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Hino do Blog : " ...e todas as vozes da minha cabeça, agora ... juntas. Não pára não - até o chão - elas estão descontroladas..."
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Thursday, January 31, 2013

Doação de sangue

Hoje, eu e Luciano (meu companheiro), fomos ao Hemocentro de Porto Alegre, doar sangue por conta da tragédia de Santa Maria.

Esta foi a primeira vez que doei sangue “voluntáriamente”, pois “desmaio” até para coletar o tal “material” para exames de rotina (não posso nem ver agulha que já passo mal. Uma coisa fiasco mesmo).

Mas, diante do quadro, e até porque meu fator é o tal de O negativo (o mais raro de todos), me vi na obrigação de sair da teoria e partir para a prática.

Como não poderia deixar de ser, quase vi Jesus na sala de coleta. Aos poucos minha pressão foi baixando e eu fui saindo da casinha. Porem antes chamei uma atendente que, ao ver meu estado lastimável, perguntou se eu queria parar ou ir até o fim. Nem pestanejei e afirmei que iria ate o fim. Ela então me colocou minha cabeça num nível mais baixo e a coisa toda rolou tranquilamente até o final.

Foi tudo tri simples.

Mas o mais importante de tudo foi ver que não era só eu que estava em estado pré-pânico ali.

Me caiu os butiá ao ver um grupo de lindas garotas adolescentes que se reuniram e estavam ali para doar. Uma delas estava morta de medo, mas encarou a bronca. Ela entrou antes de mim. Quase agarrada num rosário, é verdade, mas não voltou atrás. As amigas riram, e ela foi em frente. Me identifiquei imediatamente com ela e segui seu exemplo.

Depois de tudo terminado, na saída nos deparamos com a sala de espera lotada e mais um grupo fora do prédio aguardando ser atendido. Isto demonstra que o povo realmente ta se solidarizando com o acontecido. Muito bom mesmo.

Finalizando, tenho a obrigação de comentar o comportamento do pessoal do Hemocentro. Não sei qual o tipo de orientação ou treinamento que recebem, mas, pelo menos os que ficaram perto de mim, demonstraram atenção e carinho. Muito legal mesmo. Parabéns.

Eu e Luciano aproveitamos para fazer nosso cadastro como doadores de medula.

Vamos ver se a coisa rola.

Wednesday, January 30, 2013

Santa Maria– O melhor e o pior no humano

santa-maria-marcha-9-2013-01-29-size-598É fato que nas grandes tragédias tomamos contato com o que há de melhor e de pior no humano.

Nestas situações testemunhamos os esforços de milhares para mitigar a dor dos atingidos (com voluntariado, doações, apoio, rezas, etc) e também, infelizmente, a ação de vilões miseráveis que aproveitam a oportunidade para revelar as sombras dos seus espíritos.

O incêndio da boate Kiss em Santa Maria, mais uma vez prova esta tese.

Se por um lado vemos manifestações de todo o mundo em solidariedade a dor dos feridos, das famílias, dos amigos, por outro vemos manifestações absolutamente incompreensíveis.

Acompanhando os comentários dos internautas sobre as notícias publicadas nos grandes portais, tipo Terra, UOL, Globo, etc, deparei com registros do tipo :
  • “Agora os gaúchos vão ficar muito tempo sem fazer churrasco pois estão com um grande estoque de carne queimada”
  • “Os que morreram, eram nazistas reencarnados que mataram os judeus na camara de gás. Vejam que a arquitetura da boate lembra o espaço de uma camara de gás. Além disto eles todos eram brancos, o que lembra os alemães. Conformem-se, pois eles apenas pagaram carma”
Gente o que é isto ? De onde tais pessoas tiram tanta maldade ? Onde está a compaixão com os familiares e amigos das vítimas ?

Será que estas pessoas que escrevem este tipo de mensagem tem noção do mal adicional que estão causando ?  Que tipo de ruína sentimental provoca este tipo de comentário ?

Outra coisa : qualquer celebridade ou pessoa publica que manifesta solidariedade é logo acusada de “querer aparecer”. 

Vejam o caso do Luan Santana.  O cara, certamente entristecido, fez uma homenagem a uma das vítimas que era sua big fâ, gravando um clip caseiro com uma musica em especial que ela gostava.  Foi o que bastou para muitos o acusarem de , conforme disse antes, “querer aparecer”.

Meu Deus, que classe de pessoa só tem olhos negativos ? Só consegue se manifestar com virulência, veneno, crueldade ?

Minha tese é que este tipo de gente é miserável emocionalmente.

Gente que não ama, não é amada e assim desconhece o que é compaixão e chafurda na aridez dos sentimentos.

Fico pasmo, realmente.
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Reproduzo abaixo entrevista que o psiquiatra inglês Colin Murray Parkes, autor do "Luto – Estudos sobre a perda na vida adulta (Summus, 1998)", concedeu a revista Veja.


VEJA ENTREVISTA Colin Murray Parkes

A dor da morte
 
O psiquiatra inglês diz o que alivia e o que agrava o sofrimento causado pela perda de alguém muito próximo

Na qualidade de um dos mais respeitados estudiosos do luto do mundo, o psiquiatra inglês Colin Murray Parkes, 79 anos, viu de perto grandes tragédias e o sofrimento que elas podem causar a populações inteiras. Em 2005, ele foi chamado pelo governo britânico para dar assistência psicológica a vítimas do tsunami que atingiu vários países banhados pelo Oceano Índico, matando um total de 225 000 pessoas. Três anos antes, havia trabalhado na assistência a parentes de vítimas dos atentados de 11 de setembro em Nova York, que resultaram na morte de quase 3 000 pessoas. Mas o trabalho de Parkes não se resume a apoiar as vítimas de grandes desastres: consultor até o ano passado do St. Christopher's Hospice, hospital inglês que é a maior referência mundial em tratamento de pacientes terminais, ele lidou por mais de quarenta anos com dramas cotidianos: aqueles vividos pelas famílias que perderam alguém no leito do hospital. Em entrevista concedida a VEJA, o psiquiatra falou sobre a dor de quem vai e de quem fica e como lidar com ela.

Veja – O que se pode fazer para ajudar uma pessoa que perdeu alguém?
 
