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Hino do Blog : " ...e todas as vozes da minha cabeça, agora ... juntas. Não pára não - até o chão - elas estão descontroladas..."
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Thursday, October 14, 2004

Escolha apenas uma...



Se você tivesse que escolher uma única lembrança de toda sua vida, qual seria?

Esta questão curiosa e instigante é colocada no filme "Depois da Vida", do diretor japonês Hirozaku Kore-eda, no qual, como o titulo sugere, a ação transcorre no além.

A história mostra o trabalho em uma espécie de casa de passagem onde os recém-mortos devem passar uma semana antes de partirem definitivamente para a vida eterna. Nesta semana, ajudados por alguns funcionários, cada um deles deverá escolher uma única lembrança de toda a sua vida, a qual definirá o único sentimento que carregarão consigo para sempre.

Eis o que alguns dos personagens escolhem :

Uma garota primeiro escolhe a recordação de uma tarde na Disneylandia mas depois muda para o cheiro do colo da sua mãe.

Um senhor escolhe reviver a sensação da sua infância quando ia para a escola de bonde e sentia a brisa fresca do ar no seu rosto.

Outro prefere a sensação de voar entre as nuvens.

Uma senhora escolhe reviver a emoção de, pequena, dançar para a alegria do seu amado irmão.

Um jovem questiona se não pode escolher um sonho ao invés de uma lembrança real.

e assim por diante..

Só por esta idéia simples e direta o filme já é interessante. Mas a obra tem mais, por exemplo : os tais funcionários da "instituição" são almas antigas que, na época do seu desencarne, não conseguiram escolher uma única lembrança e por isto ficaram presas naquela espécie de limbo auxiliando os demais que por ali passam. Isto, se por um lado significa um aprisionamento, por outro -como define um deles- representa uma liberdade de continuar a se lembrar da sua própria existência ou então de manter viva a memória dos que avançam para o próximo estágio.

Outra maravilha do filme é a história de um dos recém chegados -o velho Sr. Watanabe- que não consegue se lembrar de nada relevante na sua vida. Ele julga ter tido uma existência normal, medíocre e insípida. Na instituição quem o atende é o jovem Yusuke que, para ajudá-lo, providencia várias fitas de vídeo que mostram o filme completo da sua vida. O que Yusuke espera é que , ao rever sua biografia, o ancião possa se recordar de alguma coisa que tenha valido a pena e, assim, faça a sua escolha. Juntos começam a assistir as fitas. Em uma delas aparece o primeiro encontro de Watanabe com a jovem Kyoto, que mais tarde viria a tornar-se sua esposa (registrando: Kyoto já havia morrido há algum tempo antes de de Watanabe). É um momento constrangedor pois o jovem Watanabe sua muito e não consegue conversar com a moça, cabendo à ela toda a iniciativa de aproximação entre eles. Ela, tímida, começa a falar sobre filmes e consegue estabelecer um link com o desajeitado rapaz. Ao ver tal cena, Yusuke, melancólico, diz entender a vergonha e o embaraço de Watanabe pois ambos pertenceram a mesma geração. O velho fica surpreso. Yusuke então explica ter morrido na guerra há muito tempo, o que explica sua aparência jovem. Continuam a assistir os "tapes" até que em uma das fitas o casal, já velho, aparece sentado em um banco de praça. Eles tinham acabado de sair do cinema aonde tinham ido pela primeira vez após 30 anos de matrimônio. Ambos gostaram muito do programa e prometem que, a partir dali, iriam repetí-lo uma vez ao mês. Watanabe gosta do que vê e escolhe a sensação desta lembrança para a sua eternidade.

Com a missão cumprida Yusuke revela, para outro personagem, ter amado Kyoto antes de partir para a guerra onde foi morto, porém não teve jeito de declarar-se ou de tentar uma aproximação maior. Isto fez com que ele morresse sem ter a certeza de que era correspondido pela moça. Porém agora, ao revê-la nas fitas de Watanabe, sentiu aflorar novamente o sentimento que nutriu por ela. Busca então, no arquivo de imagens dos mortos antigos, qual foi a lembrança que Kyoto escolheu para sua própria eternidade. Ao ver a fita, Yusuke se emociona ao perceber que a recordação escolhida pela mulher mostrava exatamente ele e ela sentados num banco de praça antes dele partir para a guerra (e, obviamente, antes dela conhecer Watanabe). É uma cena pequena, calma, sem diálogos com ambos tímidos e constrangidos, sentados lado a lado. Tudo o que ela faz é contemplar as mãos do amado. Assim ele percebe que algo que até tinha feito questão de esquecer, algo que para ele era puro constrangimento e insegurança, significou muito para Kyoto. Ele pensa :"Mesmo não percebendo, podemos ser a melhor lembrança para alguém". Yusuke então escolhe este sentimento para partir para sua própria eternidade.

Como se vê, o filme é rico em significados. Porém, já aviso, quem assistí-lo tem que estar imbuído de uma forte dose de paciência devido ao seu ritmo excessivamente lento em certas passagens. Mas vale a pena.

De qualquer forma, após assistí-lo, me peguei pensando sobre qual lembrança da minha vida eu escolheria se estivésse numa situação semelhante. Me vi diante de várias alternativas (todas amorosas ou familiares), porém nenhuma específica que pudesse englobar o universo de sentimentos que gostaria de carregar comigo. Perturbado, conversei sobre o assunto com meu amado. Ele então me recordou um fato real e concreto que só pode ser descrito como milagre nas nossas vidas. Pensei : "é isto, quero a sensação eterna de um milagre". Porque? Bem, primeiro devemos acreditar que eles existem. E depois, quando acontecem, a sensação é de que o inconcebível, o impossível nos foi ofertado. É a sensação da mão da providência operando, do destino movendo as peças para nos proteger ou ofertar alguma dádiva. É o sentimento de que fomos escolhidos para uma graça especial. É aquele toque na alma que congela e transfigura, por alguns instantes, o nosso viver. É o momento onde a razão se perde e o divino brota.

Isto eu gostaria de levar para sempre.

Amém.


Friday, October 01, 2004

Amor a três



Comecei a ler um livro chamado “Amor a três” de Barbara Foster, Michel Foster e Letha Hadady. Barbara e Michel são casados há vinte anos e Letha vive com ambos formando o que se chama um clássico “ménage à trois”. O livro se propõe a discutir de forma séria a possibilidade da existência de um relacionamento amoroso e consensual entre três pessoas. Um trio vivendo em comunidade plena.

Diz a contracapa: “Este amor não-convencional (o ménage) é muito pouco conhecido e estudado em nossa cultura puritana e estereotipada”. E na orelha: “O ménage à trois é bastante diferente de um triângulo amoroso. Em geral, este se origina de uma relação de adultério, e um dos três é excluído. Por outro lado, no ménage, os três participantes têm status igual, e a relação se inicia a partir de um consenso de todos”.

Como pode se ver, é um assunto fascinante e polêmico que certamente povoa o imaginário amoroso-erótico de muita gente. Ainda estou no início mas já apareceram diversas idéias interessantes que gostaria de compartilhar:

* O relacionamento a dois é redutor, mesquinho e egoísta a partir do momento em que se estabelece a idéia de “eu”, “tu”, “nós dois” e “os outros”. Isto tira a possibilidade de crescimento harmonioso da dupla o que, inevitavelmente, descambará para a insatisfação, traição, ressentimentos e separação.

* Todos fantasiam com alguma outra pessoa : “A superimposição fantasiada”, escreveu ele (Lawrence Lipton - cronista do mundo beat), é “o crime menos citado e o mais infame, e aquele mais amplamente praticado entre os defensores confessos do código moral judaico-cristão ...(...) ...É o inconfessável.”. Lipton refere-se à fantasia de que seu parceiro na cama é outra pessoa – talvez uma pessoa real que você conheça e deseje, ou vislumbrou ou viu na mídia, mas em geral é alguém mais jovem ou de melhor aparência. Em uma variante, você imagina que o seu parceiro está fazendo amor com outra pessoa, também atraente. Esta pode ser considerada uma fantasia homo-erótica, mas é na verdade uma fantasia de três na cama. Quanto mais monogâmico é um relacionamento, mais provável que um ou ambos os parceiros empreguem este dispositivo – ou percebam que durante o sexo sua mente foi tomada pela imagem de uma terceira pessoa.”... (....) ...“Todos levamos para o quarto a imagem da pessoa desejada, e muito frequentemente ela não corresponde ao nosso amante real. “Quem é o terceiro que está sempre ao seu lado?, perguntou T.S. Eliot.”

* Os autores fazem questão de diferenciar o que eles consideram um ménage consensual da idéia de adultério, prostituição ou de fantasias pornográficas : “ O adultério em geral conduz a um triângulo amoroso clássico que mistura excitação erótica com o pavor de se expor”... (...) ...O adultério e o ménage compartilham no seu início um desejo de viver plenamente. Mas rapidamente tomam caminhos diferentes. O adultério floresce sobre a suspeita, o ciúme e a raiva. O ménage exige honestidade e, no mínimo, aquiescência dos três “.

* O menáge pode não ser entendido apenas como um agrupamento físico amoroso. Também pode ser entendido como trazer para dentro de um relacionamento convencional, algum terceiro que complemente a dupla através de idéias, intelectualidade, sabedoria, fascinação, erotismo, etc, ou seja alguem que proporcione a surgimento e a manutenção de algum tipo de excitação mental.

* Questões inerentes a qualquer ménage : “Sejam célebres ou obscuros, os participantes dos ménages bebem todos das mesmas fontes de narcisismo , voyeurismo, e da irredutível necessidade de serem três. São todos testados no fogo do ciúme. A dialética interna da paixão versus a compaixão permanece constante. A questão de quem é meu e a quem pertenço são repetidamente colocadas e respondidas. Se o egoísmo prevalece, ainda que em um dos três, o relacionamento vai degenerar para um triângulo amoroso clássico, com suas espionagens, brigas, culpas, divórcios e violência. Mas se e quando o ménagem cresce junto, uma energia especial pode e tem feito coisas fascinantes acontecerem – nas artes, no cinema ou na vida. Na nossa vida”.

Como se pode ver os autores são defensores do ménage aberto como forma de realização emocional plena e uma resposta positiva aos comportamentos escusos (adultério, traição, prostituição, perversão, etc) que são buscados para extravasar desejos reprimidos.

O que eu penso a respeito?

Me permito a não emitir opinião, mesmo porque acredito sinceramente que cada um deve procurar o seu prazer, sua realização erótica-emocional da maneira que mais lhe convier.

A única coisa que importa é a honestidade, consigo mesmo e com o(s) outro(s).

Thursday, September 30, 2004

Olga - meio atrasado



Eu não ia comentar o filme "Olga" do Jaime Monjardim até porque sei que a imensa maioria do publico está adorando. Porém, a pedido de uma amiga querida, vou deixar algumas poucas impressões a respeito desta obra. Só peço que quem realmente tenha adorado a película pare por aqui ou então tente não ficar indignado com o que irá ler, ok ?

Li o livro do Fernando Morais quando foi lançado, acho que na década de 80. Fiquei impressionado com o trabalho de pesquisa jornalística e com a narrativa documentária-romanceada-cinematográfica alcançada pelo autor. Um livro inesquecível. Qual não foi minha surpresa e alegria ao saber que o livro seria filmado tendo no papel principal a Camila Morgado, uma boa revelação neste mundo de atrizes medíocres das telenovelas. Esperei ansioso e fui para o cinema com boas expectativas.

O filme começa com a Olga já no campo de concentração à espera da execução na câmara de gás no dia seguinte. Logo ali já comecei a ter uma má impressão, quando a personagem começa a se lembrar da sua trajetória com aquele tipo de tomada cinematográfica onde o ator olha para o infinito (de frente para a camêra), faz uma cara de quem está refletindo profundamente e diz-ou pensa- algo muito relevante e íntimo. Este tipo de técnica primária se vê muito em telenovelas, principalmente as mexicanas. Mas tudo bem, vamos adiante.

