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Tuesday, June 12, 2018

Qual sofrimento é mais importante : o sofrimento humano ou o sofrimento dos animais?



Excerto tirado do livro "Em defesa dos animais - direitos da vida", de Matthieu Ricard

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“Há problemas mais graves que afetam a humanidade”
                                                                                                                                                                            
Uma das queixas que ouço com maior frequência é que seria indecente voltar a atenção para os animais e querer melhorar a situação deles, enquanto há seres humanos afligidos por tanto sofrimento na Síria, no Iraque, no Sudão e em muitos outros lugares.

O simples fato de ter consideração pelos animais seria um insulto à humanidade.

Dito de modo firme, com um tom de indignação que parece basear-se nas mais altas virtudes, esse argumento pode parecer totalmente acertado, mas após um ligeiro exame mostra-se desprovido de lógica.
                                                                                                                                                                                                   
Se o fato de dedicarmos alguns pensamentos, palavras e ações para reduzir o sofrimento indizível que infligimos de forma deliberada aos outros seres sensíveis, que são os animais, constitui uma ofensa ao sofrimento humano, o que então se diria de passar o tempo ouvindo música, praticando esportes e se bronzeando numa praia?
                                                                                                                                                                                                  
Aqueles que se dedicam a essas atividades e a outras tantas similares iriam então se tornar indivíduos abomináveis por não consagrarem seu tempo integral para resolver o problema da fome na Somália?

Como bem aponta Luc Ferry:  

"Eu gostaria que alguém me explicasse em que o fato de torturar animais ajudaria os seres humanos. O destino dos cristãos iraquianos é melhorado porque temos cães vivos aos milhares sendo cortados na China e deixados famintos durante muitas horas, sob a teoria de que, quão mais insuportável for a dor, melhor ficará a carne? É porque maltratamos aqui os cães que nos tornamos mais sensíveis à infelicidade dos curdos? [...] Todos nós podemos cuidar da família, de nós mesmos, do trabalho, e ainda assim se envolver mais em política ou na vida da comunidade, sem, todavia, massacrar os animais".


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Se alguém consagrasse 100% de seu tempo a um trabalho humanitário, só se poderia encorajá-lo a continuar. Podemos também certamente pressupor que uma pessoa dotada de tal altruísmo seria da mesma maneira benevolente com os animais.

A benevolência não é uma mercadoria que só se possa distribuir com parcimônia, como um bolo de chocolate.

É um modo de ser, uma postura, a intenção de fazer o bem para todos que entram em nosso campo de atenção e de sanar seu sofrimento.

Ao também amar os animais, não amamos menos os seres humanos; na verdade pas­samos a amá-los mais ainda, porque a benevolência cresce em magnitude e qualida­de.

Aquele que ama apenas uma pequena parcela dos seres sensíveis, ou até mesmo da humanidade, demonstra uma benevolência tendenciosa e estreita.

Como observa Élisabeth de Fontenay, Plutarco dizia, no início da era cristã, que "a gentileza com os animais habitua a pessoa, de forma 'incrível', a se tornar bene­volente com os seres humanos, porque a pessoa gentil, que se comporta com ternura frente às criaturas não humanas, não saberia tratar os homens de modo injusto".

É interessante ressaltar que um estudo realizado por neurocientistas com escaneamento de cérebros de onívoros, de vegetarianos e de veganos, enquanto observavam imagens de sofrimento humano e animal, demonstrou que entre os vegetarianos e veganos as áreas do cérebro associadas à empatia ficavam mais ativadas do que em onívoros, não só para imagens de sofrimento animal, mas também perante imagens de sofrimento humano.

Outras pesquisas utilizando questionários já haviam destacado essa correlação e indicado que quanto mais as pessoas se preocupam com os animais, mais elas se preocupam com os seres humanos

Para aqueles que não trabalham dia e noite para aliviar as misérias humanas, que mal haveria em aliviar o sofrimento dos animais em vez de jogar cartas?

Decretar imoral o interesse pela situação dos animais, enquanto milhões de seres humanos morrem de fome, não passa de uma falácia e, muitas vezes, trata-se apenas de fuga por parte de pessoas que, com grande frequência, não fazem nada de significativo, nem pelos animais, nem pelos seres humanos.

Em resposta a alguém que ironizava a utilidade última de suas ações de caridade, Irmã Emmanuelle respondeu: "E o senhor, o que faz pela humanidade?".

No meu humilde caso (Nota minha, Iuri, dono deste blog : aqui, o autor do livro, Matthieu Ricard, fala das suas ações sociais, além da militância pela causa animal) , as falsas acusações de impropriedade também são incongruentes, pois a organização humanitária que fundei, Karuna-Shechen, trata de 120 mil pacientes por ano, e 25 mil crianças estudam nas escolas que construímos.

Trabalhar com esforço para poupar o imenso sofrimento dos animais não diminui nem um pouco a minha determinação de superar a miséria humana.

O sofrimento desnecessário deve ser perseguido onde quer que seja, seja ele qual for.

