Hino do Blog - Clique para ouvir

Hino do Blog : " ...e todas as vozes da minha cabeça, agora ... juntas. Não pára não - até o chão - elas estão descontroladas..."
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Monday, March 26, 2012

Teatro - Emilinha e Marlene


Uma viagem no tempo, uma fonte de encantos, uma celebração da musica Brasileira.

Com três horas de duração ( o que a princípio me assombrava pois estava vindo podre de cansado do show da Maria Rita em homenagem à Elis no Anfiteatro Por do Sol), “Emilinha e Marlene” não deixa dúvidas de que a palavra “espetáculo” é a que melhor define o que se vê em cena.

A partir de uma espécia de acerto de contas entre duas irmãs - cada uma fã de uma das cantoras - a peça celebra a trajetória artística daquelas que protagonizaram a maís famosa “rivalidade” na história da MPB.

É uma aula de história da música brasileira. 

Começa em 1949 quando, por “circunstâncias polêmicas”, Marlene desbanca Emilinha do título de “Rainha do Rádio” e a “inimizade” entre elas - devidamente fomentada pela mídia - cai nas graças do povo.

A partir daí, em ordem cronológica, a peça avança mostrando em paralelo carreira e a vida das divas e também vários momentos em que elas se encontraram.

Solange Badim e Vanessa Gerbelli estão perfeitas como Marlene e Emilinha, respectivamente.

Me caiu os butiá ao ver a “incorporação” de Solange como Marlene. Quem teve a oportunidade de ver alguma apresentação da cantora fica chocado / assustado com a perfeição da composição corporal da atriz. Isto é claro sem falar do canto e da interpretação. Impressionante.

Ja a Vanessa Gerbelli faz – com uma riqueza de alma abençoada - uma Emilinha doce, apaixonada, cativante. Gente, esta atriz canta pra caralho, e confesso que a meus olhos ficaram molhados em algumas canções, principalmente “10 anos”.

Definitivamente não dá pra dizer qual das duas é “a melhor”. As duas matam a pau em tudo. A cada entrada, a cada linha, a cada canção de cada uma delas, a platéia fica fascinada, arrebatada, maravilhada.

Alias, a platéia é algo digno de nota. A imensa maioria dos presentes – pelo menos na apresentação que vimos no São Pedro – era de, digamos, uma faixa etária mais “avançada” que estava ali para recordar e se divertir. Que fantástico. 

O pessoal tava muito assanhado e não conseguia se conter. Era evidente a felicidade de muitos vovôs e vovós ao reviverem aquelas canções que fizeram parte de suas vidas. 

Antes de incomodar, isto só complementava o clima de nostalgia e deleite que se estabeleceu na casa.

No final das contas, as tais três horas de duração passam a ser “três horas de prazer”. Tudo flui de forma perfeita, generosa,excitante. Os atores, a iluminação, os figurinos, os músicos, o som, tudo enfim em harmonia para uma montagem perfeita, irretocável.

Como se diz, “adoro musicais”, e é simplesmente fantástico ver uma montagem deste nível bebendo na saborosa história da MPB e saciando os espectadores com puros momentos de magia.

Clipes das Divas

Marlene - Lata Dágua - Cena do filme "Tudo Azul"




Emilinha - Tomara que chova - Cena do filme "Aviso aos Navegantes"


Saturday, March 24, 2012

Livro - O Hipnotista (Lars Kepler)

Capa - O Hipnotista

É inacreditável que um livro como  “O hipnotista” seja anunciado com comentários do tipo :

 “Um livro perturbador, uma leitura maravilhosa. Uma reflexão definitiva sobre o mal” (The Washington Post) 
ou 

 “Todas as características de um clássico.  Tenso e bem-feito,  é um romance policial que nos envolve de uma maneira diabólica” (Marie Claire).

Puro engodo.

O livro é ridículo pra dizer o mínimo. 
 
A narrativa aposta  da imbecilidade do leitor com uma história pretensiosa que lança vários laços para não amarrar nenhum de forma  satisfatória.