A narrativa segue mostrando a personagem no início da sua trajetória política na Alemanha. Em um discurso inflamado, frente a uma platéia de militantes comunistas, a Olga me sai com esta : "Eu quero fazer treinamento militar para construir a paz no mundo!!!". Quase caí da cadeira! Que absurdo! Comecei a rir com tamanha sandice! É claro que eu sei que existem ideologias que querem transformar o mundo -para melhor- através de armas e atos terroristas. Mas mesmo assim não aguentei a estupidez proferida.

Logo a Olga é chamada para a missão de conduzir Luiz Carlos Prestes clandestino e em segurança ao Brasil. Ao tomar conhecimento da lendária Coluna Prestes, novamente a personagem olha para o infinito (de frente para a câmera é claro) e diz "Eles caminharam 22 mil quilômetros...", com uma cara sonhadora. Corta para a casa da militante : ao romper com a família burguesa (pai compreensivo e mãe negativa) a garota problema abandona o lar com uma malinha básica numa noite de muita chuva, mas muuuuiita chuva mesmo. E ela sai sem guarda-chuva, e fica mais encharcada que a pequena sereia, para reforçar a idéia de desamparo -alías em todas as cenas no filme onde rola alguma tristeza o tempo sempre está fechado (muita chuva, muita neve ou muita noite)-.

Conhecendo o Cavaleiro da Esperança ela parte para a missão de proteção: para isto ambos têm que simular estarem casados durante a viagem de transatlântico que os trará para a América. No trajeto, o romance falso vira real e eles partem da simulação para as vias de fato. A cena do primeiro beijo é constrangedora com hiper closes e uma música ensurdecedora -aproveito para registrar que a trilha sonora, cheia de violinos, invade o filme sem sutileza alguma estragando o clima das cenas ao invés de emoldurá-las. Para despistar a polícia eles acabam viajando para vários lugares até chegarem ao Brasil de avião. Aí surge outra cena risível. O Prestes mostra sua terra natal para a companheira através da janela do avião. O que se vê então são praias e matas ensolaradas em vôo rasante. Uma coisa bem morena, bem tropical.

Finalmente chegam ao Rio de Janeiro e logo se enturmam com os comunistas locais. Começam a planejar a revolução sem saber que a polícia já desconfia da movimentação. Não vou me alongar mas todo mundo sabe no que dá. Quando a casa começa a cair o publico é brindado com uma das cenas mais imbecis. Me refiro àquela onde o Prestes, antes de fugir de um esconderijo, deixa em um cofre -com uma armadilha de bomba bem furreca- todos os documentos que podem incriminar os companheiros da revolução. Ele diz então à Olga : "Vou deixar estes documentos que podem incriminar a todos aqui neste cofre". E ela responde: "Você vai deixar estes documentos que podem incriminar a todos aí neste cofre?".... Hã?... Será que eu perdi alguma coisa? -break novamente : todo o roteiro do filme é construído assim, um personagem diz uma coisa e outro reforça. Também é usada aquela tática de um personagem conversar com o outro e já aproveitar para apresentá-lo, tipo na cena onde o Vargas diz "Filinto Muller, meu chefe de polícia"-. Só um ignorante de história não saberia disto. Mas é claro, para tornar o filme mais acessível ao publico médio, tudo tem que ser bem explicadinho.

Voltando: é óbvio que o tal cofre é aberto e todos os companheiros acabam presos, inclusive o casal central. Bem aí surge a cena mais constrangedora de todo o filme : quando o Prestes e a Olga são separados, num local onde deverão prestar depoimentos separados, os dois se agarram e começam a berrar, a urrar -e a música de violinos também-. O diretor, para intensificar a dor do momento, alterna tomadas de câmera das mãos entrelaçadas, que pouco a pouco vão se separando, com closes dos dois gritando de maneira ensurdecedora. E dá-lhe violino e mais violino.Ufa !! ....

Daí pra diante a coisa melhora pois passa a se concentrar na trajetória solitária da Olga presa e grávida. O filme torna-se mais denso ao acompanhar sua maternidade agredida. Também, diga-se de passagem, quem faz o filme crescer é a volta da Fernanda Montenegro, que faz a mãe do Prestes. Ela arrebenta na interpretação. Sem gritos e sem desespero, ela consegue transmitir, apenas com leves mudanças fisionômicas, toda a gama de emoções trágicas vividas pela personagem. Realmente uma diva. A Camila também cresce e consegue passar a dor da Olga frente aos acontecimentos. Mas, infelizmente, também não posso deixar de comentar outra piada do filme : quando as prisioneiras chegam no campo de concentração o tempo está fechado (é óbvio) com muuitta neve, muita neve mesmo. E o que se vê ? Um nazista com uma maquininha de escrever de nada, debaixo de toda aquela nevasca de fim de mundo, preenchendo fichas das prisioneiras. ...Sem comentários...

O resto história todo mundo sabe: Prestes acaba preso, a filha deles é entregue à avó e a Olga é executada. Aliás a cena da execução é absurda, com a personagem dentro da câmara de gás, cercada de prisioneiras que gritam desesperadas, e ela, indiferente, novamente olhando fixamente para a câmera.

Os comentários finais do filme traem o público ao não informar que, após sua libertação, o Prestes acabou se aliando politicamente a Vargas, o homem que entregou a Olga grávida aos nazistas.

Finalizando: no cômputo geral o filme é bom, principalmente por revelar ao grande publico a trajetória de uma grande mulher. Mas pra obra-prima que muita gente apregoa é muito pouco. De qualquer forma esta é minha impressão. Desculpem qualquer coisa...


Wednesday, September 29, 2004

Com a Bandeira Brasileira no ....



Domingo passado terminou o Décimo Primeiro Festival de Teatro Porto Alegre em Cena, sobre o qual eu já tinha falado no texto “Vá ao teatro mas não me chame...”. Naquele texto eu falava das porcarias a que assisti e falava que ainda esperava ver bons espetáculos no festival. Pois bem, para minha alegria consegui assistir peças ótimas que realmente valeram a pena. Também assisti à polêmica “Samba do Crioulo Doido” que, a princípio, poderia chocar alguns desavisados.

Breve comentário sobre alguns espetáculos.
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SAMBA DO CRIOULO DOIDO

Um espetáculo de dança que chocou o governo no Maranhão. No palco surge um cenário tomado por bandeiras do Brasil formando uma tela transparente iluminada por trás. O publico vê a silhueta de uma pessoa sozinha no palco, sem poder indentificar se é homem ou mulher. Um som lento e meio tribal vai tomando conta, ouve-se a voz poderosa da Elza Soares cantando, aos poucos, a frase “ A carne mais barata do mercado é a carne negra...”. A figura começa a se movimentar e percebemos que é um homem nu. O constrangimento toma conta da platéia. Logo as luzes se acendem e vemos que o homem é um negro vestido apenas com longas botas altas. A musica vai mudando –parte mecânica, parte executada ao vivo por um percussionista- e o dançarino vai mostrando com seu corpo várias fascetas do folclore, do estereótipo do negro na cultura brasileira e, porque não, mundial.. Vê-se então o “crioulo risonho” (tipo Lois Armstrong), a mulata exportação (tipo Sargenteli), o crioulo bem dotado (que aliás quase me causou um desmaio ao ver o artista manipular o próprio pênis com certa fúria), a valorização do bundão, do bocão, etc. Porém a auge da peça ficou reservada para o final quando o bailarino Luiz de Abreu pega um grande pano, todo estampado com a bandeira brasileira, e o enfia no ânus (ou pelo menos finge enfiar) para simular uma grande cauda de vestido ou esplendor carnavalesco. A público se arrepiou. Foi realmente “sui generis”, para dizer o mínimo. No final da peça, o meu urso foi abordado por um repórter do jonal Zero Hora que solicitou a impressão dele sobre o que tinha visto. Na verdade o que o reporter esperava era um depoimento de alguém chocado, mas o urso registrou que achou o espetáculo sério, bem feito e que conseguiu retratar, somente através da dança, alguns estereótipos ridículos que os brancos pensam a respeito dos afro-brasileiros (a entrevista foi publicada no dia 20/09/2004).

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O QUE DIZ MOLERO

Quatro horas e meia de espetáculo! A peça começou às 21 horas e terminou perto da 1 e 30 da manhã. Uma maratona! Mas que maravilha, que beleza. Não é uma peça convencional. O que se vê no palco é a “dramatização” do texto de um livro, um “romance encenado”, um "livro falado". O texto quase literal do livro “O que diz Molero”, de um autor portugues chamado Dinis Machado, é expressado através do talento de seis atores que se desdobram em mais de 200 personagens. Uma experiência única e inesquecível.

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AS BASTIANAS

Este é o tipo de espetáculo em que todos choram. No final, da platéia aos atores, todos uniram-se nas lágrimas. Realmente excepcional. Encenado em um albergue municipal a peça conta a simples história da busca por um nome para uma menina que precisava receber um nome de santa. Dito assim a coisa parece inócua, mas não dá para descrever o universo de sensações provocadas pelo trabalho apresentado. Música, fogo, comida, dança, cristianismo, umbanda, crendices populares, tudo misturado num efervescente caldeirão mágico. Com criatividade e talento incríveis as atrizes conseguiram congregar artistas profissionais, platéia, habitantes de rua e albergados no mistério do teatro. Todos interagiram participando ativamente no desenvolvimento da história. O que se vivenciou naquele albergue foi mais do que uma experiência teatral, foi um ritual de comunhão entre os corações presentes no qual as diferenças sociais e culturais ruíram diante da força e beleza transcendentes da encenação. Foi de arrebentar os sentimentos.

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Enfim o festival terminou. O saldo foi positivo com certeza. Ano que vem tem mais..

E VIVA O TEATRO !!!

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Segue abaixo alguns comentários sobre as peças retirados do programa oficial do evento e mais alguma coisa da internet.

O que diz Molero :
Aderbal Freire-Filho volta ao gênero romance-em-cena, mergulhando mais uma vez no universo literário para construir a cena teatral. Tendo redescoberto o escritor brasileiro João de Minas ao apresentar ao público A Mulher Carioca aos 22 anos, iniciando, então, seu trabalho à frente do Centro de Demolição e Construção do Espetáculo, Aderbal se diz culpado de ter inventado um gênero que tem estilo e técnica próprios. A peça é uma reconstrução da vida de um personagem, o Rapaz, por meio de episódios. Os fatos e acontecimentos que construíram a vida do Rapaz são colocados ao público por dois misteriosos investigadores, Austin e Mister DeLuxe, que fazem a leitura de um relatório escrito por Molero. A vida do Rapaz é repleta de diversos personagens, responsáveis por provocar emoções e sensações diversas. É assim que ele se expõe e experimenta sentimentos como o amor, a solidão, a esperança e o sofrimento. O espetáculo recebeu o Prêmio Shell nas categorias de Melhor Diretor para Aderbal Freire Filho e melhor ator para Orã Figueiredo.
O romance e o escritor :
Dinis Machado nasceu em1930, em Lisboa. Apesar de jornalista ligado ao esporte, fez diversas críticas e ensaios cinematográficos além de ter organizado diversos festivais para a Casa da Imprensa de Lisboa entre os anos de 1958 e 1966. Dedicou-se também a edição de histórias em quadrinhos, sendo chefe de redação da publicação Tintin e Spirou. Escreveu três livros policiais sob o pseudônimo de Dennis McShade: "Mão Direita do Diabo", "Mulher e Arma com Guitarra espanhola" e "Réquiem Para D. Quixote". Além de "O Que Diz Molero", escreveu: "Discurso de Alfredo Marceneiro a Gabriel Garcia Márquez" e "Reduto Quase Final"
Na época do lançamento de O Que Diz Molero Dinis Machado declarou ser este seu primeiro e último romance, pois tudo o que precisava ser dito estava contido ali. Vinte e cinco anos depois confirma-se o propósito do autor: o romance O Que Diz Molero é considerado um dos maiores êxitos editoriais portugueses, com mais de cem mil exemplares vendidos, e traduzido para o francês, o alemão, o espanhol, o romeno e o búlgaro.


