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Wednesday, October 04, 2017

Mundo Gay - The Crooked Man - Conto de temática gay publicado na revista Playboy de Agosto de 1955


Uma sociedade onde a homossexualidade é o padrão de comportamento (é o normal) e a heterossexualidade é uma aberração, é uma doença que pode ser curada.

Bizarro não?

E o mais bizarro é que esta é a ideia do conto “The Crooked Man” (O homem Desviado) publicado na Revista Playboy – o templo dos homens héteros – em Agosto de 1955 nos Estados Unidos !

Sim, 1955 ! Bizarro total !.

Escrito por Charles Beaumont -  um autor de sci-fi e terror, roteirista de vários episódios da série “Além da Imaginção” e de filmes como “As sete faces do Doutor Lao” -  “The Crooked Man” foi rejeitado por diversas publicações, incluíndo a Squire, antes de Hugh Hefner ter a ousadia de incluí-lo nas páginas da sua revista.

Muitos leitores ficaram ofendidos e Hefner recebeu uma enxurrada de cartas indignadas.

Mas ele não retrocedeu. 

Na verdade registrou resposta aos haters dizendo que se as pessoas acham que “..é errado perseguir heterossexuais numa sociedade homossexual, o reverso também é”

Certamente uma resposta ousada para uma época onde a homossexualidade era crime e doença.

Hugh Hefner - Fundador da Playboy
O fato é que a publicação de “O homem desviado”, um conto na linha da ficção especulativa (o tipo de ficção que imagina mundos diferentes do “normal”),   permanece um marco na história da luta pelos direitos civis dos gays americanos, mesmo apresentando cenas de um "mundo homossexual" estereotipado e totalmente exagerado,
 
Mas o que eu acho fascinante é ele trazer a ideia da “cura” da heterossexualidade, uma condição associada à perversão, desvio, pecado, vergonha e culpa, naquela sociedade.

Veja só que coisa louca  : num sentido contrário,  discutir a "cura do desvio da homossexualidade" é algo surpreendentemente atual na nossa terra tupiniquim. 

Enfim.

Também, ler o conto e ver como os heterossexuais se sentem por sua condição de pervertidos naquele meio, é tomar conhecimento de muitas aflições que os gays sentem atualmente neste nosso mundo bem real.

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Segue uma tradução feita por mim de “The Crooked Man”.

Diga-se de passagem,uma tradução bem livre (mesmo porque não domino o inglês).

Registro : a palavra “Queer” (estranho, difente, etc) carrega uma forte conotação LGBT . Por isto decidi destacar no texto quando ela é usada de forma intencional na língua original.

Publiquei também o texto em inglês para o caso de alguém querer colaborar com correções.


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O Homem Desviado. 

Ele entrou no reservado no canto, longe dos homens que dançavam, onde o cheiro forte de almíscar e jasmim não impregnava tanto o ar. Uma luz elegante iluminou suavemente o local. Ele diminuiu seu brilho : diminuiu ao ponto de ter somente a luz azul do clube, filtrada através da cortina de miçangas, difundindo e desfocando as imagens pálidas refletidas nas paredes espelhadas.


“Pois não, senhor?”. O jovem garçom surgiu entre as miçangas e sorriu. Emoldurando um tronco dourado, seus músculos brilhantes pareciam mover-se de forma independente, como cobras imensas sob a pele nua.

“Uísque”, respondeu Jesse. Ele percebeu o sorriso fácil, o crescente conjunto de belos dentes brancos surgindo no rosto do jovem. Jesse desviou o olhar, tentando conter o fluxo de sangue que tomava sua face.


“Sim, senhor”, disse o jovem, deslizando seus dedos grossos e bronzeados sobre seu plexo solar, batucando-os levemente numa espécie de dança ondulada. Ele hesitou, ainda sorrindo, desta vez interrogativamente, com esperança, mostrando um sorriso tomado de admiração e desejo. “A Dança dos Dedos”, o símbolo de aceitação, parou : os dedos castanhos crispados raivosamente na sua mão. “Imediatamente, senhor”

Jesse olhou-o afastar-se. Antes das miçangass se alinharem, viu o belo atleta abrir caminho imperiosamente através da multidão, afastando as mãos ansiosas dos homens das mesas, ignorando os muitos sinais de desejos direcionados a ele.