Senão vejamos :

O livro começa com o assassinato de uma família cujo único sobrevivente é um garoto de 15 anos, esfaqueado, que se encontra no seguinte estado :

 Médica Daniella vendo o garoto pela primeira vez  :

Contracapa
“Um garoto magro está deitado na cama. Apesar dos machucados, tem um rosto atraente. Duas enfermeiras fazem curativos nos ferimentos.  :  há centenas deles (meu comentário : vejam bem,   “CENTENAS !”), cortes e perfurações por todo o corpo, nas solas dos pés, no peito e na barriga, no couro cabeludo, no rosto” .

Depois a mesma médica comentando a situação com o Detetive Joona :

"- Como está o garoto, doutora ?
- Em choque circulatório.
- O que isso significa ?
- Ele perdeu muito sangue . Seu coração está tentando compensar isso e começou a acelerar.
- Conseguiu conter a hemorragia ?
- Acho que sim, espero que sim, e estamos dando sangue a ele o tempo todo, mas a falta de oxigênio pode afetar o sangue e danificar o coração, os pulmões, o fígado, os rins.
- Ele está consciente ?
- Não.
- É urgente que eu tenha uma chance de falar com ele.
- Detetive, meu paciente está por um triz. Se sobreviver aos ferimentos, não será possível falar com ele por várias semanas”.

Bem, eu diria que o garoto ta bem mal, não ?

Então o que acontece ?

- ATENÇÃO  ! – NÃO LEIA OS COMENTÁRIOS ABAIXO CASO TENHA INTENÇÃO DE SE AVENTURAR NESTA BOMBA !

Logo em seguida se revela que o próprio garoto matou toda a família e se auto-infligiu a tal de CENTENAS DE FERIMENTOS!

E isto é SÓ O INÍCIO.  

Logo depois o adolescente assassino foge do hospital (sim, naquele estado  ótimo descrito anteriormente) e sai enlouquecido matando gente pelo caminho.

Mas isto NÃO É O PIOR !.

Para  dar “densidade” à   obra,  os autores (sim, o tal de Lars Kepler é pseudônimo de um casal sueco - Alexandra e Alexander Ahndoril - que comete livros a quatro mãos), montam uma história paralela ao do garoto-assassino-esfaqueado,  onde o filho (Benjamin) do hipnotista (Erik) é seqüestrado. 

Benjamin tem uma doença séria no sangue que o obriga a tomar injeções especiais.  É claro que o tempo corre e todos se desesperam para resgatar o menino antes do prazo de ataque da doença acabar com ele.  

E como ocorrem as descobertas de onde o menino está ?

 Dentre outras coisas, por uma absurda sorte do destino, O GAROTO FOI SEQUESTRADO COM UM TELEFONE CELULAR PENDURADO NO PESCOÇO E OS BANDIDOS NÃO NOTARAM !!!! E assim o garoto usa o celular para se comunicar !!

MAS ISTO NÃO É O PIOR !!!

Para acabar definitivamente com o “livro”, na página 429 acontece uma coisa que, juro, não acreditei quando li.

Tive que parar, me concentrar, acalmar, ler novamente, especular se não era erro de tradução, até me convencer definitivamente de que, sim, os autores “escreveram” aquelas linhas.

O que ocorre ?

O pai finalmente descobre onde o filho doente está preso,  e liga à noite para o detetive encarregado do caso. 

Transcrevo (com vergonha) as tais linhas abaixo :

Pai falando :

“ - Acho que Lydia levou Benjamin para a casa assombrada de Jussi. Fica em algum lugar da periferia de Dorotea, em Vasterbotten, Laponia”

Meu comentário : o pai está dizendo que Lydia, a seqüestradora, levou seu filho para a casa de Jussi (outro personagem) que fica na periferia de Dorotes, Vasterbotten, Laponia, ou seja com todas as dicas de localização  - só falta o Google Earth,  mapa impresso e GPS.

Seguindo a transcrição :

“- Voce acha ? “ – (responde o detetive)

“ – Estou quase certo – responde Erik insistente – Não há mais vôos hoje. Você não precisa ir, mas eu reservei  três passagens para amanhã de manhã” .  (as três passagens seriam para Erik, sua esposa e o detetive)

Então o que eles fazem ?  Erik e sua esposa VÃO DORMIR E O DETETIVE VAI PARA UMA FESTA !