O samba do crioulo doido :
Entre os 12 espetáculos e duas performances apresentados através do projeto Rumos Dança 2004 do Itaú Cultural, O samba do crioulo doido foi o de maior repercussão. Engajado e dotado de humor cáustico, apropria-se de símbolos nacionais para abordar preconceito, dominação, desejo e (de)formação de valores, cruzando os universos de minorias étnicas e sexuais. O espetáculo aborda a resistência do corpo negro ao exercer a subjetividade para expressar as coisas do mundo. Repensa, dentro de um contexto brasileiro, a objetivação e a carnavalização deste corpo através da história. Assim, a bandeira do Brasil é o pano de fundo e o samba é o ritmo do corpo que transgride, resiste, afirma e aponta para dentro de suas questões e para o humano, independente de sua etnia ou gênero.

As Bastianas :
Baseada em contos do primeiro livro de Gero Camilo, A Macaúba da terra, As Bastianas fala da busca de uma nova identidade e do cotidiano de uma aldeia no sertão nordestino, com suas histórias e sua religiosidade. São as mulheres que nos falam da criação, da luta pela terra e da vontade humana de amor, sabedoria e sossego. A peça recebeu indicações ao Prêmio Shell 2004 nas categorias pesquisa e adaptação teatral. O eixo principal é dado por Mato Soou..., primeiro conto do livro A Macaúba da terra. Trata da história da formação de uma vila, na qual um dia nasce uma menina que não pode ser batizada por falta de um nome santo. Sem nome, a menina cresce esquecida por todos, até o dia em que o irmão caçula, Genésio, sai em busca de missionários que teriam a solução para o problema. A vila permanece com seu cotidiano e suas histórias até o momento em que Genésio, dez anos depois, retorna à vila e reencontra sua irmã.

Tuesday, September 28, 2004

Hospital



Hospital para mim é sinônimo de depressão. Semana passada estive em um visitando uma amiga que está passando por problemas na sua gravidez. Ao chegar lá, desde o momento em que atravessei o portão, já começou a baixar um sentimento de opressão. Este sentimento só aumentou a medida em que caminhava pelos corredores, perguntava a localização do quarto e ia me deslocando pelos labirintos assépticos. Ao vê-la me senti acuado, perdido. O que fazer? O que dizer? Uma pergunta clássica e ridícula é : "Como vc está?". Mas de que adianta a pergunta diante da obviedade dos fatos? A continuidade do questionamento segue o mesmo triste caminho : "Desde quando você sente isto?", "O que o médico disse?", "E os resultados dos exames?", etc, ou então podemos, para tentar amenizar, começar a discutir o "ambiente" do hospital, tipo : comida, médicos, outros pacientes, enfermeiros e outras amenidades.


Eu confesso que não sei bem como lidar diretamente com alguém hospitalizado. Não no sentido de visitar, escutar ou ajudar a pessoa no que for possível. O que não sei é como procedecer para, de alguma forma, estimular a mente do enfermo a navegar um pouco para fora da doença, navegar um pouco para fora do clima local. Talvez isto seja difícil ou mesmo impossível dependendo do que e/ou de como a pessoa está se sentindo. De qualquer forma me incomoda e me choca todo o ambiente que envolve os nosocômios : dor, tristeza, perda, impotência, cochichos, curiosidade, comentários. É claro que sei que muitas alegrias acontecem nestes locais (partos, recuperações, milagres), porém, mesmo assim, fica em mim a impressão de que os hospitais são locais onde a fragilidade da carne humana se revela, se impõe e reina soberana.

PS : O que é curioso é que semana que vem vou sofrer uma pequena cirurgia e vou ter que dormir pelo menos uma noite na "casa de recuperação". Estou me sentindo o peru na véspera do natal, he he ...

Monday, September 20, 2004

Consolo vazio...




“Aquele homem poderia ser o companheiro que lá no centro imune do meu desconsolo eu me acostumara a sentir sem esperar.”


Esta frase, retirada do último livro do João Gilberto Noll “(“Lorde”), aparece quando o personagem principal, um escritor gaúcho cujo nome não é revelado, é recebido, no aeroporto de Londres, pelo inglês que lhe havia oferecido uma bolsa de trabalho na Inglaterra. No momento da recepção, o escritor imagina rapidamente que seu anfitrião poderia ter sido o companheiro amoroso que ele buscou no passado e que agora sabe fazer parte da lista das impossíbilidades da sua vida.

Esta passagem me lembrou que a eterna e universal ação de busca e encontro da nossa metade emocional pode ser assumir diversas formas. Aqui, esta ação se apresenta de forma enviesada, torta, mas que, mesmo assim, traduz algum tipo de recompensa.

A frase diz que o escritor está imune dentro do seu desconsolo emocional. Esta afirmação evoca a idéia de criação de resistência contra algo que sabidamente faz mal. Resistência contra algo já experimentado, já tentado no passado e que resultou em dissabor. Agora o escritor está imune no seu isolamento, no seu silêncio. Isto significa que já não espera nada das relações; ele já teve sua cota de derrotas e agora está protegido contra qualquer aproximação. Porém, ao mesmo tempo mantém, dentro desta triste situação, uma sensação de presença vazia do companheiro querido, a qual, tem consciência, não se traduzirá jamais em realidade.

O escritor sabe que não há esperanças. O amigo virtual não se materializará, não o tocará jamais - viverá para sempre no impossível. Por isto ele mantém este amante idealizado confinado na carapaça dos seus sentimentos. Ele o mantém lá, a salvo de qualquer corrupção, de qualquer possibilidade de manchas. Seu amigo amado está salvo, preservado dentro de um "sentimento sem espera".

Um amor sonhado longe da putrefação do real e que resulta, de certa forma, em repouso ao seu coração.


Monday, September 13, 2004

Vá ao teatro, mas não me chame...



Teatro ! Teatro ! Quanta porcaria se cria em teu nome!

Agora aqui em Porto Alegre está acontecendo o Décimo Primeiro Festival Porto Alegre em Cena, um festival que se propõe a apresentar espetáculos teatrais nacionais e internacionais a preços populares.

Sou um apaixonado por teatro e, por isto, acompanho o festival há vários anos. Nas realizações deste evento já tive o prazer imenso de assistir peças extraordinárias encenadas com talento e competência. Mas é verdade que também já vi muita porcaria, muita droga que algum imbecil qualquer teve a pretensão de chamar de espetáculo e o displante de torná-lo público.

No Em Cena deste ano, que iniciou no final de semana passado, tive o desprazer de assitir, na seqüência, dois lixos teatrais. Um foi Otelo, de Shakespeare, encenado pelo grupo Folias d´Arte de São Paulo, e outro foi Hilda Hilst in Claustro -que apresentava um grupo de freiras ensandecidas-, encenado pelo grupo gaúcho Depósito de Teatro.

O que é engraçado, ou triste, é que estes dois espetáculos parecem ter sido originados da ignorante cartilha do teatro de vanguarda mais tosco - aquele tipo de teatro que mascara incompetência e falta de aptidão com uma proposta ridícula de transgressão e ousadia.

Esta cartilha se pauta pela obviedade, pela mesmice, mas parece que ainda tem seguidores. Ela diz que qualquer criador que queira chocar o público - e, às vezes, ser chamado de gênio- deve seguir as 11 lições seguintes :

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Lição 1 - Gritos e gemidos.

Os personagens devem gritar muuuiitoooo ou então gemer como se estivesem parindo. Devem emitir berros ensurdecedores, devem uivar, ladrar, relinchar. Emitir o texto claramente? Fazer com que o público entenda as falas? Ué? Porque?.. o que importa é a densidade dos personagens.

Otelo : a peça têm mais de três horas de duração. Deu pra entender o que os atores falavam, no máximo, uns 30 minutos.

Hilda Hilst : consegui entender uns 30% da peça.
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Lição 2 - Nudez.

Isto é imprescindível em qualquer peça moderna de vanguarda. Atores e atrizes devem aparecer nús para provar que não têm pudores. O que importa é a arte, a proposta do trabalho.

Otelo : homens nús com capa de chuva transparente, homens de fio dental, mulheres nuas se roçando nas paredes, entre outros

Hilda Hilst : seios, vaginas e nudez completa à vontade.
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Lição 3 - Sexo.

Muito sexo deve ser jogado na cara do recatado público.

Otelo : masturbação e roça-roça

Hilda Hilst : garota aprendendo fazer sexo oral, freiras lésbicas em pleno ato.
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Lição 4 - Palavrão.

Muita boca suja, muito baixo calão, aos berros na frente da audiência.

Otelo : Shakespeare realmente não merecia isto. Foi de arrebentar os nervos ver os personagens falarem tantas obcenidades.

Hilda Hilst : as freiras deveriam lavar a boca com sabão.
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Lição 5 - Cristianismo.

Para mostrar que são transgressores mesmo, estes espetáculos devem associar algum tipo de baixaria à nossa inocente moral cristã.

Otelo : não apresentou algo neste sentido, pelo que me lembro.

Hilda Hilst : muita cruz e muito Jesus associados à podridões e baixarias generalizadas.
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Lição 6 - Sangue.

De preferência espirrado pela boca. É para chocar, ainda não entendeu?

Otelo : personagem com o sexo decepado, tortura com afogamento num balde de alumínio. É óbvio que Otelo tem sangue, guerras e assassinatos, mas deram um jeito de inserir cenas sanguinolentas totalmente gratuitas.

Hilda Hilst : freira se auto-mutilando com uma tesoura, freira chicoteando outras.
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Lição 7 - Necessidades fisiológicas.

Escatologia é básica.

Otelo : personagem defecando

Hilda Hilst : freiras urinando.
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Lição 8 - Outros fluídos.

Pra mostrar que os atores se entregam mesmo à arte.

Otelo : vômito e baba bovina em vários momentos.

Hilda Hilst : vômito e baba bovina em vários momentos.
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Lição 9 - Drogas.

Dependência química dá ibope.

Otelo : personagem cheirando cocaína aos montes. Álcool também.

Hilda Hilst : nada neste sentido, mas as freiras comiam batatas como loucas (e se babavam, é claro).
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Lição 10 - Adeus palco.

Deve ser quebrada a quarta parede. O público deve ser inserido na cena; é o chamado teatro interativo.

Otelo : as arquibancadas se moviam, aproximando e afastando o público das cenas.

Hilda Hilst : a peça foi encenada no pátio de um hospital psiquiátrico. O público não sabia para que lado olhar para acompanhar a ação (ou falta de).
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Lição 11 - Mensagem.

É claro que um espetáculo destes é bem metafórico, bem simbolista. Assim, cabe ao público expremer seu próprio cérebro para captar a proposta, a mensagem, a revelação nas entrelinhas da peça.

Otelo : confesso minha ignorância, não entendi nada. Principalmente a abertura e fechamento da peça com a canção New York, New York

Hilda Hilst : confesso minha ignorância, não entendi nada. Principalmente a cena das três irmãs siamesas grudadas pela vagina.
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E o público?

Me desculpem mas também não entendo.

No Otelo teve alucinados aplaudindo em pé e gritando "bravo".

No Hilda Hilst, pelo menos as atrizes não ficaram para esperar a reação do público - cada uma se fechou num quartinho e por lá ficou-, mas mesmo assim duas pessoas aplaudiram o cenário vazio.

Acho que eles entenderam a arte...
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Ainda bem que o Em Cena ainda não terminou. Espero ver coisas boas nos próximos dias...


