Como é possível um negro ser um pensador, um intelectual?
Como é possível um negro ser escritor, um
artista?
Como é possível que um negro tenha produzido uma obra tão vultosa ?
Perplexos, “cientistas” e seguidores da Eugenia (uma crença que proclamava a possibilidade de apurar a raça humana a partir da reprodução
seletiva daquelas que eram consideradas as melhores características hereditárias
– e nas quais os negros não se enquadravam), decidem autopsiar a cabeça de Lima Barreto,
para tentar descobrir porque ele calhou de ser um “negro com talento”, um
escritor, um cronista, um ensaísta, um contista, habilidades que – segundo os mestres da
eugenia - seriam exclusivas da raça
branca.
E a autópsia ocorre.
Mas eis que, resgatado do além, o espírito furioso de Lima Barreto acompanha e
interage com o “estudo” e, ao mesmo tempo, mergulha, de forma visceral, nas suas próprias
memórias, nas suas lembranças, repassando ( e reenfrentando ) os desafios, sofrimentos
e tristezas da sua vida.
E tudo vem num jorro destruidor : ira, ódio, revolta, solidão, loucura, amor, alcoolismo, inveja,
pobreza, falta de reconhecimento, família, racismo.
Assim é 'Traga-me a cabeça de Lima Barreto', espetáculo
interpretado de forma magistral por Hilton Cobra e apresentado na abertura do FestiPoa Literária, no Teatro São
Pedro.
A peça é uma porrada só. Legítima representante do teatro manifesto,
do teatro engajado.
Sim, pois tudo o que se vê em cena tem um único objetivo :
discutir, denunciar e combater o cancro do racismo.
A coisa é tão explícita e passional que, em um determinado
momento, a plateia é incitada a gritar um “Marielle Vive!!” e o povo
corresponde em massa, totalmente arrebatado.
Por isto, vê-se que o recado é tri bem dado por esta obra
criada para chocar, repugnar e indignar, mostrando o racismo na sua forma mais
vil, abjeta e desumana.
Mas ainda bem que, graças aos Orixás, o final é grandioso,
emocionante e libertador, com a celebração da completude, da legitimação e da integridade
do homem negro Lima Barreto.
E, é claro, o povo se acaba em palmas e gritos de “bravo”
(entre algumas lágrimas).
Fantástico.
Pela sua proposta 'Traga-me a cabeça de Lima Barreto' me
lembrou muito “O Topo da Montanha” que também ia fundo na questão racial
através da figura do Martin Luther King.
Só que, é claro, “O Topo..” é uma produção “broadwayana” com
as super estrelas Lázaro Ramos e Tais Araujo; beeeem diferente do “ 'Traga-me a cabeça “,
uma produção tri enxuta e sustentada apenas por um ator (mas que vale por vinte,
diga-se de passagem).
Mas o que importa é que as duas obras trazem a sempre necessária
questão do racismo, um mal inventado pelo homem “racional”, “inteligente” e “evoluído”
(que bela bosta).
Super.
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