SIM, com TODOS SABENDO O PARADEIRO DO GAROTO AGONIZANTE é isto o que acontece. Nenhum deles se  lembra de telefonar para a polícia de Dorotes, Vasterbotten, Laponia, e pedir que IMEDIATAMENTE MANDEM UMA VIATURA POLICIAL PARA LIBERTAR O MENINO  - Isto só ocorre na MANHÃ SEGUINTE !

Ah, mas atrás disto tinha uma intenção !!  O casalzinho autor quis criar um final apoteótico  e inacreditável envolvendo pai, mãe, detetive, bandidos, o garoto e um velho que aparece do nada no meio da neve;  então por isto eles não podiam pedir ajuda policial na noite anterior.

Bem, dizem que este horror vendeu mais de 1 milhao de exemplares.

Me pergunto : alguém em sã consciência gostou ?

Que medo...

Os "autores"




Sunday, March 18, 2012

Propagandas Gay


Chocante para quem ?



Propaganda, posters, logotipos, banners, folders, anúncios, etc há muito são usados para passar mensagens, conquistar, aliciar,  oferecer produtos, definir idéias, comportamentos, atitudes,  enfim são meios utilizados quando se quer “vender algo”, seja o que, em qual nível, intenção ou nicho for.

Os exemplos abaixo - todos falsos -  dizem respeito ao universo gay; desde propagandas homofóbicas até divertidas.




PROPAGANDAS  ANTI-GAY  (estes posters têm a intenção de explicitar a homofobia a partir de uma visão sócio-política escrota)

Voce tomaria um banho com estes caras ?!
CUIDADO ! NAO DEIXE QUE OS SODOMITAS
RECRUTEM VOCE PARA SEU ESTILO DE VIDA !
O MUNDO CONDENA ESTE TIPO DE AMOR
DESEJOS ANORMAIS

SODOMITAS HEREGES ESPALHAM DOENÇAS
NÃO PERMITA AOS GAYS QUALQUER CHANCE COM VOCÊ




















ESCOTEIROS, PREPAREM-SE  PARA COLOCAR OS
SODOMITAS HEREGES
ONDE ELES MERECEM
- Por uma América Cristã -

ESFAQUEADA !
A AGENDA GAY ATACA NOSSA LIBERDADE CIVIL !
Comentário ; A "Gay Agenda" é um nome genérico para o conjunto de esforços  envidados
pelo governo americano na  construção dos direitos sociais dos gays.























PROPAGANDAS PRÓ-GAY


- Você tem fogo, soldado ?
 PERGUNTE ! CONTE !
(jogada com o don´ask, don´t tell sobre os gays nas forças armadas americanas )
-  O NOVO EXÉRCITO -
NÃO PERGUNTAMOS NADA


PROPAGANDAS DIVERTIDAS 


COMO ELES QUEREM VENCER NOSSA GUERRA
QUANDO SÓ SABEM PENSAR EM SE CASAR ?
- CASAMENTO GAY COLOCA A AMÉRICA EM PERIGO ! -

QUANDO O GATO ESTÁ FORA
OS RATOS FAZEM A FESTA !

"SUSPIRO"  ...
PORQUE OS CARAS MAIS QUENTES
SÃO SEMPRE GAYS ?


“EU ESCOLHO A HETEROSSEXUALIDADE  !”

“É VERDADE !

BOB ERA UMA SUPER BIXA ATÉ EU COLOCAR MINHAS MÃOS NELE.
AGORA ELE SE VESTE MAL E NÃO SUPORTA OUVIR KYLIE  MINOGUE !

ENTAO SEJA COMO BOB !

ESCOLHA A HETEROSSEXUALIDADE !”


Coroner Klink diz :
EXAME RETAL OU SEM PRIVILÉGIOS POR UM MÊS
Trazido a voce por SONDA (PROBE)
Prevenção do Sofrimento Retal por Artistas
Indo audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve desde 1965 !