Isto não podia ter acontecido. Agora o rapaz está chateado. E se ele se indignar, ele pode começar a pensar, a imaginar coisas – e isto arruinaria tudo. Não. Isto deve ser corrigido.

Jesse pensou em Mina. A bela Mina. Era uma chance mínima. Mas tinha que dar certo!

“Seu uísque, senhor” , o jovem disse. Sua face parecia a de um grande cão triste. Seus lábios comprimidos em decepção.

Jesse procurou dinheiro em seu bolso. Começou a falar algo. Algo gentil

“Já foi pago”, disse o garoto. Então fez uma careta de contrariedade, jogou um cartão sobre a mesa e saiu.

O cartão trazia o nome E.J. TWO HOBART gravado em tinta lilás. Jesse ouviu as miçangas da cortina estralarem.

“Oh, olá, espero que não se importe de eu ir invadindo assim, mas parece que você está sozinho”

Era um homem pequeno, gordinho, careca. Sua face mostrava uma barba rala e seus olhinhos pareciam ansiosos, encapsulados em seus contornos arredondados. Ele estava nú até a cintura. Seu peito branco e liso descansava nas camadas da sua barriga. Suavemente, com mais elegância do que o jovem garçom havia feito, ele passou a ondular seus dedos curtos e gordos num ritmo sugestivo.

Jesse sorriu. “Obrigado pelo drinque”, ele disse. “Mas eu realmente estou esperando alguém”

“Oh?”, disse o homem. “Alguém especial?”

“Muito especial”, Jesse disse suavemente, agora que as palavras vinham automaticamente. “Ele é meu noivo”

“Entendo”, O homem franziu o cenho momentaneamente e então sorriu. “Bem, eu pensei com meus botões e disse : E.J. um bonitão como aquele dificilmente estaria disponível. Ok, tudo bem. Valeu a tentativa. Desculpe”

“Sem problema algum”, disse Jesse. Os olhinhos predatórios permaneciam ansiosos, os dedinhos dançando freneticamente numa última tentativa. “Boa noite, Senhor Hobart”

Veias azuis despontavam dos peitos brancos, quase femininos do homem. Jesse sentiu-se um pouco melhor neste momento : eram os de outro tipo, os que avançavam, os sem humor como o jovem garçom; estes eram os que o enojavam, os que o fazia sentir-se doente, os que lhe dava vontade de pegar uma faca e escavar uma feiura abissal na sua própria face, suave e austera.

O homem virou-se e saiu movendo-se num rebolado sinuoso. O clube já estava bem cheio. Estava ficando tarde e as cabeças tomadas pelo álcool já tinham mandando longe as inibições de horas atrás.

Jesse tentou não olhar, mas já fazia tempo que ele havia desistido de se lutar contra esta fascinação.

Então ele os olhou os homens juntos. O casal no canto ao fundo, colado um ao outro, ondulando seus corpos sob seus pés firmados no chão, deslizando em ondas suaves ao som da música, suas línguas gentilmente socando o ar, sacudindo, como cobras rosas se encolhendo, se curvando, convidando, apenas fazendo breves contatos e depois recuando.

A “Dança das Linguas”,..

O casal sentado no bar. Um, uma Besta, o outro um Caçador. A Besta, a mais velha com as bochechas dependuradas e atulhadas de pós e cremes, o perfume desprendendo do seu corpo como vapor. A Fera, jovem porém feio, a fúria evidente em seus olhos, a raiva ferida por ter que se contentar com uma Besta – de vez em quando olhava ao redor, molhando os lábios com vergonha. E estes dois que acabaram de entrar vestidos com o Uniforme de Mãe. Bronzeados, com grandes bigodes, orgulhosos da sua posição.

Jesse, abriu as contas da cortina. Mina deve chegar logo. Ele só queria sair correndo dali, para o ar puro, para dentro do silêncio e da escuridão.