Parkes Ficar próximo dela, abraçá-la, fazê-la sentir-se compreendida e segura. Para as pessoas que perderam alguém, especialmente se a morte estiver ligada a uma situação criminal, o mundo pode parecer um lugar bastante perigoso. Parentes de vítimas ficam assustados e chegam a ter medo de estranhos. Para ajudar essas pessoas, é preciso despertar sua confiança e transmitir-lhes segurança para começar a falar e a pensar naquilo que as faz sentir-se em perigo. Deixá-las expressar sua tristeza também é importante. Ouço muitas reclamações de enlutados. Eles dizem que a família não os deixa chorar – quer vê-los alegres o tempo todo. Não há nada pior do que alguém lhe dizendo: "Não quero ver você triste assim, por favor!". Outra coisa que devasta essas pessoas é quando elas percebem que os vizinhos e os amigos se afastam delas. Escuto muitas histórias de enlutados que afirmam que seus vizinhos mudam de calçada quando os vêem chegando. É evidente que eles não fazem isso de propósito. O fato é que ninguém sabe lidar direito com a morte.

Veja – E no caso de familiares de vítimas de grandes tragédias, como a do acidente da TAM, no Brasil? Como amenizar seu sofrimento?
 
ParkesNo período imediatamente posterior ao acidente, o que as famílias mais precisam é de informação e instrução. Psicologicamente, é mais fácil lidar com más notícias do que com a falta delas. Não se deve tentar proteger as famílias escondendo dados que possam machucá-las. As informações servem para que as pessoas tenham tempo para digerir o terror e organizar suas esperanças, assim como suas hipóteses sobre a tragédia. Já as instruções são fundamentais porque, nesse momento de aflição máxima, os familiares não têm condições de resolver nada e precisam de alguém que assuma o controle da situação. E isso tem de ser feito de forma bastante objetiva – não há espaço para debates democráticos, do tipo: "Familiares das vítimas, vocês preferem ficar aguardando informações em um hotel ou aqui no aeroporto?". É necessário que alguém passe ordens. O cuidado psicológico propriamente dito vem numa fase posterior.

Veja – Em que ele consiste?
 
ParkesEm casos de desastres que podem ter sido causados por leniência, descaso ou falha humana, é comum haver um sentimento generalizado de raiva entre os familiares. Os parentes querem, a todo custo, encontrar e, por vezes, agredir o culpado – ou os culpados – pelo desastre. Psicólogos e médicos destacados para cuidar dessas pessoas devem escutar suas queixas, mas, principalmente, tentar conter a instalação de um ciclo de raiva. O sentimento de ira não ajuda o enlutado a se organizar emocionalmente, nem mesmo alivia sua dor. É fundamental também trabalhar para que cada família tenha certeza de que seu caso será analisado – seja por psicólogos, seja por autoridades – de maneira individualizada. Em grandes desastres, as famílias tendem a achar, e não se pode tirar a razão delas, que a morte de seu parente está sendo banalizada. Isso acontece, entre outros motivos, porque as notícias veiculadas na imprensa, na maioria das vezes, falam do número total de mortes, e não especificamente do parente dela. Para um marido que perdeu a mulher, o que importa é a morte daquela mulher, não a de 200 pessoas.

Veja – É mais difícil aceitar a morte quando não se tem o corpo do morto?
 
ParkesSem dúvida. É difícil acreditar que aquela pessoa morreu quando não vemos o corpo dela e não realizamos os ritos fúnebres. No episódio do 11 de Setembro, muitas famílias britânicas, que nós assistimos, não conseguiram ter de volta os corpos de seus parentes. Um de nossos trabalhos foi ajudá-las a acreditar que eles tinham mesmo morrido. Estudei uma tribo de pescadores, nas Filipinas, que chega a fazer um ritual substitutivo para lidar com uma situação dessas. Quando um dos integrantes da tribo morre no mar e seu corpo não é resgatado, a família faz uma estátua e a veste com as roupas do morto. Eles acreditam que, assim, a alma do falecido encarnará na estátua. E é essa estátua que enterram.

Veja – Na escala da dor, qual é o pior tipo de morte para quem fica?
 
ParkesO que implica sentimentos de culpa pode ser considerado o pior. É o caso, por exemplo, do pai que vê o filho morrer em um acidente de carro e acha que poderia tê-lo socorrido, ou de uma pessoa que se sente responsável pelo suicídio de outra. Em segundo lugar, bem próximo do primeiro, eu diria que estão as mortes por assassinato.

Veja – Qual é o povo que lida melhor com a morte?
 
ParkesPenso que os orientais se preparam melhor para a morte do que nós. No Japão, eles fazem oratórios com sinos, que, segundo crêem, invocam a pessoa morta a cada vez que são tocados. Desse modo, acreditam manter-se em contato com o espírito de seus mortos. De certa maneira, é isso que a terapia tenta fazer com os enlutados: ajudá-los não a esquecer seus mortos, mas a achar um lugar para eles em sua vida.

Veja – Quem lida melhor com a morte, os homens ou as mulheres?
 
Parkes As mulheres, sem dúvida. Elas conseguem expressar seu sofrimento mais facilmente. E, uma vez vivenciado esse sentimento, elas podem fazer aquilo que se costuma chamar de "tocar a vida para a frente". Já os homens têm uma enorme dificuldade de mostrar sua fragilidade diante da morte. Por isso, têm também mais dificuldade de se organizar para continuar vivendo.

Veja – O que se deve dizer a um conhecido que acaba de perder alguém?
 
ParkesAs pessoas enlutadas, em geral, têm um alto grau de sensibilidade a tudo o que não seja sincero: elas percebem facilmente se alguém está fingindo tristeza ou dizendo uma palavra de conforto apenas porque foi instruído a fazê-lo. Por isso, o que quer que você diga nessa situação deve vir do coração.

Veja – Até o ano passado, o senhor trabalhava como consultor psiquiátrico de um hospital especializado no cuidado de pacientes terminais. Do ponto de vista psicológico, o que se pode fazer para amenizar o sofrimento desses doentes e de suas famílias?
 
ParkesAlém de tentar transmitir os mesmos sentimentos de amor e solidariedade, acho que dizer a verdade sempre ajuda. Quando alguém está morrendo, as pessoas, querendo ajudar, cometem erros clássicos. Um deles é fingir que a pessoa não está doente: "Você está com uma cara ótima hoje!", diz um parente. É evidente que é mentira, e o paciente sabe disso, mas compactua com o fingimento porque também quer proteger o familiar. Isso cria uma situação horrível! Certa vez, falei com uma senhora no dia em que o marido dela deu entrada no hospital em que eu trabalhava. Ela me disse: "O senhor não vai dizer ao meu marido que ele tem câncer, vai?". Eu havia acabado de conversar com o marido dela, que já me contara que tinha a doença! Eu perguntei: "O que faz a senhora achar que ele não sabe?". Ao que ela respondeu: "Ele sempre morreu de medo de câncer. Se o senhor lhe contar, ele vai morrer!". Eu falei: "Conversei com seu marido. Ele sabe". Ela: "Sabe? Por que ele não me contou?". Respondi: "Talvez esteja querendo protegê-la". Ela entendeu: "Como nós fomos bobos!". Voltamos à cabeceira da cama e eu deixei o casal conversando. Voltei meia hora depois. Eles estavam sentados com os braços entrelaçados. Ela chorava copiosamente e dizia: "Fomos tão bobos, não?". Mas, ao mesmo tempo, ela sorria. É que, finalmente, havia conseguido se comunicar com o marido.