- OS GAYS INSPIRAM BEYONCE DESDE 1958 -

Comentario : paralelo entre este anuncio de 1958
e o modelito que a Beyonce usou no
"All the single ladies"


















Beyonce - "All the single ladies"

Thursday, March 15, 2012

Filme - O Artista

O Artista
- Poster - 
Quem viu “Rainha Cristina”, filme de 1933 com a Diva Greta Garbo, não pôde deixar de notar a voz  meio esganiçada do seu par romântico, o ator John Gilbert.

Gilbert,  até então um astro do cinema mudo, não conseguiu manter a carreira  com o advento do som cinematográfico -  exatamente por conta da sua voz inapropriada.  

Greta Garbo & John Gilbert
 - A Rainha Cristina -
Antigo co-astro -  e namorado - de Greta Garbo, Gilbert só conseguiu atuar no “falado” “A Rainha Cristina” por pressão da diva, a qual, esta sim,  conseguiu fazer a transposição das películas mudas sem um arranhão sequer na sua imagem. - Na verdade as platéias ficaram extasiadas com a voz rouca e grave daquela que até então era apenas “um rosto”. -

“O Artista”, apesar de obviamente não ser sobre a  vida de Gilbert, se passa exatamente naquela época quando o cinema começou a falar, o que acarretou a ruína de várias carreiras -  enquanto outras despontaram.

Douglas Fairbanks
Aqui, o ator frances Jean Dujardin (simplesmente sensacional numa espécia de crossover entre Douglas Fairbanks e Rudolph Valentino )  faz   George Valentin, grande astro do cinema mudo que vê sua carreira naufragar por não se adaptar a chegada das fitas sonoras.

Em contraponto,  explode a popularidade  da jovem atriz  Peppy Miller ( a argentina Bérénice Bejo ), que nutre  uma intensa paixão por Valentin -  aliás uma das cenas mas lindas é quando Peppy “namora” com o paletó do bonitão.

Rodolfo Valentino
Com ecos óbvios de “Nasce uma Estrela”  (“trocentas” vezes refilmado – e dizem que  tem uma “Versão Beyonce“  programada)  e “Cantando na Chuva”- principalmente no final -, o filme de Michel Hazanavicius  é uma declaração explícita de amor ao cinema.  É um exercício cinematográfico  na sua forma mais, digamos, “primitiva” quando então tudo o que se tinha para contar uma história eram imagens e musica. 

Porém, com este caráter de “primeiras eras”, o filme  pode assustar as platéias atuais, principalmente aquelas que curtem ser amortecidas por efeitos especiais e ritmos frenéticos.

Mas quem compra a idéia do Artista,  é recompensado com uma bela viagem a um tempo onde   a magia e o encanto se produzia com simplicidade e descomplicação. Ótimo.

Dirigido por Michel Hazanavicius.
Com: Jean Dujardin, Bérénice Bejo, John Goodman, James Cromwell, Penelope Ann Miller, Missi Pyle, Malcolm McDowell, Beth Grant, Ed Lauter.


Jean Dujardin & Bérénice Bejo 


Tuesday, March 13, 2012

Caetano e Bob Dylan - Jokerman

Bob Dylan
- Infidels - 

 Em 1983 Bob Dylan, depois do lançamento de três álbuns fortemente influenciados pelo cristianismo  lança Infidels, que para muitos analistas marcou a volta do compositor ao canto, digamos, secular.

Produzido em parceria com Mark Knopler (líder do Dire Straits) , Infidels dividiu a crítica quanto  à força da poesia do bardo.  

Enquanto alguns adoraram, outros não viram nada demais  -  Graham Lock do New Musical Express referiu-se a Dilan como “ um desperdício de força cultural... um homem confuso tentando reascender velhas chamas”.


De qualquer forma  este álbum trouxe “Jokerman”, uma das canções mais fortes de Dylan.

 Com uma letra cheia de imagens religiosas, políticas e sociais,  a canção aparentemente queria dar um tapa na cara da era Reagan,  o que fica explícito no clipe oficial (ver abaixo) .

Caetano Veloso
- Circuladô -
Mas, para mim, a melhor versão de Jokerman, sem dúvida é a que Caetano fez para o show Circuladô, de 1992. 

 Recheada de percussão, a canção cresce a cada instante, acompanhada pela voz suave e forte de Caetano.