Não. Ele queria apenas Mina. Vê-la, tocá-la, ouvir o som melodioso da sua voz.

Charlie Beaumont - Autor de "The Crooked Man"
Duas mulheres entraram de braços dados. Besta e Caçadora, bêbadas. Foram paradas na porta. Foram xingadas, mandadas embora. O gerente passou reclamando pelo reservado de Jesse; perguntando por que queriam emporcalhar o Phallus com sua presença quando tinham seus próprios clubes para frequentar.

Jesse recolheu-se ao reservado. Já estava acostumada à luz fraca do ambiente, então fechou os olhos para sua imagem multiplicada nos espelhos. O som desorganizado da luxúria cresceu. A melodia embolada das vozes: roucas, fortes, efeminadas, finas. O lugar estava lotado agora. As Orgias começariam logo, quando então os casais se jogariam para os cubículos. Ele odiava aquele lugar. Porém mesmo perto do momento da Orgia, você não foi descoberto aqui – e, afinal, que outro local havia para ir ? Lá fora, onde cada centímetro de calçada era patrulhado eletronicamente, cada palavra falada, cada momento gravado, catalogado, arquivado?

Maldito Knudosn ! Maldito homenzinho ! Graças a ele, ao Senador, Jesse era agora um criminoso.
Antes, não era tão ruim; não tão ruim como é agora, pelo menos. Antes, você era ridicularizado, evitado e até demitido do emprego. Às vezes as crianças te jogavam pedras, mas pelo menos você não era caçado. Agora é um crime. Uma doença.

Ele lembrou quando Knudson tomou o poder. Foi um dos primeiros discursos divulgados do homenzinho. Na verdade foi a plataforma que deu a ele a maioria dos votos.

“O vicio tem aumentado na nossa cidade! Nos cantos escuros de cada Unidade a perversão desabrocha como flores podres! Nossas crianças estão expostas ao seu fedor, e elas se perguntam – nossas crianças se perguntam – por que nada é feito para parar esta desgraça? Nós temos ignorado isto muito tempo! Chegou o momento da ação, e não de meras palavras! Os pervertidos que infestam nossa terra devem ser extirpados, eliminados completamente! São uma ameça não apenas à moral pública mas também à sociedade como um todo! Esta gente doente deve ser curada e devolvidas à normalidade!”

"Esta doença que une homens e mulheres nestas horrorosas relações anormais e que levam a atos de retrocesso – retrocesso que nos levará – a não ser que sejam impedidos, e impedidos imediatamente! – que nos jogará inevitavelmente de volta ao status de animais primitivos ! - isto deve ser considerado como doença! Esta praga é uma doença que deve ser vencida como foram vencidas as doenças do coração, o câncer, a poliomelite, a esquizofrenia, a paranoia, e tantas outras!”

O Senador das Mulheres aprovou a liderança de Knudson e emitiu um pronunciamento semelhante.

Logo surgiu um projeto de lei, que foi aprovado e a lei entrou em vigor.

Jesse bebeu o uísque, lembrando-se dos Caçadores. Como as turbas frenéticas atravessaram a cidade, primeiro cantando, gritando, carregando cartazes com slogans :”ACABEM COM OS HETEROS!”, “ MATEM OS DESVIADOS (queers)!”, “TORNE NOSSA CIDADE LIMPA NOVAMENTE!”. E como eles finalmente perderam o interesse depois que a novidade terminou. Mas, então, eles já tinham matado muitos, e enviado muitos outros mais para os hospitais...

Ele lembrou-se das noites que passou correndo e se escondendo, da respiração seca e ofegante na sua garganta, do coração aos pulos. Ele teve sorte. Ele não parecia um hetero. Dizem que se pode conhecer um apenas pelo modo de caminhar. Jesse sabia como caminhar. Ele os enganara, Ele teve sorte.

E agora ele era um criminoso. Ele, Jess Four Martin, nada diferente do demais, gerado no Tubo de Nascimento e na Estufa, educado na Escola de Caráter como todos os outros - era terrivelmente diferente.
 