A luta deve ser travada em todas as frentes, e assim pode ser feito.

Pressupomos que o bem da humanidade seria, por natureza, concorrente do bem dos animais. No entanto, incluir em nossas preocupações o destino de outras espécies não é, de nenhuma forma, incompatível com a determinação de fazer o possível para resolver os problemas humanos.

A luta contra o tratamento cruel dos animais segue a mesma abordagem que a luta contra a tortura de seres humanos.

A filósofa Florence Burgat e o jurista Jean-Pierre Marguénaud explicaram num artigo publicado no jornal Le Monde:

Àqueles que acham que os avanços legislativos no domínio da proteção dos animais, e até mesmo a ideia de reconhecer os seus direitos, seriam um insulto à miséria humana, é necessário responder que essa miséria resulta da exploração dos mais fracos ou da indiferença com o sofrimento dos mais fracos. Ao contrário, constitui um insulto à miséria humana, ou mesmo sua legitimidade, a indiferença feroz frente ao sofrimento de outros seres ainda mais fracos e que jamais poderiam dar seu con­sentimento. [...] A proteção dos animais e a proteção dos seres humanos mais fracos fazem parte do mesmo nobre combate do Direito para ajudar aqueles que podem ser objeto de ataques
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Existem mil maneiras de evitar que os animais sejam prejudicados e de garantir sua proteção, sem causar nenhum dano à espécie humana, sem diminuir um minuto o tempo de dedicação à família e sem utilizar a menor parte dos recursos destinados aos que estejam em situação precária.
 Jean-Luc Daub, que conduziu investigações nos abatedouros de animais, durante vários anos, escreveu:
Ainda ouvimos coisas como: "E o que você faz pelas crianças... pelos deficientes... pelos prisioneiros de Guantánamo... etc. etc.?" Como se o fato de nos dedicarmos à proteção dos animais nos tornasse responsáveis pelos demais sofrimentos humanos, ou pelo menos deveria nos fazer sentir culpados. E isso enquanto a maioria das pes­soas que assim pensam não conseguem realizar nada de significativo na vida. [...] No que diz respeito à minha profissão, sou educador técnico especializado. Faço o acompanhamento diário, no meu trabalho, de pessoas com deficiência intelectual e me ocupo de suas vidas. De toda forma, aqui eu estou tentando me justificar, ainda que não fosse necessário fazê-lo, pois qualquer pessoa suficientemente inteligente jamais faria perguntas tão baixas e ignorantes!

A má-fé dos que responsabilizam os defensores dos animais por dedicar tempo para se preocupar com os problemas humanos parece ainda mais absurdo quando constatamos que não pensariam em fazer esse mesmo comentário contra os que se ocupam com pintura, esportes, jardinagem ou coleção de selos.

Reduzir a exploração dos animais pode até trazer benefícios mútuos significati­vos, como explica Peter Singer sobre o vegetarianismo:

"Não é preciso mais tempo para ser vegetariano do que para comer carne animal. 
Na verdade, os que dizem se preocupar com o bem-estar dos seres humanos e com a preservação do nosso meio ambiente deveriam, ainda que por essa única razão, tornar-se vegetarianos. Ao fazer isso, eles aumentariam a quantidade de cereais disponíveis para alimentar as pessoas em outros lugares, reduziriam a poluição, economizariam água e energia, e deixariam de contribuir para o desmatamento. 
Além disso, como a dieta vegetariana é menos cara do que uma dieta baseada em carne, eles teriam mais dinheiro para gas­tar em alívio da fome, controle de natalidade ou qualquer outra causa social ou políti­ca que considerassem mais urgente".

Pessoalmente, dedico meus recursos e grande parte do meu tempo para atividades humanitárias através da Karuna-Shechen, uma associação composta de um grupo de voluntários dedicados e generosos benfeitores, que constrói e administra escolas, clínicas, hospitais no Tibete, Nepal e índia, e que já concluiu mais de 140 projetos.

Isso não me impede, de nenhuma forma, de me esforçar ao máximo pela causa de defesa dos animais.

Ainda que possamos reconhecer que existam coisas mais importantes a fazer do que cuidar dos animais, conclui Thomas Lepeltier, "podemos, ao menos, esperar que aqueles que assim argumentam cessem ou façam cessar o massacre dos animais".

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1 comment:

Sandra said...

Toda dor machuca, toda morte mata, não importa em quem. Colocar-se no lugar de quem sofre, chama-se empatia, tentar aliviá-la ou saná-la não deveria ser colocado em graus diferentes de importância, a dor humana e a dor animal, porque ambas DOEM. Não se trata de uma escolha, quem morre ou vive, quem é salvo e quem não é, porque o ser humano BOM será sempre o primeiro a chegar de onde parte um gemido ou pedido de socorro, irrelevante se o ferido é um animal ou um ser humano. Tudo o que for diferente dessa norma de conduta, chama-se ESPECISMO, valorizar uma espécie em detrimento de outra.