Veja – O senhor foi chamado pelo governo britânico para cuidar de vítimas do tsunami. Como foi esse trabalho?
 
Parkes Estive na Índia um mês depois da tragédia. Peguei a fase da reconstrução do lugar. Como morreram mais mulheres e crianças, encontrei muitos homens devastados e entregues à bebida. Eles haviam perdido a mulher, os filhos e os barcos com que ganhavam a vida, mas tinham uma resistência muito grande em aceitar ajuda psicológica. Lá, homem não chora. Fiquei estudando qual o melhor modo de ajudar aqueles sobreviventes. Depois de alguns dias, concluí que a melhor forma seria estimulá-los a participar da reconstrução de suas vilas e casas. Coordenei, então, mutirões de obras. Organizava os grupos que fariam as casas e os barcos. E, evidentemente, dava apoio psicológico e individual quando era solicitado.

Veja – E como foi o trabalho com as vítimas do 11 de Setembro?
 
ParkesO governo do meu país me escalou para cuidar das famílias de vítimas britânicas que haviam 
morrido no atentado. Os melhores policiais da Grã-Bretanha foram enviados a Nova York para nos ajudar. Meu primeiro trabalho foi formar duplas constituídas por um policial e um terapeuta. Essas duplas receberam cada avião que chegou do Reino Unido. No total, foram 120 familiares de vítimas. Nesse caso, meu trabalho não foi propriamente o de um terapeuta, mas sim o de um grande produtor: tinha, por exemplo, de garantir que houvesse celulares suficientes, salas de entrevista, esse tipo de coisa. Mas logo fiquei conhecendo as famílias, já que estavam no mesmo hotel que nós. E o que eu e os outros psiquiatras da minha equipe percebemos foi que elas tinham uma grande necessidade de procurar seus mortos – ainda que a morte deles parecesse um fato inexorável. Os americanos haviam disponibilizado computadores que, operados por policiais, informavam o nome de todos os sobreviventes internados em hospitais de Nova York. Nós já tínhamos vasculhado esses registros e sabíamos que os parentes dessas famílias não estavam lá, mas elas insistiam em procurar por conta própria. Então, em vez de as obrigarmos a aceitar a informação de que as pessoas que elas amavam estavam mortas, ficamos ao lado delas, observando-as enquanto faziam a busca. Também as ajudamos a colar cartazes em postes com as fotos e os nomes dos parentes desaparecidos. Quanto mais fotos elas colavam, mais se davam conta de que não daria resultado. A compreensão foi vindo de forma gradual. Uma coisa que também ajudou nesse processo foi o fato de que muitas pessoas enlutadas passaram a se encontrar diariamente na Union Square, a área verde mais próxima do desastre. As famílias se sentiam bem lá, conversavam e choravam juntas. Isso colaborou para fazer com que, aos poucos, elas fossem entendendo que as pessoas que elas procuravam não voltariam mais. Foi uma boa terapia.

Veja – Por que o senhor decidiu trabalhar nessa área?
 
ParkesEu ainda era um jovem médico em Londres quando fui chamado para fazer meu primeiro parto. O médico-chefe me disse que o procedimento seria simples porque o bebê era anencéfalo e, por ter uma cabeça pequena, sairia facilmente da mãe. Ele me disse ainda para não mostrar o bebê à mãe. Fiquei chocado com isso. Também me incomodava o modo como os médicos tratavam os pacientes. Achavam que era perigoso se aproximar e se envolver emocionalmente com eles. Nunca chegavam muito perto do leito. Quando resolvi me especializar em psiquiatria, direcionei meus estudos para os piores tipos de sofrimento humano. Justamente nessa época, na clínica onde eu trabalhava, dois pacientes se suicidaram depois de passar por um forte stress causado por luto. A partir daí, foquei meu trabalho na recuperação de pessoas que haviam perdido alguém. Mas às vezes é muito difícil para mim fazer esse trabalho. Os grandes desastres, por exemplo, me deixam bastante abalado.

Veja – O que mais o abala nessas situações?
 
Parkes Ver o sofrimento em massa. É avassalador. Depois do 11 de Setembro, assim que voltei de Nova York, tirei férias e viajei com meus netos. Eles disseram que eu não era mais o avô de sempre. Disseram que eu estava longe – e estava mesmo. Minha cabeça não saía de lá. É difícil ser a mesma pessoa depois de ver uma tragédia dessas.
 

Monday, January 28, 2013

Filmes : “Yossi & Jagger (Delicada Atração)” e “Yossi”

Yossi e Jagger

yossi and jagger (2)

Yossi & Jagger
Assistir “Delicada Relação” (Yossi e Jagger - filme de 2002), e, em seguida assistir “Yossi” (filme de 2012), que vem a ser a sequência do primeiro, e que traz os acontecimentos exatamente após dez anos o triste final do primeiro, é uma experiência surpreendente .

Ao fazermos isto – recomendo - não só vemos os atores realmente envelhecidos em dez anos, mas também testemunhamos a mudança radical em termos de produção, roteiro, e proposta. Mesmo que ambos os filmes tenham sido dirigidos pelo mesmo diretor (Eytan Fox), existem profundas diferenças entre eles, o que faz com que cada um funcione em seu próprio formato.

“Delicada atração” narra o romance entre o oficial Yossi (Ohad Knolle) e Lior Amichai (Yehuda Levi) – também chamado de Jagger por sua semelhança com o líder dos Rolling Stones - , seu subordinado. Junto com um grupo de soldados, eles fazem a vigilância de um trecho da fronteira entre Israel e Líbano. Obviamente, a relação é mantida em total segredo.

Porém Jagger é mais assumido (mas nem tanto) enquanto Yossi é muito mais reservado. Isto gera um certo conflito entre eles : Jagger quer revelar-se perante a família e quer que Yossi o apóie e o acompanhe nesta idéia. Jagger almeja, como ele mesmo diz, entrar com Yossi num hotel e pedir quarto para casal “com cama king size”.