E tinha acontecido - suas terríveis suspeitas se cristalizaram – logo no seu primeiro encontro. O homem era um Rocketeer, o que havia de melhor mesmo fora da classe de Caçadores. Sua mãe tinha arranjado tudo com cuidado, para que tudo desse certo.

Então houve a dança. E então o passeio no GuiaEspaço. O grande homem colocou um braço sobre Jesse, e Jesse soube imediatamente. Ele teve certeza e isto causou-lhe raiva e tristeza.


Ele lembrou-se dos dias seguintes à sua descoberta : dias de dor, dias perceber seu pecado, de descobrir desejos impuros, de cravar frustrações na alma.

 Ele tentou achar um amigo nos Clubes dos Desviados que existiam na época, mas foi inútil. Havia algo de sensacional, uma bravura naquelas pessoas com as quais ele não conseguiu se identificar. A visão de homens e mulheres juntos chocaram alguns de seus conceitos que ele não conseguiria mudar e causou-lhe nojo, mesmo partilhando dos seus desejos dos Desviados.
 

Então os Vice Esquadrões vieram e fecharam os clubes, e os heteros foram forçados a cair na clandestinidade. Ele nunca mais os procurou ou os viu. Ele ficou só.
 
As miçangas da cortina se chocaram.
 
"Jesse ..." Ele levantou-se num pulo. Era Mina. Ela usava uma camisa de homem solta, um chapéu velho que escondia seus cabelos dourados: seu rosto estava oculto pela sombra do chapéu. Através da camisa, o movimentar dos seus seios era fracamente notado. Ela sorriu, nervosa.


Jesse fechou as cortinas. Sem dizer uma palavra, ele colocou uma mão sobre a pela macia do ombro da garota, e deixou-a assim por um longo tempo.
 
"Mina ..." Ela desviou o olhar. Ele trouxe o queixo dela para a frente e passou um dedo sobre seus lábios. Então pressionou seu corpo contra o dele, firmemente, acariciando seu pescoço, suas costas, beijando sua testa, seus olhos, sua boca. Eles se sentaram.


Eles procuraram palavras. A cortina se abriu
 
"Cerveja", disse Jesse, piscando para o garoto, que tentou se aproximar para ver quem era o amante daquele homem esbelto e bonito



“Sim, senhor”
 
O garoto olhou para Mina com firmeza, mas ela se virou e ele só pôde ver suas costas. 

Jesse prendeu a respiração. 

O rapaz sorriu desdenhosamente de um modo que dizia: “Você é um idiota - eu fui contratado por minha beleza. Veja meu peito, meus peitorais, meus braços fortes, meus lábios – por favor, onde se viu um conjunto tão sensual? E você me troca por este saco de ossos.”

Jesse piscou de novo, deu de ombros sugestivamente e simulou a Dança dos Dedos : “amanhã, meu amigo. Hoje estou comprometido. Não pude evitar. Amanhã.”

O barman sorriu e saiu. Em alguns momentos voltou com a cerveja. "Por conta da casa", disse, para o alívio de Mina. 

Ela se virou apenas quando Jesse disse suavemente:


"tudo bem. Ele já se foi.


Jesse olhou para ela. Então esticou um braço e tirou seu chapéu. O cabelo loiro deslizou e cobriu a camisa áspera.


Ela pegou o chapéu de volta. “Não devemos”, disse. “Por favor, e se alguém entrar?”

“Ninguem vai entrar. Eu já disse.”

“Mas se acontecer”. “Não sei, não gosto daqui. Aquele homem da porta – ele quase me reconheceu”

“Mas isto não aconteceu”

“Quase que sim. E se acontecer?”

“Esqueça. Mina, pelo amor de Deus. Não vamos discutir”

Ela se acalmou. “Sinto muito, Jesse. É que apenas – este lugar me faz sentir..”

“O quê?”

“Suja”. Ela disse desafiadoramente.

“Você não acredita nisto de verdade, não é?”