Thursday, September 09, 2004

"Entressentir"



"O entressentir-se, entre as pessoas, vem de regra com exageros, erro, e retardo."

Esta frase de Guimarães Rosa revela três enganos que permeiam o mundo das nossas relações e que podem ser responsáveis por vários dos equívocos de percepção que experimentamos na nossa vivência em comum. E o que é pior -e muito natural-, é que estes equívocos podem nos levar, paulatinamente, a adotarmos posições de atração, aversão ou indiferença em relação aos outros - às vezes sem que os próprios saibam.

O exagero impossibilita um olhar tranquilo. Podemos gostar demais, desgostar demais, admirar demais, amar demais, odiar demais qualquer pessoa - às vezes sem perceber que do outro lado existe alguém não sincronizado com o papel de super-qualquer-coisa que lhe designamos (desde super-inimigo a super-amor). Depois, quando alguma coisa acontece e percebemos que o outro é comum, com defeitos e qualidades como nós, podemos nos sentir enganados; ou então vamos constatar o desgaste de energia que tivemos para criar e manter o grande rótulo vazio com o qual coroamos o objeto do nosso exagero.

O erro, o mal-entendido, é muito comum. Pode ser pequeno ou grande, e pode ser bem ou mal esclarecido. De qualquer forma, a dissolução de qualquer desacerto, não interessando seu tamanho, vai depender da disposição e da capacidade de diálogo dos envolvidos. Caso não ocorra um enfrentamento para a busca do entendimento, o erro pode tornar-se um ovo de serpente, um feto de dragão com a possibilidade de nascer, crescer e engolir a todos.

Os retardos, os atrasos, impedem que nossa compreensão, nossa visão correta, aconteça antes que algum estrago já tenha manchado a relação. Felizmente podemos pensar em "antes tarde do que nunca" e partirmos à procura do diálogo, do esclarecimento e da reconciliação. Mas, também, às vezes, a percepção do engano acontece tão tarde que a possibilidade de busca das reconexões torna-se sinônimo de "nunca". Isto pode ocorrer diante de situações irreversíveis como morte, mágoas extremas ou separações irreconciliáveis.

Certamente o universo de ilusões nas relações não se resume a estas três situações. Porém Guimarães, com sua genialidade, consegue, com esta simples frase, nos fazer refletir sobre algumas das mais perniciosas armadilhas a que estamos expostos

A questão é sabermos o quanto estamos alertas para que tais ciladas não perturbem nossos vínculos; é sabermos o quanto estamos dispostos a permanecermos cuidadosos a fim de evitar que qualquer tipo de engano não macule nosso "entressentir". Isto é muito difícil.

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Esta frase foi tirada do conto A Benfazeja, publicado no livro Primeiras Estórias.

Este conto me fez chorar.

Tuesday, September 07, 2004

Encaixe carne

forno pele,
forno pêlo,
aberto poro,
encaixe carne.

sumo muco,
sufôco pulso,
posse-entrega,
espasmo e jorro...


Tuesday, August 31, 2004

Procura-se HIV



Doug, um jovem gay de 19 anos, quer ser infectado com o HIV. Para ele, ter o vírus significa fazer amizades, não ser mais rejeitado nas salas de chat e ter uma vida sexual intensa e despreocupada. Para atingir seu objetivo ele conversa, via internet, com diversos HIV-positivos que, em nome da ajuda ao próximo, se disponham a infectá-lo. Um, em especial, o fascina ao dizer que irá “energizá-lo” com o vírus. Doug faz sexo com o doador eleito e alcança o êxito almejado.

Esta história pode parecer absurda, mas é verdadeira. O caso aparece no documentário “O Presente” (The Gift) que vi semana passada. Fiquei chocado. O documentário apresenta depoimentos de vários gays americanos falando sobre a sexualidade nos tempo de AIDS. Os depoentes vão desde um médico preocupado com a aparentemente permissividade geral até rapazes que voluntariamente querem ser infectados com o HIV. É um filme corajoso e polêmico que não deixa ninguém indiferente.

Para dar uma geral na obra e no fenômeno do bugchasing (caça ao inseto/vírus), traduzi e reproduzo abaixo um artigo escrito pelo colunista Richard Roeper publicado no Chicago Sun Times em 22 de Abril de 2003, antes do filme estreiar nos EUA.

Acrescentei alguns comentários meus.

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O que motiva os caçadores de insetos e os doadores de presente a fazer tal coisa?

Richard Roeper, Chicago Sun-Times Columnist

É uma história tão chocante que você vai querer acreditar que se trata de um boato – uma piada de mau gosto. Mas, entre aquilo que seria uma lenda urbana e uma terrível tendência de comportamento, realmente existem homens gays que querem ser infectados pelo HIV e outros que têm o prazer em ajudá-los a tornar este desejo realidade. Homens gays que desejam ser contaminados são chamados de “bug chasers” (caçadores de insetos/vírus). Homens HIV-positivos que deliberadamente tentam infectá-los são conhecidos como “gift givers” (doadores do presente).

O resto do mundo provavelmente chamaría-os de estúpidos ou patéticos. Rumores sobre esta prática têm circulado por anos, mas o bugchasing só recebeu atenção da grande mídia em Janeiro de 2003 quando a sensacionalista e instantaneamente controversa história “Bug Chasers: Os homens que desejam ser HIV +” foi publicada na revista Rolling Stone. A reportagem iniciava apresentando um homem de 32 anos, de Nova York, que estava" à caça do inseto". Conforme o texto registra : “Carlos... diz que o momento real da transmissão, o instante em que ele contrair o HIV, será o realização da fantasia mais erótica que ele possa imaginar.”

A reportagem inclui também a afirmação, atribuida ao diretor dos serviços de saúde de São Francisco, Dr. Bob Cabaj, que 25 por cento das novas infecções de HIV –um número entre 10.000 a 40.000 casos anuais- são resultado de sexo sem proteção entre homens HIV-positivos, conscientes desta condição, e homens HIV-negativos que querem ser infectados.

Alguns grupos dizem que a reportagem pinta um retrato irreal e exagerado da situação. Cabaj e outros doutores contestaram os comentários atribuídos a eles (a revista sustenta a matéria). A questão é que não há estatísticas concretas. É impensável que alguém faça um levantamento entre os homens HIV-positivos com perguntas do tipo:”Você é um bug chaser”? ou “Você quis realmente ser infectado com o HIV?”.

Também deve ser feita uma distinção entre o que se chama “barebacking” (sexo sem preservativos) e bugchasing. Realmente não há divergências sobre o fato do barebacking ser estúpido e imprudente, mas isto necessariamente não quer dizer que seus praticantes busquem uma DST mais do que qualquer heterossexual que pratique sexo sem segurança. Porém existem vários sites da internet que apresentam grandes listas de festas de sexo para gays onde as camisinhas não são apenas desaprovadas, como também elas não são permitidas. Não são permitidas!

Como pode alguém, em sã consciência, buscar deliberadamente um parceiro sexual que o infecte com o HIV?

Um novo documentário, chamado “The Gift” (O presente) tenta dar algumas respostas. Ele está sendo exibido em circuitos internacionais e fará sua estréia nos EUA no Festival de Filmes de Tribeca. A produtora Loise Hogarth diz que também foi convidada a exibir “O presente” nas Nações Unidas e para membros do Congresso. Hogarth me disponibilizou uma cópia do filme, e tenho que dizer que foi um dos trabalhos mais chocantes que vi em muito tempo. Eu tinha a esperança que alguns dos sujeitos entrevistados fossem atores participando num boato bem montado – que toda a obra fosse uma ficção mascarada-, como um documentário no estilo “A bruxa de Blair”. Mas como você inventa alguém como “Kenboy”, um jovem magrinho com uma leve semelhança com Brad Pitt em “Thelma e Louise”, que diz, “Dê-me o presente então não preciso mais me preocupar a respeito”, e planeja uma festa onde dúzias de homens terão a oportunidade de fazer sexo sem proteção com ele? “Meus amigos da internet, meus amigos das festas, nós não discutimos HIV”, diz Kenboy. “Nós não nos importamos. Se tiver que acontecer, acontece. Porque perder tempo discutindo o assunto?”. Outros entrevistados do documentário dizem que alguns homens gays HIV-negativos na verdade invejam seus amigos HIV-positivos e sentem-se excluídos por não estarem doentes. Eles sentem como se estivessem ofendendo seu amigos HIV-positivos simplesmente por estarem saudáveis.

Um homem HIV-positivo entrevistado num rodeio gay diz, “Eu tenho um amigo que sempre se comporta no estilo ´Eu quero ser como vocês, caras. Todos vocês têm e eu não. Eu quero sair e ganhar o presente’´, mas a questão é que o inseto definitivamente NÃO é um presente. Eu me sentiria realmente presenteado se ele não estivesse dentro de mim”

Em uma mesa-redonda, quatro homens HIV-positivos, maduros e acima dos quarenta, tentam expressar porque a geração mais jovem quer contrair a doença. “Eles sentem que é inevitável, então porque não fazer uma festa a respeito?, diz um deles. Outro complementa: “Eles também não sabem como a coisa realmente é. Eles não querem se preocupar a respeito – mas sinto muito, meu amigo, se você está cansado de se preocupar a respeito. Eu, particularmente, estou cansado de me preocupar quando meu coração irá parar ou quando meu fígado vai explodir (por causa dos efeitos dos medicamentos de controle do HIV). Entenda isto !”

Doug Hitzel, um jovem de 19 anos, é um “bug chaser” bem sucedido. Hoje é HIV-positivo porém atormentado pelo arrependimento. “Se um cara chegava numa festa e queria usar preservativos, imediatamente era estigmatizado”, ele diz. “Ninguém queria transar com ele”. (achei o depoimento do Doug extremamente triste. O arrependimento que ele mostra no final do filme é imenso).

Compare-o com Kenboy, que olha para a câmera e conta suas boa novas: “Na ultima vez que fiz o exame, esperava que desse positivo, e deu. Fiquei aliviado. Finalmente eu o tenho. Agora não preciso mais ficar pensando : tô infectado, tô infectado, tô infectado? Preciso me cuidar? Estou feliz. Aliviado. Finalmente posso respirar novamente”

As pessoas devem ver este filme


THE GIFT --- PRODUCTION CREDITS

Produced and Directed by: Louise Hogarth

Sunday, August 29, 2004

Já que não tem tu, vai tu mesmo....



No início dos 90´s, a empresa onde eu trabalho, numa readequação interna, abriu a possibilidade dos empregados optarem pela transferência para outra organização, com as mesmas condições de cargo e salário anteriores. O alvoroço foi enorme pois a maioria do pessoal vislumbrou na mudança a conquista de melhores condições de trabalho e aposentadoria. Eu não concordava com esta idéia mas também optei pois me sentia estagnado, sem qualquer perspectiva de alteração na função que exercia. Porém um gerente me chamou para conversar e, (in)diretamente, aconselhou que eu desistisse da transferência pois, segundo ele, depois que os optantes saíssem, alguma coisa poderia acontecer e minha situação poderia melhorar. A partir daí, mesmo não tendo nenhuma garantia, decidi permanecer onde estava. Dito e feito. Com a debandada, fui convidado a assumir um cargo de gerência que havia vagado. Porém, aquilo que era para ser uma alegria se tornou um grande incômodo. Explico : na época eu estava lendo um livro do Otto Lara Resende que trazia a seguinte frase : "Não há mérito onde não há escolha". Fiquei chocado. Acabei associando esta frase ao fato de ter sido convidado a assumir a gerência numa situação no mínimo estranha. Na minha cabeça, recebi o convite apenas porque a empresa não tinha outra alternativa -eu achava que todos os bons tinham alçado vôo-. Então, onde estava o mérito? Fiquei com um gosto amargo de vitória-derrota na boca.