Legendei o clip e postei abaixo.







Caetano Veloso – Jokerman (Show Circuladô)


Bob Dylan – Jokerman (Oficial)



Monday, March 12, 2012

Benicio - Mestre da Ilustração e do Desenho Brasileiro



Benício, gaucho de Rio Pardo, é um mestre na ilustração e do desenho brasileiro.  Já  consagrado na publicidade, acançou grande sucesso popular a partir da  década de 60 com as ilustrações dos famosos livros de bolso da série ZZ7  - que trazia as aventuras da gostosa espiã Brigitte Montfort (que viria a ser filha de outra famosa espiã, Giselle – A espiã nua que abalou Paris) - , alem de criar capas para vários outras séries de pocket books (romances, faroeste, espionagem, etc) que faziam a cabeça de muita gente com seus enredos simples, rápidos e diretos.   


Brigitte Montfort

Benício também foi responsável pelos cartazes de alguns dos filmes mais famosos naquelas décadas, (60 a 80),  e que ficaram marcados no imaginário popular,  como o icônico “A Super Fêmea”, com a super diva Vera Fischer, e também “Dona Flor e seus Dois Maridos”. 

Eu particularmente sempre admirei o trabalho deste mestre. Minha  mãe era devoradora da série dos livros da Brigitte e eu desde cedo me fascinei com a figura voluptuosa daquela matadora de sangue absolutamente gelado, que sempre levava uma pistola com cabo de madrepérola junto à coxa (vejam só...)

Depois de 50 anos de carreira, Benício ainda está na ativa trabalhando no seu estúdio no Rio de Janeiro.

Abaixo um clip que eu fiz com alguns dos trabalhos do mestre.


Imagens 
Brigitte Montfort
        
Brigitte Montfort
Brigitte Montfort

Brigitte Montfort

         
Giselle
Pin-up

A Super Fêmea
     
Dona Flor e
seus dois maridos
A Dama da Zona


O bem dotado.
O homem de Itu


Independencia ou Morte
Elke Maravilha contra
o Homem Atomico


Audrey Hepburn

Carmem Miranda
Vivien Leigh


Sexy Cinema
A Grande Familia

Paisagismo, Urbanismo, Arquitetura

Painel História do Brasil

Saturday, March 10, 2012

A Ausência que seremos - Hector Abad

Hector Abad
(... Este livro é a tentativa de deixar um testemunho dessa dor, um testemunho ao mesmo tempo inútil e necessário. Inútil, porque o tempo não volta atrás, nem os fatos se modificam; mas necessário, pelo menos para mim, porque minha vida e meu ofício perderiam o sentido se eu não escrevesse o que sinto que devo escrever, e que, em quase vinte anos de tentativas, não fui capaz de escrever, até agora..."  Hector Abad - A Ausência que seremos )

Acabei de Ler “A ausência que seremos” , de Héctor Abad, que conta a bela história de vida e a trágica morte de seu pai, Abad Gomez, renomado médico sanitarista, humanista , pensador liberal colombiano, assassinado por sicários a mando de um conjunto de forças políticas, militares, paramilitares, religiosas e elitistas (ou teve seu “cérebro eliminado”, conforme diria Carlos Castano, chefe das Autodefesas Unidas da Colombia – perseguidor e assassino confesso daqueles que eram considerados como “perigo para a sociedade).

Abad desde sempre acreditou que muitas das causas das mazelas da sociedade (violência, doenças, subdesevolvimento, ignorância, atrasos, etc) tinham raízes nas condições miseráveis na qual boa parte da parcela da população colombiana vivia. E para lutar contra isto, dedicou muito da sua vida a desenvolver projetos e campanhas para implementação de saneamento básico, acesso à saúde e educação para populações carentes.

Porém, por esta militância pelas causas dos direitos humanos (de forma liberal e independente), Abad passou a ser mal visto e alvo de perseguição, calúnia e difamação tanto da direita, como da esquerda e de religiosos.

Tudo culmina com sua morte em 1987 que vem a ser mais uma numa cadeia assustadora de assassinatos de intelectuais cometidas naquele período terrível.

Mas o livro não tem “apenas” este caráter político e, o que realmente fascina é a dimensão humana de Abad como pai.