Paralelamente Jagger envolve-se, a sua revelia, num triângulo amoroso com a belíssima soldado Yaeli (Aya Koren), que é apaixonada por ele à distância, e que por sua vez é alvo do amor de Ophir (Assi Cohen). Acreditando que Lior tem um romance com Yaeli, Ophir o intimida, mas a situação não evolui pois todos os homens são convocados para uma missão militar na fronteira do Líbano na qual Jagger é atingido.

Ao ter seu amado agonizando em seus braços, Yossi – sob o olhar incrédulo de Ophir – beija-o, declara seu amor emvoz alta voz, além de sua promessa de uma vida futura a dois (ou seja, quem afirmou que ia se assumir publicamente era o Jagger, mas quem o fez – sob a dor é verdade - foi o Yossi)

Depois, no velório de Lior (o que ocorre em Tel Aviv), Yossi é testemunha do depoimento da mãe (Varda) do amado (interpretada pela quase desconhecida Yael Pearl Becker), que diz que nunca chegou a conhecer o filho realmente, que ele tinha um mundo à parte no qual ela nunca conseguiu entra.

Ela lamenta que o filho nunca chegou a apresentar-lhe uma garota, uma namorada. Neste momento Ayelam sentada ao seu lado declara ela que o amava e que achava que ele a amava tambem, satisfazendo o coração materno.

Isto tudo ocorre sob o olhar triste de Yossi que não pode revelar a verdadeira paixão e natureza de Jagger.

Fim.

Yossi (1)

Yossi
Yossi

Já o segundo filme mostra Yossi dez anos após perder seu amor.

Muito afetado pelo passado, seu retrato atual é pintado com cores melancólicas de modo a reforçar uma imagem solitária e triste.

Ele agora é um médico totalmente work-aholic (inclusive dorme no trabalho), que mora em uma espelunca, é desleixado consigo mesmo (faz a linha ursinho que tem vergonha do próprio corpo ) e procura contatos ocasionais na internet.

Um dia, por pura casualidade, vê Varda, a mãe de Jagger, entrar no hospital para marcar um exame.

Yossi (9)

Yossi
Ele dá um jeito de atendê-la e acaba criando uma certa intimidade com a paciente. Isto o levará a uma visita a casa do ex-amante, ocasião em que terá uma conversa esclarecedora com os pais de Jagger.

Depois disto, Yossi parte para uma jornada solitária rumo ao Egito (ele quer atingir a Peninsula do Sinai). Porém, no caminho já perto da fronteira, casualmente, entra em contato com um grupo de jovens soldados, que o levará, por instinto, a reformular seus planos e ficar na agradável Eilat.

Hospede no mesmo resort do grupo dos jovens, Yossi acaba aproximando-se do soldado Tom (Oz Zehavi), numa espécie de, digamos, “releitura moderna” de “Morte em Veneza” - que alías é mencionada explicitamente no filme- mas sem o mesmo trágico final.

Depois de alguns passos hesitantes de ambos os lados, o encontro de Yossi e Tom finalmente “acontece”, numa cena muito bonita, e o filme rapidamente resvala para o fim.

Yossi (2)

Tom & Yossi
Resumidamente é isto.

Agora vamos aos problemas :

Yossi, aos 33 anos, se sente velho, feio e ultrapassado. Isto não cola bem, e o personagem em muitos momentos tem que evidenciar seus dramas (das mais variadas formas) para tentar dar alguma credibilidade ao seu quadro da dor. É quase inacreditável que ele recuse um convite para uma rave comandada pelo Dj Tiesto, para, ao invés, assistir a um show de bossa nova, executado por uma versão hebraica da Nara Leão (com direito a banquinho e violão e tudo). A garota (Karen Ann) canta tri bem, mas deixar de ir a uma rave bombada, com um bando de jovens soldados, para encarar um show intimista de bossa nova (aos 33 anos!), é forçar um pouco a barra.

A aproximação do Yossi com o jovem Tom pretende ser “delicada”, mas o lance soa muito superficial, com nenhum dos dois realmente “chutando (ou chupando?) o pau da barraca”. A jogada toda acontece entre “sensíveis” demonstrações de afeto e alguns mal-entendidos que criam um certo interesse. Mas tudo é executado de modo frouxo e inconvincente, o que não dá calor e veracidade ao idílio dos mancebos.
Para completar, o final é incoerente e fora da casinha. Tudo rapidamente fica muito cor de rosa, tudo muito Mundo de Barbie.

Se realmente aquele foi o desejo do Yossi, que personagem equivocado e medroso.

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Análise de Yossi & Jagger

Nir CohenSegue abaixo uma profunda e esclarecedora análise  do filme Yossi and Jagger, retirada do livro Soldiers, Rebels and Drifters : Gay representation in Israeli Cinema (Soldados, Rebeldes e Perdidos – Representação Gay no Cinema Israelense) do Nir Cohen, não lançado no Brasil.

O autor inicia um análise dos filmes de Eytan Fox :

O primeiro curta de Fox “Time Off”, foi produzido quando ele era  ainda um estudante do Departamento de Cinema e Televisão da Universidade de Tel Aviv. Desde então, Fox se tornou um dos diretores mais bem-sucedidos (pelo menos comercialmente) em Israel.  O cineasta já dirigiu dois filmes para televisão -  Baal Baal Lev (1997) e Yossi e Jagger (2002)  - três longas para o cinema - Song of the Siren (1994), Walk on Water (2004) e The Bubble (2006) -  e duas séries dramáticas para a televisão - Florentine (1997) e Mary Lou (2009).

Todos seus curtas,   bem  como Florentine, Mary Lou, and The Bubble  lidam explicitamente com a realidade gay em Israel. Três deles - Baal Baal, Walk on Water e The Bubble - foram escritos por seu parceiro, o jornalista Gal Uchovsky

No entanto, conforme  afirmo,  a realidade que  Fox retrata em seus filmes e séries de TV é baseada em um patriarcal, e as vezes até mesmo homofóbico,  ponto de vista sobre a  vida gay.

Seus filmes constantemente  marginalizam ou excluem  certos subgrupos dentro da grande comunidade gay. Esta abordagem contraditória pode ser vista como uma conseqüência da rápida mobilidade social que alguns homens gays têm desfrutado desde o início de 1990, o que enfraqueceu o espírito militante da década de 1980 (capturado nos filmes de Amos Guttman e em Crows  de Ayelet Menahemi) . Resumindo :  uma vez que algumas batalhas básicas foram ganhas e o status dos gays urbanos melhorou, a urgência em  continuar a luta diminuiu.

