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Hino do Blog : " ...e todas as vozes da minha cabeça, agora ... juntas. Não pára não - até o chão - elas estão descontroladas..."
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Thursday, September 09, 2004

"Entressentir"



"O entressentir-se, entre as pessoas, vem de regra com exageros, erro, e retardo."

Esta frase de Guimarães Rosa revela três enganos que permeiam o mundo das nossas relações e que podem ser responsáveis por vários dos equívocos de percepção que experimentamos na nossa vivência em comum. E o que é pior -e muito natural-, é que estes equívocos podem nos levar, paulatinamente, a adotarmos posições de atração, aversão ou indiferença em relação aos outros - às vezes sem que os próprios saibam.

O exagero impossibilita um olhar tranquilo. Podemos gostar demais, desgostar demais, admirar demais, amar demais, odiar demais qualquer pessoa - às vezes sem perceber que do outro lado existe alguém não sincronizado com o papel de super-qualquer-coisa que lhe designamos (desde super-inimigo a super-amor). Depois, quando alguma coisa acontece e percebemos que o outro é comum, com defeitos e qualidades como nós, podemos nos sentir enganados; ou então vamos constatar o desgaste de energia que tivemos para criar e manter o grande rótulo vazio com o qual coroamos o objeto do nosso exagero.

O erro, o mal-entendido, é muito comum. Pode ser pequeno ou grande, e pode ser bem ou mal esclarecido. De qualquer forma, a dissolução de qualquer desacerto, não interessando seu tamanho, vai depender da disposição e da capacidade de diálogo dos envolvidos. Caso não ocorra um enfrentamento para a busca do entendimento, o erro pode tornar-se um ovo de serpente, um feto de dragão com a possibilidade de nascer, crescer e engolir a todos.

Os retardos, os atrasos, impedem que nossa compreensão, nossa visão correta, aconteça antes que algum estrago já tenha manchado a relação. Felizmente podemos pensar em "antes tarde do que nunca" e partirmos à procura do diálogo, do esclarecimento e da reconciliação. Mas, também, às vezes, a percepção do engano acontece tão tarde que a possibilidade de busca das reconexões torna-se sinônimo de "nunca". Isto pode ocorrer diante de situações irreversíveis como morte, mágoas extremas ou separações irreconciliáveis.

Certamente o universo de ilusões nas relações não se resume a estas três situações. Porém Guimarães, com sua genialidade, consegue, com esta simples frase, nos fazer refletir sobre algumas das mais perniciosas armadilhas a que estamos expostos

A questão é sabermos o quanto estamos alertas para que tais ciladas não perturbem nossos vínculos; é sabermos o quanto estamos dispostos a permanecermos cuidadosos a fim de evitar que qualquer tipo de engano não macule nosso "entressentir". Isto é muito difícil.

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Esta frase foi tirada do conto A Benfazeja, publicado no livro Primeiras Estórias.

Este conto me fez chorar.

5 comments:

Anonymous said...

Iuri, estou muito feliz pela sua participação e principalmente pela ótima qualidade de sua mensagens... olha realmente você arrebentou nesta aqui...adorei... use este grupo como se fosse uma sala de amigos, porque já te considero como tal.

pedrobras.

Anonymous said...

Concordo plenamente, excelente texto.

Agradeço pela partilha.

Beijos

Cris

Anonymous said...

Oi Iuri...
Gostei muito desse texto. Tbem adorei a do Dicionário do Diabo. Marcante não é? E tem coisas que são verdade... tipo... o VOTO... é aquilo mesmo, ou é assim que o povo o usa atualmente... que bobagem, não é. Bem, fico por aqui mas volto para ver novas postagens.
Parabéns.

Kleber Godoy
www.teatrodavida.blig.com.br

Anonymous said...

Belo texto!Parabéns!
O Guimarães é mesmo demais, né?!Acho genial também este conto que você citou.

Anonymous said...

Esqueci de me subscrever no comentário anterior!
Sou o Dedé.
Olha, este blog tem estado melhor a cada post. Parabéns!
Abraço

Dedé