Hector diz que o “A ausência...” é o anti “Carta ao Pai” do Kafka. Tudo aquilo que Kafka registra como uma criação recheada de desamor, indiferença, tortura e sofrimento – num contundente acerto de contas paterno -, Hector traduz em seu pai como amor, dedicação e aceitação incondicional da natureza dos filhos.

“A ausência...” é uma escrita que proporciona conhecimento histórico e social da Colombia, mas também, principalmente, a oportunidade de termos contato com a sabedoria deste homem especial e iluminado que foi Abad Gomez.

É difícil destacar algumas partes deste livro único, mas selecionei algumas que transcrevo abaixo :

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Aceitação incondicional dos filhos, Natureza Humana e Dissimulação da Personalidade 
( acredito que poucos pais pensam assim)

Antes Hector fala sobre sua adolescência na qual ele estava bem perdido em relação a várias questões, inclusive sexuais.

“ O que eu sentia com mais força era que meu pai confiava em mim fizesse o que eu fizesse, e também que depositava em mim grandes esperanças (sempre apressando-se a dizer que eu não precisava conseguir nada na vida, que minha simples existência bastava para sua felicidade, minha existência feliz, fosse como fosse).


Isso significava, por um lado, certa carga de responsabilidade (para não trair essas esperanças nem frustrar essa confiança), certo peso, mas era um peso suave, não uma carga excessiva, pois qualquer resultado, por menor e mais ridículo que fosse, sempre lhe agradava.


Em matéria sexual foi sempre muito aberto, como no episódio da masturbação e em outros que não vou contar, porque não há nada mais incômodo que misturar o sexo com os pais. Imaginamos nossos pais sempre assexuados, e, como diz um amigo meu, achamos que "as mães nem sequer fazem xixi".


(...)


Eu podia falar com meu pai sobre todos esses assuntos íntimos, e consultá-lo diretamente, porque ele sempre me escutava, sem se escandalizar, com calma, e respondia num tom amoroso e didático, nunca de censura.


No meio da minha adolescência, na escola masculina onde eu estudava, começou a me acontecer uma coisa que achei muito estranha e que me atormentaria por anos a fio. A visão dos genitais de meus colegas, e seus jogos eróticos, me excitava, e cheguei a pensar angustiado que era maricas.


Contei essa minha preocupação ao meu pai, cheio de medo e de vergonha, e ele me respondeu, sorrindo, muito tranquilo, que ainda era cedo para saber definitivamente, que era preciso esperar até ter mais experiência do mundo e das coisas, que na adolescência estamos tão carregados de hormônios, que tudo pode ser motivo de excitação, uma galinha, uma burra, umas salamandras ou uns cachorros copulando, mas que isso não queria dizer que eu fosse homossexual.


Mas acima de tudo deixou claro que, se assim fosse, também não teria a menor importân¬cia, desde que eu escolhesse o que me fizesse feliz, o que minhas inclinações mais profundas me indicassem, porque não devemos contrariar a natureza com que nascemos, seja ela qual for, e ser homossexual ou heterossexual era como ser destro ou canhoto, só que os canhotos eram um pouco menos numerosos que os destros, e que o único problema que eu poderia ter, caso me definisse como homossexual, não era nada de insuportável, apenas uma certa discriminação social, num meio tão obtuso como o nosso, que também poderia ser contornada com doses iguais de indiferença e de orgulho, de discrição e de escândalo, e principalmente com senso de humor, porque a pior coisa na vida é não ser o que se é, e disse essas palavras com uma ênfase e uma firmeza que vinham do fundo mais profundo da sua consciência, e advertindo-me de que, em todo caso, o mais grave, sempre, o mais devastador para a personalidade, eram a simulação ou a dissimulação, esses males simétricos que consistem em aparentar o que não somos ou esconder o que somos, receitas infalíveis para a infelicidade, e também para o mau gosto.


Em todo caso, disse, com uma sabedoria e uma generosidade que até hoje lhe agradeço, e com uma calma que ainda agora me acalma, que eu devia esperar um pouco para ter mais contato com as mulheres e ver se com elas não sentia a mesma coisa, ou mais e melhor”

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Abad Gomez fala sobre injustiça social, o comportamento das elites que querem manter o estado das coisas, a inconsciência dos prejudicados e a luta das pessoas eticamente superiores.