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Yossi & Jagger


Em seus filmes,  Fox retrata a identidade gay como parte inseparável da vida israelense : seus personagens servem ao exército (geralmente em prestigiosas unidades de combate),   sentem uma forte ligação com a terra natal, e  são o futuro Ashkenazi (explicação : homem branco da classe média)  da sociedade israelense.

Sua ubiquidade e "normalidade"  no entanto, põe em risco  seu status como um grupo distinto, com características únicas e algumas conquistas  ainda não alcançadas.  A observação de  Leo Bersani, de que "os gays têm se  “desgayficado“  no próprio processo de fazerem-se visíveis",  facilmente se  aplica às idéias de Fox. Seus filmes são geralmente habitados  por gays  que vivem em harmonia com os seus homólogos heterossexuais, servem ao  exército, e desfrutam de relacionamentos estáveis.

Por outro lado, em seus filmes  Fox não foge da problemática  realidade de Israel. Pelo contrário, ele utiliza  alguns dos eventos mais traumáticos da história recente do país  como pano de fundo para as histórias pessoais de seus personagens.

Em Time Off it  é a Guerra do Líbano (1982); em Song of the Siren  é a primeira Guerra do Golfo e os ataques dos  mísseis Scud contra Israel (1991); em Florentine  é o assassinato do primeiro ministro Yitzhak Rabin (1995),  em Yossi and Jagger a  consequência fatal da  invasão do Líbano,  que determina uma missão de  tocaia para a qual os  soldados são enviados (destinada a impedir que os terroristas entrem  em Israel), termina com a morte de um dos protagonistas;  e em The Bubble é a crescente ameaça de ataques terroristas em Israel desde os anos 1990.

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Yossi & Jagger
Yossi e Jagger pode ser visto como uma versão posterior do Time Off,  pois descreve  o resultado de duas décadas de ocupação do Líbano. As duas películas, no entanto, são intrinsecamente diferentes. Considerando que Time Off   se engaja, em certa medida, com o debate político em torno da guerra da década de 1980 (vista como a primeira guerra na história de Israel que não foi imposta ao país por forças inimigas),  vemos que em Yossi e Jagger isto não acontece.

Em Time Off  esse engajamento é bem ilustrado na  demonstração do movimento Paz Agora, e nos debates que os soldados têm em seu caminho para o campo de batalha. Embora a ação de Yossi e Jagger aconteça  quase duas décadas após Time Off , quando as consequências da guerra no Líbano já foram já amplamente conhecidas e criticadas, surpreendentemente o filme ignora o conflito. Essa diferença diz muito sobre mudança de posição de  Fox,  que sai de  um ponto de vista crítico para  uma postura mais apaziguadora.

Time Off  e Florentine::  Borrando  (misturando ) a  Divisão Nacional / Pessoal

Time off

Time off
A importância de Fox reside na sua disposição em  minar a hierarquia  entre o  "nacional"   e o  "pessoal"  na sociedade israelense. Usando eventos nacionais como fundo para os dramas particulares  de seus personagens, Fox “borra” a distinção rígida entre o privado e as esferas públicas da sociedade israelense, afirmando que os mesmos estão entrelaçados e interdependentes.

Time Off, por exemplo, segue um pelotão de soldados israelenses enquanto  seus integrantes passam do treinamento básico para a frente de guerra no Líbano em 1982. O enredo gira em torno de um breve momento na vida de um recruta.  Parando em Jerusalém, onde todos ganham uma licença, Jonathan (Enoque Re'im), o protagonista, vaga sem rumo na cidade até parar em um parque, onde -  na cena do banheiro publico -, a auto-censura, não só separa o visível do invisível, mas também o aceitável do tabu.

Aqui, o desenquadramento do ato sexual  pode ser considerado  uma analogia conceitual para um guarda patrulhando a fronteira (metafórica) entre a civilização e a barbárie, rigorosamente regulando  sua permeabilidade, ardentemente detendo  a maré desregrada de eros  em nome de curso das  civilizações :  Só o que passa (é identificado) por "progresso” pode ”atravessar"

A fronteira "metafórica" que  Roy Grundmann menciona em relação a Blow Job (explicação : Blow Job é um filme de Wandy Wharol que resume-se a uma lonta tomada silenciosa de chupada, onde a camera se concentra apenas no rosto do "protagonista". Grundmann escreveu um livro a respeito do filme ) torna-se uma fronteira real em Yossi e Jagger.  Neste, o  ato sexual também ocorre fora de quadro, bem como da fronteira do Estado de Israel. A área onde eles fazem amor é o lugar do não-civilizado, com um coelho que os dois amantes vêem como um símbolo da natureza selvagem e os terroristas escondidos (que não são vistos no filme, e dos quais o espectador torna-se consciente através dos acontecimentos subsequentes) como um símbolo da barbárie.

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Yossi & Jagger
A moderada e sugestiva  cena de amor é outra razão para questionar  a presumida natureza controversa do filme. É razoável supor que  se o filme tratasse de  amantes heterossexuais, mais cenas de sexo teriam sido incluídas. No entanto, esta única cena delineia a divisão rígida de papéis de género que se encontra em relação Yossi e Jagger.

Esta divisao  reflete a adoção de um modelo linear e  genérico da formação da identidade sexual -  o que não pode acomodar a natureza dinâmica e fluida da sexualidade que a política homo  pretende explorar - , bem como é fortemente baseada no heterocentrado olhar sobre a condição gay.   
Jagger é a "femme",  Yossi é o "butch", na tradição do gay macho  "clone" look ",  dos  1970´s,  quando os homens gays, confome Richard Dyer argumentou, "já não se viam como intrinsicamente diferentes de seus objetos de desejo, mas sim, transformaram-se em tais objetos de desejo".

Aderindo a este retrato,  os cineastas reafirmam a declaração de  Dyer, de que "é praticamente impossível viver, imaginar ou representar a sexualidade entre  homens gays,  se não tiver em mente a diferença entre homens e mulheres".

A explícita divisão de papéis entre os dois - Yossi, o comandante musculoso e racional, versus Jagger, seu efeminado, sensível e  irracional vice - é meticulosamente construída ao longo do filme. A cena de neve implica a definição dos  papéis sexuais dos protagonistas embora esteja longe de ser explícita. Ao contrário da cena de sexo em Gotta Have Heart,, ela não mostra a relação em si.

Ao mesmo tempo, como a cena de  Gotta Have Heart, a cena de neve delineia  o equilíbrio de poder entre os dois protagonistas :  Yossi é o “top”, o amante ativo, enquanto Jagger é o" bottom”,  o passivo,  tradicionalmente identificado com conotações de  feminilidade e impotência.

