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Saturday, January 05, 2013

Memória - Millor Fernandes


Como sempre na edição da retrospectiva do ano que passou, a Veja publica a seção Memória, onde registra aqueles que partiram no período.

Na edição para 2012, o destaque absoluto da seção, foi para o Millor Fernandes, um dos maiores gênios das letras que este país já teve.

Um homem múltiplo (jornalista, escritor, artista plástico, tradutor. autor de peças teatrais ).

Um acúmulo de talentos, raro de acontecer.

Eu sempre o admirei e, particularmente, existe um fato marcante na minha vida que o envolve :

A primeira peça que vi com a Fernanda Montenegro foi "É", de autoria dele.

Isto foi no final da década de 70, logo depois da minha família mudar do interior para Porto Alegre. Era sonho da minha mãe ver a diva ao vivo, então não perdemos a oportunidade de realizá-lo.

Lembro nitidamente do início e do final da peça, nos quais a "monstra" dia apenas "É".

No início, a palavra é usada no sentido imperativo, tipo "É, meu nome é fulano de tal";  e, no final, é usada num tom de reticências / reflexivo, tipo ao comentar uma situação  : "É, a coisa é esta...", ou "É, a coisa tá braba...". Inesquecível.

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Millor foi um homem que viveu e comentou com fino humor e ironia as várias mudanças políticas e sociais que o país (e de resto a humanidade) passou nas ultimas décadas.

Neste período tivemos a oportunidade de acompanhar seu  trabalho  publicado nas maiores revistas e jornais do Brasil, com destaque absoluto para o nanico O Pasquim (que meu pai trazia para casa religiosamente). 

Também foi um grande pensador, com uma capacidade espantosa de concisão.

Seus aforismos sáo obras primas  e traduzem de maneira espetacular inúmeras verdades existenciais.

Por tudo isto, penso que a alcunha de "Mago das Letras", poucas vezes foi tão bem empregada quanto no caso dele.

Ele se foi, mas seu trabalho esta aí para continuar a nos impressionar e inspirar para sempre.

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Voltando ai início, a homenagem da Veja Restrospectiva 2012 ao  mestre foi espetacular. 

Eles montaram um texto único a partir dos seus aforismos publicados entre 1968 e 2009. 

Ficou fantástico e o reproduzo abaixo.

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“Da vida só me tiram morto”

Eu posso não ser um grande  humorista, mas tenho certeza de que sou constante motivo de riso de muita geme. Sempre disse e aqui repito: eu também não sou um homem livre. Mas muito poucos estiveram tão perto.

Eu sempre sei do que estou falando. Tirando isso não sei mais nada. O que espero dos leitores é que cumpram a sua função, como eu cumpro a mi­nha. Eu, jornalista, escrevo. Leitores leem. Muitos dão a vi­da por suas crenças. Nunca ar­risquei a vida pelo meu ceticis­mo. Não posso falar dos seres humanos que mais admirei na vida porque são nomes sem no­me, caras que nunca frequenta­ram a luz da ribalta. Gente que viveu a vida como deve ser vi­vida — de maneira puramente existencial. Quanto aos que merecem ser esquecidos, ah, desses coerentemente eu não me lembro.

Fiz três revoluções, todas perdidas. Foi aí que resolvi me afastar da política. Me senti como um navio abandonando os ratos. A primeira revolução foi contra Deus, e ele me ven­ceu com um sórdido milagre. A segunda com o destino, e ele me bateu. deixando-me só, com seu pior enredo. A terceira con­tra mim mesmo, e a mim me consumi, e vim parar aqui.

Não se iludam comigo. Mes­mo no verão, quando vocês me virem, saudável e queimado, correndo pela praia às 7 da matina, podem estar certos de que já consumi pelo menos um jornal inteirinho, ou, numa contenção heróica, me reservo para, com esse esforço, ganhar o direito de sentar numa poltrona e abrir o jornal na espe­rança de encontrar a manchete com que sempre sonhei: O mundo acabou ontem".

A infância não, a infância dura pouco. A juventude não, a juventude é passageira. A velhice sim. Quando um cara fica velho é pro resto da vida. E cada dia fica mais velho. É meu conforto. Da vida só me tiram morto.

A gente só morre uma vez. Mas é para sempre. Existe im­posto de renda depois da morte? Reparem só: ao nascer e ao mor­rer o homem parece um santo. O que eu acho fajuto, quando eu morrer, é tanta mulher de luto

Todo homem nasce original e morre plágio, Enfim um escritor sem estilo.

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Frases do Millor








































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