa maneira.
Tanto homens quanto mulheres simplesmente aceitam que é
melhor sermos, por exemplo, mais racionais e menos emocionais, embora essas
duas qualidades sejam igualmente necessárias para o nosso bem-estar.
O patriarcado existiu durante milhares de anos antes que as
feministas dessem um nome a essa ideologia.
Foi esse também o caso do carnismo.
Curiosamente, a ideologia do vegetarianismo foi identificada
há mais de 2.500 anos; os que optavam por não comer carne eram chamados de
“pitagóricos”, porque seguiam a filosofia alimentar de Pitágoras, o antigo
filósofo e matemático grego.
Mais tarde, no século XIX, foi cunhado o termo
“vegetariano”. Mas só agora, séculos após a rotulação dos que não comem carne,
a ideologia da ingestão de carne ganhou este nome .
Sob certos aspectos, faz realmente sentido que o vegetarianismo
tenha recebido nome antes do carnismo.
É mais fácil reconhecer as ideologias que não se enquadram
na corrente dominante.
Mas há outra razão mais importante para o vegetarianismo ter
sido rotulado e o carnismo não.
O modo básico de as ideologias arraigadas ficarem arraigadas
é permanecerem invisíveis. E o modo básico de permanecerem invisíveis é
permanecerem sem denominação.
Se não lhe damos um nome, não podemos falar sobre elas e se
não podemos falar sobre elas, não podemos questioná-las.
Tudo
que não tem nome, que não é escrito em imagens.... tudo que é erradamente
chamado como se fosse outra coisa, da qual se tornou difícil nos aproximarmos,
tudo que é enterrado na memória, pelo colapso do significado, sob uma linguagem
inadequada ou mentirosa – vai se tornar não meramente não dito, mas indizível.
– Adrienne Rich.
CARNISMO, IDEOLOGIA E VIOLÊNCIA
Embora seja difícil, se não impossível, questionar uma
ideologia que nem sabemos que existe, isso se torna ainda mais difícil quando a
ideologia trabalha ativamente para se manter oculta.
É esse o caso de ideologias como o carnismo.
Classifico esse tipo particular de ideologia como ideologia violenta, porque está
literalmente organizada em torno da violência física.
Em outras palavras, se eliminássemos a violência do sistema
– parássemos de comer animais – o sistema deixaria de existir.
A carne não pode ser obtida sem o abate.
O carnismo contemporâneo está organizado em torno de grande
violência.
Esse nível de violência é necessário a fim de serem abatidos
animais em número suficiente para a indústria da carne manter sua atual margem
de lucro.
A violência do carnismo é tal que a maioria das pessoas não se dispõe
a testemunhá-la e aquelas que o fazem podem ficar seriamente perturbadas.
Em minhas aulas, quando mostro um filme sobre a produção de
carne, tenho que tomar uma série de providências para garantir que o ambiente
psicológico seja suficientemente seguro para expor os alunos a sequências de
imagens que inevitavelmente lhes causam angústia.
E tenho trabalhado pessoalmente com numerosos defensores do
vegetarianismo que sofrem do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) como
resultado da exposição prolongada ao processo de abate; eles têm pensamentos obsessivos, pesadelos,
flashbacks, dificuldade de concentração, ansiedade, insônia e vários outros
sintomas.
Em quase duas décadas falando e ensinando sobre produção de
carne, ainda não encontrei ninguém que não estremeça ao se defrontar com
imagens de abate. Em geral as pessoas detestam ver animais sofrendo.
Por que detestamos ver animais sofrendo? Porque nos
compadecemos dos outros seres sencientes.
A maioria das pessoas, mesmo as que não são exatamente
“amantes dos animais” não quer fazer ninguém (humano ou animal) sofrer,
principalmente se esse sofrimento é intenso e desnecessário.
É por essa razão que ideologias violentas têm um conjunto
especial de defesas que possibilitam que pessoas benévolas apoiem práticas
desumanas sem sequer perceber o que estão fazendo.
Como mencionei no Capítulo 1, a principal defesa do sistema
é a invisibilidade.
Já discutimos como o carnismo é social e psicologicamente
invisível.
Mas ideologias violentas dependem da invisibilidade física; sua
violência está bem escondida do escrutínio público.
Você já reparou que, apesar de reproduzirmos, criarmos e
matarmos 10 bilhões de animais por ano, a maioria de nós jamais vê sequer uma
parte do processo de produção da carne?
Assim que refletirmos honestamente sobre a carne que
comemos, assim que percebermos que há muito mais em nossos gostos culinários do
que preferências naturais e não adulteradas, vamos que dizer que “as coisas são assim mesmo” simplesmente não
é uma explicação muito boa da razão por que comemos porcos, mas não cachorros.
Vamos agora dar um olhada no modo como as coisas realmente
são.
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