A divisão clara é agravada por Jagger, que, enquanto está sob o corpo de Yossi, pergunta ironicamente : "Isto é um estupro, senhor?" O olhar do espectador, então, é mediado  através do  olhar de  Yossi,  que simboliza o poder que ele exerce sobre o parceiro.

Yossi sabe, no entanto, que vai perder seu status no exército caso venha a se assumir.  Seu poder como comandante é concedido  enquanto ele puder continuar  a fingir ser alguém que não é. Ele troca o seu eu verdadeiro pela sua  posição militar.

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Yossi & Jagger
O poder gay não é permitido no filme, Como resultado das tentativas de  Jagger em  forçar seu parceiro  de longa data a realizar seus desejos (ou seja, que os dois assumam publicamente o romance),  ele é punido e morre.
Na sua análise da Querelle (1982),   de Rainer Werner Fassbinder , Richard Dyer discute a marcação dos personagens do filme "em termos de masculinidade  / feminilidade, acima de tudo, através da equação fodedor = macho, fodido = fêmea”. De acordo com Dyer, "É no ato sexual que as realidades sociais do  poder do sexo - de gênero, do status heterossexual – entram no desejo gay".

Conforme  dito acima, a relação sexual gay não está presente em Yossi e Jagger, mas a divisão estrita que  Dyer descreve é refletida na cena em que Yossi está fisicamente sobre Jagger, abrindo seu casaco para  descobrir que ele não está usando seu uniforme, e dizendo-lhe que ele (Yossi) geralmente coloca seus homens na cadeia por menos que isso.

Mesmo que essa observação seja dita despreocupadamente, pouco antes deles começarem a se beijar, ela vem como uma afirmação de caráter autoritário e masculino de Yossi em comparação com o Jagger “feminina” que está ao seu dispor.

Ambas posições servem como estereótipos definidos por normas  heterosociais,  menosprezando os esforços para ampliar o conceito de "homossexualidade", e sexualidade em geral.

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Yossi & Jagger
Ao interpretar o papel do soldado masculino, heterossexual, Yossi reflete o discurso nacional. Seus traços masculinos são encapsulados até mesmo em seu nome típico israelense.

Em comparação, o  apelido de Lior (“Jagger”), um nome não-israelenses, refere-se a persona sexualmente ambígua de Mick Jagger.  Na superfície, o personagem de Yossi é a manifestação do judeu musculoso e ideal imaginado pelo sionista Max Nordau e imaginado cinematograficamente como  um elo em  uma longa cadeia de personagens  que transmitem, nas palavras de Yosefa Loshitzky  " uma poderosa e erotizada contra-imagem para o judeu da diáspora ". Seu personagem encarna a eterna ligação do guerreiro, muscular,  judeu e  heterossexual com  sua terra ancestral.

Por outro lado, Jagger é apresentado como alguém irracional e impulsivo, o qual, ao insistir em se assumir  e, portanto, colocando suas próprias necessidades e ambições acima  dos interesses do Estado, viola a balança normativa do poder heterossexista

Os modos e a beleza de  Jagger  (um dos soldados lhe diz: "Você é linda como uma menina") sugerem que ele é mais estereotipadamente gay do que Yossi e, desta forma,  contribui para a leitura de seu corpo como “feminino” - um resultado de uma ideologia que, nas  palavras de Lee Edel  "ao longo do século XX, tem insistido na necessidade da" leitura "do corpo como um  meio de identificar a orientação sexual”

A rotulação do corpo de Jagger como "diferente" é o resultado da "homofóbica insistência da sociedade em codificar e registrar as identidades sexuais" (Edelman, Homographesis). Mesmo que não necessariamente haja suspeita que ele seja gay (ele não é humilhado por seus colegas soldados, mas isto pode ser fruto de  sua posição mais elevada que impede os outros de questionar sua sexualidade  em público), Jagger é percebido como o "outro"  desde o início, e sua “diferença”  acabará por levá-lo à  morte.

Yossi  age de forma a não ser rotulado. Ele mascara sua homossexualidade e se torna seu próprio opressor. Isso é ilustrado na cena em que ele escurece o rosto, camuflando-se, antes de sair para a emboscada. Enquanto ele examina seu reflexo em um espelho quebrado (um símbolo de sua homossexualidade fragmentada),  ele acrescenta  mais  pintura de camuflagem, embora seu rosto já esteja completamente enegrecido.

O uniforme e os rituais que geram o ethos militar como a melhor mistura do caldeirão,-  que dilui as diferenças  raciais,  socioeconômicas, ou educacional entre os soldados- , também são um dispositivo para diluir   sua homossexualidade e produzir "uma superfície perfeita de masculinidade convencional"

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Yossi & Jagger
Vestido em seu uniforme,  agindo conforme um perfeito comandante hetero, Yossi está "seguro" na medida em que ele revela a ligação indiscutível entre performatividade (esclarecendo : obras cuja  criação / expressão tem como suporte essencial o próprio corpo do produtor / artista)  e masculinidade. Ele passa por hetero, isto é, apenas por causa das  suas roupas e gestos pré-definidos. Esta performatividade é enfatizada em um ponto no filme no qual Jagger - irritado com Yossi depois que ele se recusa a “sair do armário” e o culpa por não se importar com  sua causa  militarista nacionalista – zomba de Yossi, declamando frases machistas dramaticamente arcaicas, como "Sim senhor, vamos matar alguns Charlies, senhor! "

O medo de ser rotulado leva Yossi a rebaixar  sua homossexualidade ao ponto da invisibilidade e até do absurdo : Yossi, cujo segredo é conhecido apenas por seu amante, é ameaçado até mesmo pela presença de um coelho que está olhando para ele e Jagger. O coelho simboliza tanto a covardia (a palavra hebraica para "coelho", shafan, também significa "covarde") quanto  a sexualidade  desenfreada, o que revela o  conflito interno  de Yossi entre sua natureza e o medo em aceitá-la completamente.

Os traços masculinos de Yossi, em oposição a "feminilidade" de Jagger,  se manifestam principalmente quando Jagger insiste para que eles se assumam juntos.. Esta opção é inaceitável para Yossi, que quer seguir a carreira militar. Sua determinada  recusa sugere que o amor gay é um ato irresponsável que pode comprometer sua carreira.