Nesta neura, acabei conversando com uma amiga que afirmou que eu estava errado, que havia a possibilidade de escolha sim - citou exemplos- e que realmente eu teria méritos para receber tal proposta. Parei, refleti, concordei, relaxei, aceitei o cargo e segui na nova função. Porém esta frase me marcou e sempre relembrei-a todas as vezes em que me deparei com situações onde uma escolha -de qualquer tipo- parecia ter sido feita no estilo "já que não tem tu, vai tu mesmo...".

Semana passada voltei a ter a mesma sensação. O que aconteceu foi que eu e um colega tínhamos que entrevistar três candidatos para uma vaga de estágio na nossa área. Dois não tinham nenhuma experiência prática. O outro, além da experiência, apresentava um currículo superior de cursos e formação escolar. Assim, facilmente concluímos que tal candidato não possuía concorrentes e o selecionamos. Ao deliberarmos, imediatamente lembrei-me da frase do Otto - cheguei a citá-la ao meu colega-. Só que, desta vez, avancei no exame da afirmação.

Pensei que tá certo que às vezes podemos nos deparar com situações onde o resultado de uma seleção demonstra um esvaziamento de alternativas, uma falta de opções. Se isto ocorre, pode surgir a sensação de que este resultado não possui muitas qualidades; portanto, pode ser considerado, de certo modo, inferior. Isto está correto ? Não. Na minha reflexão concluí que se houve uma diferenciação, uma escolha, esta aconteceu sobre critérios positivos que a justificam e dignificam - mesmo que, na nossa opinião, esta escolha tenha ocorrido através de critérios não muito elevados. Este raciocínio serve para qualquer tipo de opção (amor, emprego, política, etc).

Assim, todo e qualquer objeto eleito possui atributos superiores que o torna merecedor da distinção. Ele traz em si uma definição de acerto obtida através da apreciação e afirmação das suas qualidades únicas, do seu diferencial. Ele é o melhor em determinado momento. Portanto, hoje discordo do Otto e digo que qualquer escolha é carregada de méritos.

PS : Mesmo que mais tarde caia a ficha e se descubra a m... cometida...







Saturday, August 28, 2004

O Dicionário do Diabo



Ontem ganhei quatro livros do meu professor de musculação : Doutor Grasler-Médico das Termas (Arthur Schnitzler), Fedra (Jean Racine), Noites Florentinas (Heinrich Heine) e O Dicionário do Diabo (Ambrose Bierce). Confesso que destes quatro autores só conhecia Racine. De qualquer modo comecei a dar uma folheada nos livros e ao dar uma passada de olhos no Dicionário do Diabo tive uma imensa e grata surpresa. Como o título sugere, a obra é um dicionário, porém não um dicionário qualquer. Neste livro Bierce lista e comenta diversos verbetes com uma ferocidade, uma ironia e um cinismo fenomenais. Uma zombaria generalizada. Fiquei maravilhado pois tenho a tendência a idolatrar autores que sabem usar o sarcasmo com inteligência, tipo Nelson Rodrigues e Oscar Wilde. Bierce é um igual.

Sintam a fera :

AJUDAR : Fabricar um ingrato.

AMIZADE : Barco grande o bastante para levar dois quando o tempo está bom, mas só um em caso de tormenta.

ANTIPATIA : Sentimento que inspira o amigo de um amigo.

AUTO-ESTIMA : Avaliação equivocada.

BOATO : Arma favorita dos assassinos de reputações.

CASAMENTO : Condição ou estado de uma comunidade composta de um patrão, uma patroa e dois escravos, num total de duas pessoas.

CARRO FÚNEBRE : Carrinho de bebê da morte.

CRISTÃO : Aquele que crê que o Novo Testamento é um livro de inspiração divina, admiravelmente indicado para as necessidades espirituais do seu vizinho. Aquele que segue os ensinamentos de Cristo até o limite em que não atrapalhem uma vida de pecado.

DESOBEDECER : Celebrar com uma cerimônia apropriada a caducidade de uma ordem.

DEVASSO : Alguém que séria e obcecadamente perseguiu o prazer e teve a desgraça de obtê-lo.

DISCUSSÃO : Método de fortalecer nos outros suas idéias erradas.

EGOÍSTA : Pessoa de mau gosto, mais interessada em si própria do que em mim.

EMOÇÃO : Doença prostrante causada pela sujeição da cabeça ao coração. Às vezes vem acompanhada de uma copiosa descarga de cloreto de sódio hidratado proveniente dos olhos.

ENTUSIAMO : Doença nervosa que aflige os jovens e os inexperientes. Paixão que precede um bocejo.

FAVOR : Um breve prólogo para dez volumes de cobrança.

FELICIDADE : Sensação agradável proveniente da contemplação da miséria alheia.

FÊMEA : Alguém do sexo oposto ou injusto.

GALHO : Ramo de uma árvore ou perna de uma norte-americana.

GATO : Autômato flexível e indestrutível, fornecido pela natureza para ser chutado quando as coisas vão mal no ambiente doméstico.

HABILIDADE : Um tolo substituto da inteligência.

HUMILDADE : Paciência necessária para se planejar uma vingança que valha a pena.

IGNORANTE : Pessoa desacostumada a certos tipos de conhecimento familiares a você e conhecedora de outros tipos que você ignora.

INDIFERENTE : Imperfeitamente sensível para diferenciar uma coisa da outra.

LAMENTÁVEL : O estado de um inimigo ou oponente depois de um duelo imaginário.

LAZER : Luxo vedado aos pobres.

MACACO : Animal arbóreo que se sente à vontade em árvores genealógicas.

MATAR : Criar uma vaga sem designar um sucessor.

NEPOTISMO : Prática que consiste em designar sua avó para um cargo público, para o bem do partido.

NOVEMBRO : Décimo-primeiro dos doze avos do tédio.

OCIOSIDADE : Fazenda modelo onde o diabo experimenta as sementes de novos pecados e promove o crescimento de vícios existentes.

OPORTUNIDADE : Ocasião favorável para se ter um desapontamento.

PASSATEMPO : Artifício que estimula o tédio. Exercício moderado para inteligências debilitadas.

PENITENTE : Aquele que vive sofrendo ou aguardando punição.

QUADRO : Representação em duas dimensões de algo enfadonho em três.

RECÉM-CASADA : Mulher com brilhante perspectiva de felicidade pelas costas.

SANTO : Pecador morto, revisado e editado.

SOLITÁRIO : Em má companhia

TRÉGUA : Amizade

VIOLINO : Um instrumento que faz cócegas no ouvido humano através da fricção da cauda de um cavalo nas entranhas de um gato.

VOTO : Instrumento do poder de um homem livre para fazer de si mesmo um idiota e de seu país um caos.

Genial
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Sobre Bierce :

Norte americano, nascido em 1842, Ambrose foi o décimo dos treze filhos de Marcus Aurelios Bierce.

A casa onde cresceu , dizem os biógrafos, era estranha e tinha um aspecto macabro. Seu pai era um fanático religioso, amante da poesia e dominado pela mulher. O casal acabou perdendo os três filhos mais novos, fazendo assim com que Ambrose se tornasse o caçula.

Já crescidos os irmãos Bierce se desentenderam e se dividiram em grupos antagônicos, odiando-se mutuamente. Um deles se rebelou contra o fanatismo religioso da família e fugiu para ser artista de circo. Uma irmã, ao contrário, assumiu toda a superstição paterna e viajou para ser missionária na África, onte teria sido, inclusive, devorada por canibais.

Meio sem rumo, o jovem Bierce acabou entrando no exército através da influência de um tio aventureiro. Nesta situação participou da guerra da secessão onde apresentou uma destacada bravura e um certo sentimento suicida. Acabou baleado na cabeça. Depois de curado, e incomodado com a vida de segundo-tenente, pegou uma moeda, jogou para cima e decidiu no "cara ou coroa" se seguiria a vida militar ou entraria para o jornalimo. As forças armadas perderam. Na nova carreira Ambrose se destacou pelas charges políticas e pelos editoriais arrasadores impregnados de sarcasmo. Também foi autor de 68 histórias curtas (ou contos) cujos ingredientes principais são o fantástico, o humor negro e a guerra.

O curioso é que ele teria passado algum tempo aqui no Brasil, mais especificamente em Porto Alegre, atuando como correspondente de Buenos Aires para o jornal Tribune de Nova Yorque. Ele teria enviado ao Tribune um total de 62 cadernos, com 50 folhas cada um, onde analisava os aspectos políticos e sociais da nossa província. Isto pode ou não ser verdade pois o período em questão (1892) é o mais obscuro e indefinido da sua existência. De qualquer forma sabe-se que em 1913 Bierce parte dos Estados Unidos em direção ao México supostamente para cobrir as guerrilhas dos rebelados de Pancho Villa.

Nunca mais foi visto.

"Minha independência é meu patrimônio. É minha literatura. Escrevo para agradar a mim mesmo, não importando quem saia ferido".Ambrose Bierce.

Thursday, August 26, 2004

Tô pagando



O jornal Zero Hora do dia 25/08 trouxe uma pequena reportagem sobre os garis que são obrigados a se afastarem do trabalho devido a acidentes de atividade causados por objetos cortantes que são colocados no lixo sem a devida proteção. O texto registra que por volta de 15% da força está permanentemente afastada devido a estes problemas e fala da falta de cuidado ou da despreocupação dos usuários em acondicionar corretamente os materiais.

A reportagem me fez pensar sobre diversas situações onde simplesmente nós, na arrogância de quem paga para receber um serviço, nos esquecemos de considerar o trabalho das pessoas que o executarão. Achamos que por causa da superioridade de quem remunera, não temos a obrigação de pensar em facilitar a atividade do outro. Isto não é nosso dever.

Alguns exemplos de descaso :

Restaurante :
Descaso = Deixar os pratos, talheres, comidas, guardanapos, palitos, etc, atirados de qualquer maneira, ou seja, deixar a mesa um chiqueiro.
O que pensamos = "Tô pagando.."

Cinema :
Descaso = Deixar latas, pacotes e embalagens jogados na poltrona, chão e arredores.
O que pensamos = "Tô pagando..."

Animais :
Descaso = Deixar os cachorros fazerem cocô em qualquer lugar na rua.
O que pensamos = "Pago meus impostos, os garis que limpem..."

Lixo :
Descaso = Não embalar adequadamente vidros, metais e outros materiais perigosos
O que pensamos = "Se garis não usam luvas é porque não querem. Garanto que a prefeitura fornece..." ou "Tô pagando pelo serviço.."

Descaso = Jogar lixo em qualquer lugar.
O que pensamos = "Se a gente não sujasse, o que os lixeiros fariam?" ou "Pago meus impostos, os garis que limpem..."

e assim por diante...

O curioso é que ao agirmos de qualquer uma destas maneiras até podemos nos sentir um pouco incomodados com nossa atitude, mas logo pensamos no que estamos desembolsando e acabamos por afirmar nossa superioridade frente ao cenário.

Assim, o que fazemos é passar nossos restos adiante e virar o rosto pro lado sem remorso ou preocupação alguma. Vamos nos sentir egoístas ou insolentes por agir assim ?... que nada... Temos mais no que pensar. Afinal, estamos pagando...

Mas, sem ser piegas, será que não é possível pensarmos um pouco mais no outro ?







Monday, August 23, 2004

Meu urso



Um divisor da minha vida, um invasor dos sentimentos, um destruidor de conceitos. Chegou manso e tomou conta. Rápido, inesperado, muito grande e assustador. Avassalador. Lutei contra. Não estava preparado. Busquei apoio para a recusa. Minha razão mandava. Avancei, cortei as folhas, os galhos. Arranquei a raiz. Achei que venci. Voltei à vida anterior, mais calma e segura. Mais conhecida... Ledo engano

Percebi uma semente na alma. Uma semente de sentimentos não vividos exigindo luz. Tive medo. Quis esmagá-la, abafá-la. Ela, mais forte, germinou. Tinha que cumprir sua natureza. Cresceu, rompeu, tomou conta. Virou uma selva de cipós que me enredou naquilo que me assustava e seduzia. O coração gritando sufocava qualquer tentativa de fuga. A memória da pele exigia. O corpo ansiava. Começo, meio e fim do meu prazer.