"Uma sociedade humana que aspira a ser justa tem de oferecer as mesmas oportunidades de ambiente físico, cultural e social a todos os seus membros. Se não o fizer, estará criando desigualdades artificiais. São muito diferentes os ambientes físicos, culturais e sociais em que vivem, por exemplo, os filhos dos ricos e os filhos dos pobres na Colômbia.


Hector e familiares estarrecidos
diante do corpo morto do pai
Uns nascem em casas limpas, com bons serviços, com bibliotecas, recreação e música. Outros nascem em barracos, ou em casas sem serviços sanitários, em bairros sem brinquedos, nem escolas, nem assistência médica.


Uns frequentam luxuosos consultórios particulares; outros, abarrotados postos de saúde. Uns vão a escolas excelentes. Outros, a escolas miseráveis.


São-lhes oferecidas assim as mesmas oportunidades? Muito pelo contrário. Desde o nascimento, vivem em injusta desvantagem.


(...)


Essas são verdades irrefutáveis e evidentes, que ninguém pode negar. Por que nos empenhamos, então — negando essa realidade —, em conservar o estado de coisas?


 Porque o egoísmo e a indiferença são características dos cegos às evidências e dos satis¬feitos com suas próprias vantagens, que negam a desvantagem dos demais.


Não querem ver o que está à vista de todos, para assim manterem seus privilégios em todos os campos.


O que fazer diante dessa situação? A quem cabe agir?


E claro que quem deveria agir são os prejudicados. Mas eles, em meio às suas necessidades, angústias e tragédias, dificilmente têm consciência dessa situação objetiva, não a interiorizam, não a tornam subjetiva.


Por mais paradoxal que pareça — mas a história mostra que tem sido assim —, cabe a alguns daqueles que a vida pôs em melhores condições despertar os oprimidos e explorados para que reajam e tentem mudar as injustas condições que os prejudicam.


Foi assim que ocorreram as mais importantes mudanças nas condições de vida dos habitantes de muitos países, e estamos sem dúvida vivendo uma etapa histórica em que, por todo o mundo, há grupos de pessoas eticamente superiores que não aceitam como um fato natural a perpetuação da desigualdade e da injustiça.


Sua luta contra o establishment é uma luta dura e arriscada. Têm de enfrentar a resistência e a ira dos grupos poli tica e economicamente mais poderosos. Têm de enfrentar consequências, com o prejuízo de sua própria tranquilidade com seus interesses individuais, abdicando de alcançar o chamado 'sucesso' na sociedade estabelecida."

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Hector reflete sobre a escrita do seu próprio livro.


Capa da edição nacional
"É possível que tudo isto não sirva de nada; nenhuma palavra poderá ressuscitá-lo, a história de sua vida e de sua morte não dará novo alento a seus ossos, não trará de volta suas gargalhadas, nem sua imensa coragem, nem sua fala convincente e vigorosa, mas mesmo assim eu preciso contá-la.


Seus assassinos continuam livres, a cada dia são mais e mais poderosos, e minhas mãos não podem combatê-los.


Somente meus dedos, afundando tecla após tecla, podem dizer a verdade e declarar a injustiça.


Uso a mesma arma que ele: as palavras.


Para quê?


Para nada; ou para a mais simples e essencial das coisas: para que saibam."

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Poema de Borges, transcrito a mão por Abad e encontrado no seu bolso no dia da sua morte.


Capa da edição em ingles.
Mostra Hector e o pai
"Já somos a ausência que seremos.
O pó elementar que nos ignora, que foi o rubro Adão,
e que é agora todos os homens, e que não veremos.
Já somos sobre a campa as duas datas do início e do fim.
O ataúde, a obscena corrupção que nos desnude,
o pranto, e da morte suas bravatas.
Não sou o insensato que se aferra ao som encantatório do seu nome.
Penso com esperança em certo homem
que não há de saber o que eu fui na terra.
Sob o cruel azul do firmamento consolo encontro neste pensamento."