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Yossi e Jagger


Ao exigir que eles se assumam, e que depois comemorem em um quarto de hotel com uma "cama queen-size", Jagger estabelece o espaço doméstico-familiar, estereotipadamente  relacionado à feminilidade e, portanto, “bicha”, que está em contraste com o espaço militar-masculino que Yossi ocupa - um espaço que não pode acomodar sua sexualidade não-normativa.

Assim Yossi diz a  Jagger que podem  continuar em seus termos, ou seja,  de forma discreta,  ou então separarem-se : "Eu sinto muito não surpreendê-lo com uma aliança, este  não é um filme americano", diz ele. Sua homossexualidade é um sonho ou uma fantasia, e exatamente  como um filme de Hollywood,  difere da realidade.

Os dois amantes estão conscientes da divisão de papéis entre eles, e eles se referem a isto  durante todo o filme. Enquanto estão deitados na neve, Jagger começa  a cantar acompanhando sua música favorita, que  toca em seu rádio portátil . A canção "Your Soul" é cantada por Rita, cuja dramática música pop e ultra-feminina aparência fez dela uma das cantoras  mais  bem sucedidas  em Israel e um ícone gay.

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Yossi e Jagger

Conforme o espectador espera, Yossi não compartilha o amor de seu parceiro por Rita : "Seu gosto musical é tão gay", diz ele. Jagger então o acusa de preferir Meir Ariel ao invés de  Rita. Ariel,  um antigo cantor israelense, era um arquétipo do Sabra (termo utilizado para os nascidos em Israel), que fez comentários depreciativos sobre os homossexuais em uma entrevista em setembro de 1998.

A conexão entre Yossi e o homofóbico Ariel enfatiza seu auto-ódio. A letra da canção de Rita ressalta sua conotação gay quando Jagger a canta, pois são dirigidas a um homem (em hebraico, ao contrário do Inglês, o gênero é explicitamente marcado).

Cantando-a  para Yossi, Jagger revela como ele vê seu amante. A letra (de  Miri Feigenboim) descreve uma vida de mentiras como uma experiência escura  e solitária, e incentiva o destinatário na canção a buscar sua própria verdade pessoal :

Vamos dissipar a cortina de nevoeiro
Vamos ficar na luz, e não na sombra
Até quando você vai continuar a correr?
Para os jogos de poder.
Você pode chorar, às vezes,
Quando você  machuca seu coração
Conte-me sobre seus momentos de medo;
É mais fácil ter medo juntos.
Quando os ventos frios soprarem na tempestade,
Vou mandar o fogo preenchê-lo.
Um dia você pode parar de correr
Entre as sombras
Da sua alma.

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Eytan Fox
Não é à toa que as duas versões da canção - a original e uma cover gravada por Ivri Lider, um cantor popular israelense abertamente gay  – são tocadas várias vezes, além das duas vezes que Jagger a canta. Jagger altera a letra de "É  mais facil  ter medo juntos" para "É mais fácil enfiá-lo no traseiro”, enfatizando desta forma o significado gay oculto na letra original.

É importante observar que , em todos os filmes de Fox,  o uso da música é fundamental. As vozes das cantoras, a pop music da  Eurovision e as canções folclóricas israelenses, todas  possuem um significado especial no cinema de Fox. Para ele a música é o "excesso" que o exuberante Technicolor e mise-en-scène do melodrama eram para Douglas Sirk, ou seja, uma ferramenta para informar que o filme está indo  além das estruturas narrativas dominantes.

Embora a maioria dos filmes de  Fox apresentem temas homossexuais explícitos,  eles muitas vezes alinham-se com ideologias hegemônicas. O uso da música é um ato de subversão que lhe permite sugerir uma realidade diferente.

Em sua análise de Time Off, Raz Yosef explora o modo como a experiência gay, ou seja, a relação entre o soldado e seu comandante, é negada no nível visual, mas em seguida, é percebida e  reconfirmada no nível sonoro.

De acordo com Yosef,  a música em Time Off  "torna-se um instrumento através do qual os dois homens, separados por fileiras e ideais sionistas de masculinidade heterossexual Sabra,  subvertem as leis opressivas, militares e fálicas, e expressam a identificação queer"

Em um  lugar onde a imagem visual do "outro" é distorcida, a voz serve como uma alternativa em potencial. De acordo com Yosef, o entendimento de Fox sobre as  limitações da estrutura cinematográfica para o discussão dos temas gays dentro da ideologia patriarcal do cinema popular,  levou-o a fazer uso da dimensão aural / sonora.

Eu diria que o uso de Fox da trilha sonora, muitas vezes mostra um compromisso variando entre seu desejo de agradar a um público amplo e não gay  e seu desejo de construir uma subjetividade gay na tela.

A cena da morte

yoss & jagger death scene

Yossi & jagger – Cena da morte
A primeira e última vez que Yossi suaviza é quando ele percebe que Jagger foi ferido e está morrendo. A morte de Jagger, o clímax emocional do filme, permite Yossi  chegar a termos com sua própria identidade sexual, o que implica uma possível fissura na parede de silêncio.

Nesse momento, enquanto espera por socorro, ele diz coisas a Jagger que nunca ousou dizer antes. Ele declara  seu amor não-condicional, nem um pouco incomodado com a presença de outro oficial, que pela primeira vez percebe que os  dois militares são amantes.

Esta auto-realização segue um padrão universal prevalente em narrativas gays, nas quais,  nas palavras de David M. Halperin, "O amigo mais fraco ou menos favorecidas morre. [...] A morte é o clímax da amizade [... ] e os casa para sempre (na memória do sobrevivente, pelo menos). [...] Morte é para amizade o que o casamento é para o romance "

Thomas Waugh reforça  a reivindicação de  Halperin, argumentando que a morte é um dispositivo narrativo utilizado para garantir que o romance gay não vai durar: "Os protagonistas desta alternativa  gay de estrutura da unidade conjugal, ao contrário de suas contrapartes heteros, raramente acabam juntos”
Eytan Fox
Eytan Fox
Nós não estabelecemos famílias -  nós apenas andamos por aí parecendo com tesão,  solitários, tristes, ou realmente fodidos [ ...].  Finalizações gays raramente são finais felizes ". Este padrão é especialmente proeminente em filmes israelenses que lidam com a homossexualidade. Segundo Raz Yosef,  o oferecimento explícito de um corpo (cadáver)  homossexual é essencial para manter a hegemonia heterossexual israelense intacta

Na morte do amante é que Yossi adota, pela primeira vez,  alguns dos  comportamentos "irresponsáveis" de Jagger, e assim ele quebra a barreira entre o público e o privado, o doméstico e o militarista, enquanto corre para o lado de Jagger não como comandante  mas sim como seu parceiro enlutado.