Percebi minha derrota. Meu ser racional esmagado... Falhei em me enganar.... Perdido, busquei o reencontro. Buscamos o reencontro. Cura e recomeço.

Hoje estamos juntos. Mesma casa, dia a dia. Aconchego, paz, afeto. Aceitação, crescimento, descobertas. Brigas, discussões, divergências... Nós.

Onde vai acabar? Quando vai acabar? Não sei, não sabemos. Agora queremos. Agora precisamos. Agora vivemos.

Te amo.

Saturday, August 21, 2004

LEGO FRANKENSTEIN - Monte o seu



Há muitos anos -eu sei que é deprimente começar um texto pessoal com este tipo de frase que revela... uma certa experiência de vida, mas fazer o que?-, então : Há muitos anos quando eu era discípulo do Rajneesh -um mestre indiano que depois mudou o nome para Osho e enlouqueceu- eu li um livro do guru que contava uma história que me marcou indelevelmente (ou seja, pra sempre).

A história falava sobre um jovem belo e rico que queria casar. Sabedoras da intenção do moço, logo inúmeras donzelas o procuraram e apresentaram seus dotes e suas graças, porém nenhuma o agradou. O problema é que ele tinha definido uma série de condições que a pretendente deveria preencher para ser eleita sua esposa. Ele estava em busca da mulher perfeita. As moças se esforçavam, mas como as exigências eram muito altas, acabavam sendo dispensadas. Assim, os anos foram se passando e ele foi ficando cada vez mais preocupado pois, apesar da continuidade de fluxo de formosas, a infalível não aparecia. Inconformado, decidiu então sair em viagem para encontrar a alma metade padrão ISO. Tinha certeza de que ela deveria existir em algum lugar e, por isto, partiu na sua busca. Viajou pelas cidades próximas, depois pelas mais distantes, pelo seu país, países estrangeiros e outros continentes. O tempo passou, ele foi envelhecendo e nada de encontrar a deusa única. Porém, um dia, em um país muito, muito distante, à beira de um lago, ele encontrou-a. Era ela! A desejada! A princesa sonhada! A rainha! Ele não acreditou! Depois de quase uma vida de busca finalmente ela estava alí! Em prantos e radiante de felicidade, jogo-se aos pés da eleita e ofereceu seu coração, sua vida, sua alma, seu tudo. Falou-lhe da sua saga, da sua odisséia, da sua bravura e tenacidade para procurá-la, o tesouro ansiado. Ela escutou pacientemente tudo o que ele tinha a dizer e respondeu que o entendia perfeitamente bem pois também procurava alguém para casar. Só que tinha um problema, ela estava em busca de um homem perfeito e ele não se enquadrava nos requisitos dela...

Esta história pirou minha cabeça na época. Como todo mundo, eu também procurava minha alma gêmea idealizada, a pessoa que deveria ser classificada com conceitos de Muito Bom a Ótimo em todos os itens do formulário "Escala de Qualidade para o Amor Perfeito - by Iuri". Eu procurava a pessoa que iria preencher todos os requisitos com o máximo de primor e precisão. E qual seria o prêmio de quem conseguisse colar grau? Eu é claro!! Alguém quer um prêmio melhor? ... que presunção!.. que ilusão!.. dá até pena.... Então, depois de ler esta história, caí em mim -que expressão ridícula- e percebi a estupidez de esperar pela excelência encarnada.

Hoje acredito que ao montarmos o lego do perfil sócio-econômico-político-cultural-filosófico-físico (e sexual é claro), da cara metade perfeita (e ficarmos esperando que o Frankenstein tome vida) estamos encarcerando possibilidades de vivências para nós mesmos. Estamos restringindo novas descobertas, impossibilitando encontros, aventuras, acasos. Se isto acontecer, corremos o risco de permitir que o ser perfeito e ilusório, gerado pela nossa vaidade, acabe por nos impedir de experimentar, de tentar e, quem sabe, até mesmo de achar um projeto de príncipe (ou princesa) encantado(a) que, se não for o the best, pode chegar bem perto (...algo tipo o Shrek ou a Fiona...)






Thursday, August 19, 2004

Trepada no queijinho...



Pessoas estrelas são aquelas que querem estar sempre em primeiro plano em qualquer situação. Precisam ser o centro das atenções, ser vistas, ser admiradas. Precisam estar sempre sob as luzes e, para isto, utilizam as mais diversas estratégias. Segue abaixo alguns tipos de pessoas estrelas que identifiquei :

A estrela erudita - é aquela que nos oprime com sua sabedoria amazônica. Para isto, ao falar sobre um tema, a estrela se apóia em dezenas de citações de livros, autores e pensadores consagrados para deixar bem claro que qualquer tentativa de discordância da nossa parte será inútil. Uma fala típica desta estrela : "Conforme afirmaram Sócrates, Platão, Spinoza, Nietzche, Sartre, Freud, e outros mais, tal coisa é....". E aí ? Quem discordar há de ? Só nos resta nos recolher à nossa insignificância e chorar no cantinho.

Ou então a erudita usa um jogo impressionante de palavras para nos confundir e conseqüentemente calar nossa ignorância, tipo : "...fazendo uma leitura de Marx em Weber e buscando uma analogia com Hengel, interpretado por Arendt, sob a ótica de Focault, temos que ..."... Hã ??

A tagarela
- falar, falar e falar. Esta estrela se caracteriza pela compulsão oral. A fala sai aos borbotões, sem reflexão, sem análise - muitas vezes aos gritos-. A tagarela não está interessada em ouvir o que temos a dizer, isto não importa. A não ser, é claro, que nossa manifestação ocorra -rapidamente- para concordar com tudo o que ela fala. Se tentarmos discordar de alguma coisa, a tagarela passa a usar várias de suas armas para colocar-nos novamente no nosso devido lugar. Estratégias de neutralização utilizadas pela tagarela : simplesmente ignorar nossa manifestação; demonstrar uma atenção fingida; usar o deboche; desviar o assunto, ou então tentar parecer boazinha e mostrar uma cara tipo ".. coitadinho, ele não sabe do que está falando..."

A moderna -
esta tem sério compromisso com o atual. Música, livros, autores, moda, cinema, filosofia, mídia, internet, culinária, política, sexo, seja lá o que for a moderna tem opinião para tudo (uma coisa Washington Olivetto, sabe ?). A moderna é hipertexto, é hipermídia, é pós moderna. Não conseguimos alcançá-la, ela está sempre vários quilômetros à nossa frente. A estrela moderna é "formadora de opinião" e por isto nós, os desinformados, a ouvimos babando -afinal estamos sempre precisamos que alguém nos diga quais tendências seguir- . O problema é que quando começamos a nos encaixar naquilo que a moderna determinou como atual, a estrela já está procurando e definindo outra novidade para nos perturbar.

A artista -
palco, esta é palavra que define a artista. Esta estrela mantém seu kit-palco sempre por perto, pois sabe que, a qualquer momento, pode surgir a oportunidade de brilhar. A artista vive mil papéis, é ágil, é bem relacionada, cheia de programas. Precisa estar sempre se manifestando, reluzindo, mesmo que não estejamos nem um pouco interessados no que ela tem a oferecer. Mas a artista não quer nem saber, ela só vive para as luzes, o público e, obviamente, os aplausos.

A superior
- esta impressiona só pelo olhar (superior, é claro). Só um levantar da sua sombrancelha é suficiente para nos colocar abaixo da titica do cavalo do bandido. Faz questão de demonstrar que ignora a ralé (nós) e, por isto, tem um diferencial : ela é uma estrela por si só, não precisa de adoradores. Ela sabe de seu poder e exala auto-confiança. Tem atitude e é imponente. A estrela superior se acha, se sente e se basta.

A vítima - é aquela que faz questão de ser coroada com seu próprio sofrimento. Para ela nada nunca está bom. Se temos um problema, o dela é maior. Se estamos feliz, ela dá um jeito de nos lembrar que está sofrendo. Se tentamos ajudá-la, ela recusa (é óbvio) e reafirma o próprio drama. A vítima quer atenção, quer ser bajulada, quer que sintamos pena da sua situação. Ela grita sua miséria, sua dor e nos faz sentir culpados por não sofrermos tanto. A paixão de Cristo ? Fichinha...A vítima é crucificada 24 horas por dia. Todos os dias...(no firmamento, é claro)

Finalizando :
Certamente existem vários outros tipos de estrelas, mas, independente do tipo, todas tem algo em comum : a necessidade de trepar no queijinho e dar show para toda a boate. Por isto, o que acontece quando duas estrelas têm que compartilhar o mesmo espaço (ou o mesmo queijinho) ? Isto eu respondo no futuro.



PS : gente, isto é brincadeira, ok ? Eu não acredito em rótulos apesar de algumas pessoas quererem assumí-los. Porém, mais cedo ou mais tarde, os rótulos desgastam-se, apodrecem e caem.

Tuesday, August 17, 2004

O inferno está cheio de bem intencionados



Há alguns anos, durante 8 meses, trabalhei como voluntário no CVV (Centro de Valorização da Vida).Para quem não sabe, o O CVV é uma organização não governamental de voluntários, existente em vários países, que tem como objetivo principal a prevenção do suicídio. A idéia do CVV é aparentemente simples : o que os voluntários devem fazer é escutar o desabafo e as angústias de uma outra pessoa sem emitir seus próprios conceitos e preconceitos. É praticar o acolhimento incondicional da verdade alheia, seja ela qual for, sem conselhos e nem lição de moral. Dito assim, a coisa parece simples mas o exercício real desta idéia pode ser muito dificil.

Antes de conhecer o CVV de perto, eu achava que a entidade era uma espécie de central de conselhos. E eu, imbuído da "motivação de ajudar", tinha a pretensão de que estava pronto para auxiliar o próximo com toda minha sabedoria adquirida em anos de prática religiosa e filosófica. Que piada ! Que orgulho ! Minha soberba caiu logo no início do curso de preparação para o atendimento, quando nos foi ensinada a regra básica : ouvir e aceitar. E só. Como assim? E toda a minha bagagem de conselhos que eu imaginava que as pessoas estavam ansiosas para ouvir ? E toda a minha experiência de voluntariado? -que na verdade era muito pouca-. Mas mesmo assim fui em frente e completei o curso de preparação..

Iniciei o trabalho nos plantões e logo comecei a viver um universo de emoções : tristeza (muita, diante de situações mais ou menos trágicas); impotência (em não poder resolver vários dramas); raiva (ao ouvir -é verdade- confissões de atos criminosos); tédio (ao ouvir longos monólogos -às vezes de mais de uma hora- de pessoas que apenas queriam falar, falar e falar) mas também vivi muitas felicidade e alegrias. Foi um período no qual experimentei um precioso crescimento pessoal e onde se iniciou um definitivo "turning point" na minha vida (talvez um dia fale sobre isto). Aprendi várias coisas fundamentais para qualquer ser humano, porém a mais importante de todas foi entender que, a despeito da nossa vontade, somos limitados na nossa capacidade de ajudar quem quer que seja.

Aprendi que, por mais que queiramos auxiliar alguém a resolver um problema, nossa ação é limitada. Este limite pode surgir diante de situações reais (uma doença, por exemplo) ou -e é aí que a coisa complica- o limite pode surgir quando o outro não enxerga nenhuma possibilidade de solução para sua própria questão, mesmo que, aparentemente, esta solução esteja evidente para nós. Quando isto acontece, diante da falta de ação do outro, nossa tendência é começar a dar conselhos, dizer coisas do tipo : "vc deve fazer isto, ou aquilo", ou "se fosse comigo, eu faria tal coisa" ou -esta é clássica e terrível- "isto vai passar". Ou então começamos a questionar : "como pode aguentar tal coisa?", ou "porque você não reage ?". Começamos a tagarelar como se fôssemos a perfeição em pessoa e tivéssemos resposta para qualquer problema da humanidade.

Na intenção do auxílio não percebemos que não temos o direito de desrespeitar quem quer que seja com nossa sabedoria de almanaque. Mas não, o que queremos é que o outro aceite imediatamente nossos sábios conselhos e rapidamente encontre o caminho da salvação. Mas a verdade é que as soluções, dependendo da realidade alheia, podem ser muito difíceis ou impossíveis de alcançar, e, neste caso, quanto maior for nosso esforço para influenciar o outro, mais ficaremos frustrados pela falta de resultados. E dai ? Do que vai adiantar nosso inútil poder iluminado ?

É claro que o drama do outro pode diminuir ou acabar mais cedo ou mais tarde (seja por uma reação positiva ou pela passagem do tempo, por exemplo), mas existe um momento onde o sofrimento é grande e real e nada do que possamos dizer irá amenizar a dor sentida.

No momento da revelação da sua angústia a pessoa pode estar vivenciando uma situação terrível e o que quer, o que precisa, é simplesmente alguém para escutá-la, alguém para partilhar sua dor, e não alguém que a com um discurso de soluções ou questionamentos fáceis.

Friday, August 13, 2004

MGB - Música Gay Brasileira



ATENÇÃO

O POST ABAIXO FOI ATUALIZADO !

Clique AQUI para ter acesso ao trabalho sobre MPB - GLS que desenvolvi no final do curso de Especialização em Literatura Brasileira (UFRGS)

Uma canção como Final Feliz, de Jorge Vercilo, pode ser considerada uma obra gay? A princípio não, mas se analisarmos os versos -"...chega de fingir /eu não tenho nada a esconder /agora é prá valer /.../ Pode me abraçar sem medo / pode enconstar tua mão na minha..."-, podemos encontrar uma certa mensagem de teor homoerótico. Isto está correto? Depende do ponto de vista.

A possibilidade de leitura dúbia das letras de muitas músicas faz com que seja muito difícil traçar um panorama abrangente sobre a manifestação homoerótica no panorama musical brasileiro. Se por um lado fica fácil o entendimento onde a canção traz uma mensagem explícita, por outro, a coisa complica diante da possilidade de encontrar um conteúdo gay nas entrelinhas de várias outras obras não assumidas. Isto faz com que a tentativa de aprofundar o assunto de uma maneira séria esteja, antecipadamente, condenada ao insucesso.

Porém, como acho o assunto muito interessante, registro aqui alguns comentários a respeito de artistas que projetaram a o universo gay na mídia, seja através de canções, de uma proposta de trabalho ou de sua história pessoal.

O GÊNIO DE OLHOS VERDES



Chico Buarque de Hollanda é um compositor que contribuiu com ótimas canções para o universo musical gay brasileiro. De forma explícita, pelo menos duas de suas obras podem se enquadrar como conteúdo homoerótico. Uma é Bárbara, composta no início da década de 70 para a peça censurada "Calabar - O Elogio da Traição" , na qual duas mulheres (Ana e Bárbara) cantam seu amor mútuo com versos do tipo -" ..o meu destino é caminhar assim desesperada e nua / sabendo que no fim da noite serei tua.."- e, depois, na parte mais explícita -".. vamos ceder enfim à tentação das nossas bocas cruas / e mergulhar no poço escuro de nós duas / vamos viver agonizando uma paixão vadia / maravilhosa e transbordante, feito uma hemorragia.."-. Existem várias gravações desta música, sendo que a mais bela é o dueto entre Simone e Gal Costa.

Outra de suas obras é Geni e o Zepelim, composta para a peça "A Ópera do Malandro", que conta a história de um travesti semi miserável que é alvo da exploração popular, tanto sexual quanto política. Versos fortes e diretos marcam a triste história da frágil criatura -" ...de tudo que é nego torto / do mangue e do cais do porto / ela já foi namorada / O seu corpo é dos errantes / dos cegos, dos retirantes / é de quem não tem mais nada.."-.

Tanto Barbara quanto Geni são bonitas canções, mas é interessante notar que foram compostas para personagens específicos, dentro de obras teatrais, portanto podem não ter um caráter emocional mais abrangente.

SAMBA CONTRA O PRECONCEITO



Dentro do seu notório espírito plugado e combativo, a sambista Leci Brandão lançou em 1978 a triste canção Ombro Amigo que retratava, de forma brilhante, a dificuldade da condição gay da época. A letra inicia afirmando a condição do amor marginal - " ...voce vive se escondendo / sempre respondendo com certo temor / eu sei que as pessoas lhe agridem / e até mesmo proibem sua forma de amor.."- e segue trazendo uma certa esperança -"...num dia , sem tal covardia, voce poderá com seu amor sair / agora ainda não é hora de você, amigo, poder assumir..." - e finaliza -"... e você tem vir pra boate / pra bater um papo ou desabafar / e quando a saudade lhe bate / surge um ombro amigo prá você chorar..."-. Ou seja, a música mostra que, nos 70´s, o gay só encontrava nos guetos (tipo boate) o espaço acolhedor para poder expressar seus sentimentos. Isto era muito verdade.

O BREGA E AS BIXAS



Uma obra fundamental para o entendimento da musica brasileira é o livro "Eu não sou cachorro não - música popular cafona e ditadura militar" do jornalista e historiador Paulo Cesar de Araujo. Neste livro, o autor dedica algumas páginas para discutir o trabalho de vários cantores, considerados "bregas", que lançaram músicas falando sobre o universo homo na década de 70. Agnaldo Timoteo, Wando, Nelson Ned e Odair José são listados como artistas que ousaram abordar o tema durante o período mais terrível de censura às artes.

Entre 1975 e 1977, Agnaldo gravou três discos que acabaram por formar a chamada Trilogia da Noite. De 1975 é A galeria do Amor, uma ode explícita à Galeria Alaska em Copacabana, um notório local de encontros gays do Rio de Janeiro. Diz a letra -"...na galeria do amor é assim / muita gente à procura de gente / A galeria do amor é assim / um lugar de emoções diferentes / Onde gente que é gente se entende / onde pode se amar livremente..."-. No livro, Agnaldo conta de onde surgiu a inspiração para a música : "Eu fiz esta canção por causa de uma noite de paquera. Eu cheguei de viagem, joguei a mala de dinheiro numa gaveta do quarto, desci, peguei meu carro e fui paquerar. E chegando ali eu vi aquele ambiente, as pessoas se olhando, os coroas paquerando os menininhos... foi numa noite de paquera. Aquilo que eu retratei na letra foi real, absolutamente real" . Devido ao sucesso de "Galeria do Amor", Agnaldo gravou mais dois discos na mesma linha Perdido na Noite, de 1976 e Eu Pecador ,de 1977.

Em 1978 Wando gravou Emoções que falava sobre a descoberta do amor entre dois adolescentes - "...nos fizemos tão meninos / livres tão vadios de tanto querer..."- a letra segue revelando o medo dos garotos se entregarem à paixão, mas finaliza -"...a lua iluminou teu corpo / moreno bonito pra me provocar / No teu rosto um riso lento / misturado ao pranto eu vi desabrochar / Te agasalhei nos braços / pele, mãos, espaços acariciei / Te amei suavemente e tão docemente / Eu me fiz teu rei..."-. Nossa !! Wando, o que é isto ??

Odair José com Forma de Sentir -"..sei que és entendido e vais entender / que eu entendo e aceito a tua forma de amor..."-, e Nelson Ned, com Meu jeito de amar, que conta o drama de um rapaz que sofre por sentir um "amor proibido pelas leis deste mundo..." também falaram de forma mais ou menos explícita sobre o tal amor que não ousa dizer o nome.

ROCK- DA INOCÊNCIA À CONSCIÊNCIA



No início dos 80´s ocorreu uma revolução na música nacional com rock invadindo a grande mídia. Das obras da época, lembro de duas músicas do Léo Jaime que abordaram o mundo gay buscando ser engraçadas. Uma é Aids, composta dentro da inocência de quem ainda não sabia no que iria se tornar esta terrível praga mundial. Dizia a letra -"...é a última moda que vem de Nova York / e deve ser bom como tudo que vem do norte..." - e, depois, no refrão que o povo pulava e cantava em coro -"...aids, não tente colocar band-aid..."-, que soava assim -"..êidis, não tente colocar bandêidis !!..."-. Veja só !!

Outra do Léo é Sônia (versão de Sunny), que diz em um certo trecho -"..você na frente e eu atrás / atrás de mim um outro rapaz / Sonia, meu amor, que loucura..."-. Realmente!!

Lulu Santos, com toda sua verve pop, perpetuou, em Toda Forma de Amor, a frase definitiva sobre o respeito universal -"...consideramos justa toda a forma de amor..."-. Sábio Lulu !

Pode parecer heresia mas acredito que os dois maiores ícones gays do rock brazuca, Cazuza e Renato Russo, não criaram musicas marcantes no assunto. Talvez o Renato tenha sido mais explícito com Meninos e meninas - " ...e eu gosto de meninos e meninas / vai ver que é assim mesmo e vai ser assim pra sempre..."-. Também o Renato, no momento da saída do armário, gravou o The Stonewall Celebration Concert, uma homenagem aos gays que resistiram à invasão do Bar Stonewall no Greenwich Village (New York /Julho de 1969). Porém é um disco sem músicas nacionais, o que é uma pena.

Cazuza escreveu em O tempo não pára uma frase contundente -"... te chamam de ladrão, de bixa, maconheiro / transformam o país inteiro num puteiro / pois assim se ganha mais dinheiro..."- Talvez este grito de revolta tenha sido a referência mais explícita à causa gay do poeta.


ASSUMIDOS E SEM PRECONCEITOS



Uma discussão recorrente no meio gay é enclausuramento no armário de determinados artistas. Nesta discussão muito se especula em relação a certos nomes, mas a verdade é que só quando um artista assume sua condição homossexual publicamente é que se pode ter certeza de alguma coisa. Alguns assumiram, como Angela Ro Ro, Cássia Eller, Vange Leonel, Laura Finochiaro e Edson Cordeiro.

Ro Ro é uma sobrevivente do século passado que causou grande furor na inocente sociedade brasileira com sua "atitude agressiva" e um certo escândalo sentimental. Alvo de críticas dos juízes de plantão, ela acabou se recolhendo durante muitos anos e agora está de volta, renovada e recuperada, com um programa de entrevistas na televisão. Confesso que não me lembro de nenhuma música explicitamente gay que ela tenha composto, mas é dela uma bela gravação de Bárbara.

A insubstituível Cassia Eller, que nunca escondeu sua condição de lésbica, gravou várias canções para a comunidade. Exemplos: Eles -"..os meninos e as meninas / os meninos e os meninos / as meninas e as meninas / eles só querem é gozar..."-, e Rubens -"..a sociedade não gosta / o pessoal acha estranho / nós dois bricando de médico / nós dois com esse tamanho.."- e depois - "...quero te apertar / quero te morder, me dá / só que eu sinto uma dúvida no ar: / Rubens, será que dá? / a gente é homem / o povo vai estranhar .... Rubens, eu acho que dá pé / esse negócio de homem com homem, / mulher com mulher..." -. Grande Cássia !!