Este gesto pode ser lido como irracional e emocional e, portanto, uma reação feminina, em desacordo com o que o espectador aprendeu a esperar de Yossi. Infelizmente, este momento de auto-realização só pode ser experimentado na morte Jagger.

No entanto, é importante notar que o filme define uma identidade gay, não tanto por retratar a homossexualidade como natural e neutra, mas sim por denunciar o namoro e  o relacionamentos heterossexual  como cínico e abusivo, empregando os mesmos argumentos geralmente usados contra os homens gays.

Os dois amantes gays no filme são, ironicamente, mostrados mais comprometidos do que seus colegas soldados. Goldie (Hani Furstenberg), um dos soldados do sexo feminino, substitui intimidade com sexo abusivo -  como mostrado na sua definida relação sexual de poder com o coronel casado (sua declarada recusa a comprometer-se em uma relação "Eu estou aqui para me divertir, não para casar "- é provavelmente mais uma proteção contra a dor do que um sinal de libertação).

Yaeli (Aya Steinovitz), o outro soldado do sexo feminino, não pode ter o seu objeto de amor. Sendo desesperadamente apaixonado por Jagger, ela permanece cega para o fato de que ele é gay. Como os demais, ela pode ler os sinais, descrevendo-o como "gentil" e "diferente de todos os outros homens", porém  não consegue interpretá-los.

Como um casal gay, Yossi e Jagger se ajustam ao modelo heteronormativo, e eles conseguem fazê-lo mais do que seus colegas heterossexuais. Estes últimos são convencionalmente estereotipados : o coronel abusa do  seu poder, e os soldados femininos ou são prostitutas ou são virgens. Assim, tornam-se uma representação grotesca das normas machistas chauvinistas.

Invertendo a norma de filmes de Hollywood, são os personagens heteros em Yossi e Jagger que iluminam os protagonistas gays e são usados como uma reflexão crítica da moral militarista heterossexual.

Sendo o maior alvo dos terroristas, , o coronel não apenas trai sua mulher com um de seus soldados, mas também abusa de seu poder  a fim de fazê-lo. Em um momento do filme ele ordena  sua parceira sexual a tirar seu "traseiro gordo do carro."

O coronel se refere ao aviso sobre o próxima emboscada como uma boa notícia, sublinhando o quanto ele gosta "da ação e do cheiro de carne queimada no período da manhã", embora ele não vá estar com os soldados para sentir o cheiro da carne queimada na manhã seguinte.

Eytan Fox & Ohad Knoller

Eytan Fox & Ohad Knoller


Quando Yossi tenta mudar a decisão do coronel, este o  acusa de se tornar um "homo", um "maricas" e de se preocupar com seus soldados como se fosse sua mãe (assim, estereotipadamente associa homossexualidade com covardia e maternidade,  e daí com feminilidade) . Em sua reação às preocupações  justificadas de Yossi, o coronel revela não apenas suas opiniões ignorantes em relação às mulheres e homossexuais, mas também o seu julgamento errôneo.

O personagem do coronel e o desejo dos outros soldados para o amor que está fora de alcance,  refletem as deficiências dos relacionamentos heteros em comparação a estabilidade e calor que são  encontrados na relação de Yossi e Jagger. Além disso, o julgamento de Yossi prova ser melhor que o do coronel, sugerindo que, embora Yossi seja um desajuste no sistema heterossexista,  ele pode superar aqueles que supostamente são seus superiores na  hierarquia militar 

O filme, portanto, inverte o equilíbrio de poder entre a homossexualidade e a heterossexualidade, sugerindo que  a primeira é implicitamente superior a última. Esta luta pelo poder, no entanto, tem lugar dentro de um domínio patriarcal e adota a moral heterossexista.

A grande façanha de Yossi no filme é  sua falsa tentativa em  abafar sua sexualidade,  a fim de passar por hetero. É Jagger que tenta romper seu silêncio auto-imposto, um ato pelo qual ele é morto. E é a exposição do  seu cadáver  que assegura a estrutura de poder existente.

A morte de Jagger e a discrição - que é uma parte imanente da parceria de  Yossi e Jagger -,  violam o romance dos soldados. No final, a estrutura militarista e homofóbica se mantém intacta, e até mesmo os pais enlutados de Jagger , na cena final, são mantidos cegos quanto a sexualidade do filho.

Eytan Fox & Gal Uchovsky

Eytan Fox & Gal Uchovsky
No Shiva (um período de sete dias de luto), a mãe de Jagger (Yael Pearl-Beker) diz aos soldados companheiros de seu filho que é só agora, depois de sua morte, que ela percebe que não o conhecia inteiramente. Esta fala pode ser interpretada como a expressão de um sentimento remoto que ela pode ter tido por trás da aparência "normativa", de que havia algo de diferente nele.

O fato de apenas  Yossi saber a  música favorita de Jagger implica uma fratura (possivelmente reveladora) no romance escondido de ambos. Para selar esta ocultação sobre a verdadeira natureza de Jagger, Yaeli declara seu amor por ele, acrescentando que acredita que ele sentia o mesmo por ela, embora nunca tenha falado sobre isso.  A mãe de Jagger fica então com a crença de que seu filho tinha uma namorada, convencida de que ele era "normal" nos os padrões da sociedade. Embora longe da verdade, sugere-se que os pais ficam emocionalmente melhor com este tipo de mentira.

Disfarçado em seus uniformes, sofrendo em silêncio até a morte de Jagger, os dois protagonistas provam que os homens gays podem ser parte da sociedade israelense enquanto aceitarem a ordem existente e manterem seu amor em segredo. O importância de "transplantar" um desejo proibido para o exército é prejudicada  pelo entendimento de que eles  devem se entregar sem lutar às  normas heterossexista.

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Yossi & Jagger
Mais do que tudo, Yossi e Jagger atesta a dificuldade para os homens gays em Israel em criar uma visão nova e diferente.  Se a palavra "queer", como argumenta Ellis Hanson ", convida a uma apaixonada, e mesmo raivosa  resistência à normalização" e "é uma rejeição do compulsório código heterossexual de homens masculinos desejando mulheres femininas", Yossi e Jagger é qualquer coisa, menos um obra queer.

O filme foi feito por um cineasta  gay ativista,  conhecido por  incentivar famosos artistas israelenses a tornarem pública  sua sexualidade, mas ele  só mostra e reafirma como são as prevalentes normas heterossexistas,  na medida em que elas foram internalizadas pelos próprios  membros da comunidade gay.

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Yossi e Jagger (trailer legendado)



Yossi (trailer)



Time off (cenas do curta)