Vange é uma compositora e escritora que alcançou grande sucesso nacional com a música Noite Preta, tema da novela Vamp. Dela é uma música muito legal, Esse mundo, que retrata um certo sonho de congregação da comunidade gay. A canção inicia -" ...bem vindos, bem vindos aqui / o trem já vai partir / desarmem suas tendas temos muito a descobrir / não há um lugar no mundo onde não podemos ir..." - e depois traz um certo sentimento utópico de unidade -"...esse mundo vai nos ver brincar / esse mundo vai nos ver sorrir / esse mundo vai nos ver cantar..". Já em outra canção, Rabo de Sereia, ela é bem explícita -"...diga que me odeia, diga que me quer / eu sou sua parceira, eu sou sua mulher / chave de cadeia, buraco do ladrão / rabo de sereia, juba de leão / você incendeia o meu coração / minha companheira, minha direção / só de brincadeira, diz que não me quer / larga de besteira, eu sou sua mulher.."-. Uau !

Com imagem de artista cult, Laura Finochiaro nunca atingiu o grande público e talvez, desconfio, também não conseguiu grande penetração na comunidade gay brasileira. Porém é dela, em parceira com Glauco Mattoso e Beto Firmino, o Hino da Diversidade, uma bela canção sobre a celebração ds diferenças que ela entoou na parada Gay de SP em 2000.

Edson Cordeiro gravou vários discos, na minha opinião irregulares, antes de encontrar o filão da disco music. Sua maior ousadia artística na área é o clip de "Don´t let me be misunderstood", com forte conotação sexual homoerótica, que foi banido das tvs brasileiras.

ACREDITA NA FORÇA DO BATE CABELO !!



No estilo drag-music (seja lá o que isto pode significar) existem lançamentos de artistas tipo Dimmy Kier, Léo Áquila, Selma Light e Michelly Summer, que trafegam entre o universo da dance music, o hilário e o caricato. Andreia Gasparelly talvez possa ser considerada a precursora do estilo com o lançamento de um cd, acho que na década de 80, que trazia a pérola "Desaqüenda la Mona".

Por outro lado, o MC Serginho também contribuiu com a classe colocando sua drag-passista-transformista-techno-pornô Lacraia como personagem de alguns de seus funks. Em um deles a musa do pós-apocalipse canta -"... eu te dou um dinheirinho, você come o o meu c..inho..."-. Sem comentários. Pano rápido e força na peruca !

PUNK GAY ESCATOLÓGICO



Mais recentemente surgiu aquela que talvez tenha sido a primeira banda de punk rock assumidamente gay do Brasil. É a Texticulos de Mary, que particularmente gosto muito, uma banda de Recife que traz um som porrada, um misto de hardcore, punk e glam rock. As letras vão desde o hilário ao escatológico. Uma idéia : -" ..eu quero ser tua cadela / engatada no teu pau / um suicida agarrado na tua perna / um coração exposto pela via anal" (Propóstata)-. Singelo, não? O curioso é que os integrantes da banda falavam (sim, "falavam" pois grupo já acabou) que o Texticulos tinha mais receptividade no meio roqueiro do que no meio gay. Os gays, talvez muito sensíveis, não gostavam do som ("muito sujo"), ou das letras ("muito sujas") ou da postura da banda ("muito sujos"). Isto lembra uma frase que diz : "gay não gosta de rock pesado". Será verdade? De qualquer forma os Texticulos prometem o lançamento de mais um cd, mesmo que a banda não exista mais. Tô aguardando !

FECHANDO A ROSCA

Como disse inicialmente, o assunto dá muito pano prá manga e é inesgotável. Mas de qualquer forma acho válido que estes parcos registros sejam feitos. É importante saber que alguns artistas, mesmo correndo um certo risco diante da hipocrisia social, tenham a coragem de projetar o universo gay, seja em seus trabalhos ou em sua conduta pessoal. Alguns com mais classe e finesse, e outros de forma mais debochada e escatológica. Quem está mais certo? É óbvio que não sou eu quem vai julgar. Que venham todos !!

PS.: Como a intenção deste comentário é limitada, evitei, propositalmente, qualquer referência a artistas que, de uma forma ou de outra, estão vinculados ao imaginário gay nacional. Exemplos: Ney Matogrosso, Maria Bethania, Simone, Gal, Elza Soares, Cauby, Calcanhoto, Marina, Ana Carolina, Joanna, etc.

Também deixei de comentar obras de compositores que, em algum momento, se revelaram mais sensíveis(sic), tipo Caetano, Gil, Pepeu Gomes, Carlinhos Brown e outros.

Um agradecimento especial ao Urso pelas dicas. Beijos.

Iuri

HINO À DIVERSIDADE
Letra: Glauco Mattoso / Música: Laura Finocchiaro e Beto Firmino

Abrace a diferença!
Viver é diferente!
Se a gente diz que é gente [réplica:] Eu sou é quem eu sou!
Não tem o que nos vença! [variante:] Não há o que nos vença!

A DIFERENÇA É VIVA!
VIVA A DIFERENÇA!

Qual é o plural de "ão"?
É "ãos"! É "ães"! É "ões"!
Plural de cidadão?
São muitas multidões!

Qual é o plural de "ona"?
É dona! É mona! É zona!
Plural de cidadã?
Colega! Amiga! Irmã!

Qual é o maior plural?
É a singularidade! [variante:] É a diversidade!
A diferença é qual?
Unidos na igualdade! [variante:] Orgulho, liberdade!

Abrace a diferença!
Viver é diferente!
Se a gente diz que é gente [réplica:] Eu sou é quem eu sou!
Não tem o que nos vença! [variante:] Não há o que nos vença!

A DIFERENÇA É VIVA!
VIVA A DIFERENÇA

Wednesday, August 11, 2004

Monster Charlize



Ontem fui assistir Monster. O filme é baseado numa história real de Aileen Wuornos, uma serial killer americana que foi executada com uma injeção letal em 9 de Outubro de 2002. É um filme forte, corajoso e pode chocar corações mais fracos. Sabe-se que foram tomadas várias liberdades em relação à verdadeira história de Aileen; por exemplo, ela não foi abusada sexualmente a partir dos 8 anos, nem conheceu seu pai verdadeiro, um molestador de crianças que se enforcou na prisão em 1969. Porém estas liberdades não desmerecem o filme, que se revela uma obra corajosa sobre uma tentativa inglória de mudança de identidade.

O filme é de Charlize Theron, uma atriz belíssima que se apresenta com o físico totalmente transformado para assumir o personagem. Porém, se esta transformação ficasse apenas no aspecto de maquiagem e ganho de peso (ela teria engordado 12 quilos para o filme), seria pouco. Mas não, Charlize assume a alma de Aileen, com gestos, maneirismos, olhares, movimentação, voz. É impressionante. Ela se doa integralmente para nos mostrar a trajetória de Aileen.

Quando vejo atuações como estas penso nos poucos atores e atrizes que têm destemor para desnudar sua alma em papéis difíceis, comprometedores. Atores com bravura para ousar, para arriscar. Julia Roberts jamais terá esta coragem. Ainda bem que Charlize teve. Salve Charlize.



Monday, August 09, 2004

MP3 do vazio...



Hoje eu pensei : como seria uma música que me identificasse, que me revelasse ? Como seria uma vibração, uma seqüência de notas que me traduzisse e tivesse o poder de me expor diante de mim e dos outros ?

Vejo(ouço) um som eletrônico porrada, puxado para o lado negro do techno, com guitarras, acompanhado de vocais cavernosos e ameaçadores. Uma avalanche sonora com uma batida constante que detone a cabeça e o corpo, que empurre os sentidos para a beira de um abismo convidativo onde, no fundo, existe um berço perfeito para sonhar. Algo que lembre a terra dos cenobitas, que assuste, que ameace, mas que, ao mesmo tempo, fascine e faça a mente levitar, transmutar. Algo para fechar os olhos, algo para dançar na escuridão. Algo que estremeça as entranhas, que perturbe a calma, que traga unidade com o obscuro, com o inconfessável e com a liberdade. Um som que conecte com aquilo que dá medo mas que, ao mesmo tempo, seduza com seu chamado. Que traga a lembrança da vida, da morte, do perigo e do desejo.

Um som de promessas, que evoque sexo e paz... e fim...

Este é o meu som

Friday, August 06, 2004

...nós e os nós...



Um dos assuntos que mais me fascina é o conceito de redes sociais. Sei que o tema é amplo, complexo e inesgotável. Felizmente não sou nenhum cientista social, ou algo que o valha, para ter a pretensão de discutir o assunto em profundidade. O que quero aqui é apenas registrar algumas reflexões pessoais a respeito do tema.

Vivemos em redes sociais, qualquer que seja o meio - família, trabalho, escola, amigos, paixões, religiões, times, clubes, etc-. A partir do momento em que somos inseridos, por vontade própria ou não, em qualquer uma destas comunidades, passamos a ser um nó das mesmas e passamos a ser afetados por suas regras de interligação (conexão). Nesta condição podemos experimentar as mais diversas sensações: desde prazer, realização e aconchego, até preconceitos, rejeição e tristezas - tudo dependendo de como nosso ponto individual se adapta ao ambiente.

Se nosso nó experimentar uma sensação de bem estar, vamos trabalhar para que a rede se fortaleça e permaneça - é a vontade da continuidade da zona de conforto. É claro que, por mais que sintamos segurança dentro de algum meio que nos acolhe, esta tranqüilidade não durará para sempre, afinal, todas as redes recebem impactos positivos e negativos que podem reformatar suas conexões. Em termos negativos, por exemplo, podemos viver em uma família unida e amorosa que, subitamente ou não, perde um ente querido. Neste momento um nó desaparece - talvez um nó nuclear (aquele que centraliza a força de várias conexões). E então, o que acontece? Dependendo da força de resistência dos laços restantes, a rede pode ou não se recompor. Se as ligações ativas forem fortes, a rede permanecerá. É claro que a sensação de ausência continuará para sempre junto aos nós afetados pela perda da conexão, mas a qualidade das re-ligações dos pontos assegurará a continuidade do todo. Por outro lado, se as conexões forem fracas, é possível que a sensação de unidade desapareça e, com isto, os laços se afrouxem fazendo a rede adoecer. Isto talvez valha para qualquer rede estabilizada.

Por outro lado, se nos sentimos desconfortáveis em relação a alguma rede a qual estamos conectados, podemos ter as mais variadas reações. Podemos, por exemplo, nos desligar do conjunto atual -abrir nosso nó- e buscar conexão com outra rede que, acreditamos, preencherá alguma das nossas necessidades (amorosas, religiosas, sexuais, profissionais, políticas, sociais, etc). Acredito que podemos ter sucesso ou não nesta ação - isto dependerá da nossa capacidade de percebermos o que é verdade na nossa vontade ou necessidade. É um caminho de coragem pois, na busca de novas conexões, podemos cair na armadilha de sermos iludidos pela aparência de outras redes ou então, quem sabe, possamos realmente encontrar um lar, um chão - um local de aceitação e crescimento.

Podemos, também, querer lutar para mudar o formato de alguma rede que nos incomoda. Isto pode ser muito difícil, senão impossível, dependendo do tamanho ou da cara do monstro que temos que enfrentar. Se percebermos que o monstro é invencível, e permanecermos ligados, podemos ter várias tipos de reações. Algumas mais conformadas - desde níveis de aceitação até resignação total -, ou, então, inconformadas - rancor e acusação contínua de que os outros são responsáveis pela falha da nossa conexão (citando Sartre : "o inferno são os outros..)-. Independentemente de qualquer um destes tipos de reação, nosso nó permanecerá unido à rede porém sem adaptabilidade (explícita ou não) ou então disfuncional. Acredito que isto seja muito comum. A questão é saber o quanto este problema de comunicação perturba o direito do nosso nó existir no meio problemático (seja no nosso ponto de vista ou dos demais).

Não quero me alongar demais. Como disse antes, acho o assunto fascinante e talvez volte a ele no futuro. Por enquanto fico por aqui.

Beijos a todos