“Não. Eu não sei. Só quero estar a sós contigo”

Playboy de Agosto de 1955
Jesse pegou um cigarro e um fósforo.

Então praguejou, jogou o palito no chão e amassou o cigarro.

“Você sabe que isto é impossível”, ele disse. "A idéia de Unidades separadas como casas não existe mais e o que temos hoje são apenas dormitórios gigantescos. Não existem mais parques nem estradas. Não há mais lugares para se esconder, como todos bem sabem graças ao Senador Knudosn, ao mirrado pináculo desta nova onda sociológica. Isto é tudo o que temos”, Jesse falou, correndo os olhos ironicamente pelo reservado com seus símbolos entalhados e quadros de astros da mídia, todos nús e maliciosos.

Ficaram em silêncio por um tempo, mãos entrelaçadas no tampo da mesa. Então a garota começou a chorar.

“Eu – Eu não posso prosseguir desta maneira”, ela disse.

“Eu sei. É difícil. Mas o que mais podemos fazer?” Jesse tentou manter a esperança em sua voz.

“Talvez”, disse a garota, “devêssemos cair na clandestinidade como os demais”

“E nos escondermos lá como ratos?” - disse Jesse

“Nós estamos nos escondendo aqui”, disse Mina, “como ratos”

“Além disto, Parker está se preparando para acabar com tudo. Eu sei, Mina – Afinal eu trabalho no DomínioCentral . Logo a clandestinidade desaparecerá”

“Eu te amo”, disse a garota inclinando-se para a frente e abrindo os lábios para um beijo. “Jesse, eu o amo”. Ela fechou os olhos . “Oh, por que eles não nos deixam em paz? Por que? Só porque somos uns desvia...” (nota : aqui ela tenta usar a palavra “quee..” - queer)

“Mina! Eu já te disse – você nunca deve usar esta palavra. Isto não é verdade. Nós não somos desviados (queers). Você tem que acreditar nisto. Há muitos anos era normal homens e mulheres se amarem. Eles se casavam e tinham filhos; era assim que as coisas eram. Você não se lembra de nada do que contei?”

A garota soluçou. “É claro que me lembro. Mas, querido, isto foi há tanto tempo”


“Nem tanto assim! Onde eu trabalho – me escute – existem livros. Você sabe, eu te falei sobre eles? Eu os li, Mina. Eu compreendi o que as palavras significavam a partir de outros livros. Tudo é assim desde o início do uso da inseminação artificial – não tem nem quinhentos anos”

"Sim querido” disse a garota, “Tenho certeza, querido”

“Mina, pare com isto! Não somos aberrações, não importa o que digam. Eu não sei exatamente como tudo aconteceu – talvez, talvez as mulheres tenham se tornado totalmente idênticas aos homens – ou apenas simplesmente porque foi do jeito como passamos a nascer. Mas a questão, querida, é que todo o mundo foi como a gente é uma vez. Até mesmo agora, veja os animais”

“Jesse! Não se atreva a nos comparar àqueles horrorosos cães, gatos e a todos os bicho nojentos!”

Jesse suspirou. Ele já tinha tentado muitas vezes dizer a ela, mostrar a ela. Mas ele sabia, na verdade, o que ela pensava.

Ela se sentia exatamente do modo como as autoridades diziam que ela era. Deus, talvez como todos eles pensavam sobre si próprios, todos os “desvidados”, todos os “não normais”

A mão da garota acariciou seu braço e o toque subitamente tornou-se repugnante para ele. Não espontâneo. Terrivelmente forçado.

Jesse sacudiu a cabeça. “Esqueça isto”, pensou. “Esqueça. Ela é uma mulher ,você ama e não há nada errado, nada errado, nada errado nisto … ou talvez eu seja a pessoa insana do passado, alguém que era insano porque não tinha certeza que não era insana porque …. “

“Nojento”

Era o homem gordinho, o conquistador sorridente E.J. Two Hobart.

Mas agora ele não estava sorrindo. Jesse deu um pulo e ficou na frente de Mina.

“O que você quer? Eu pensei ter-lhe dito ...”

O homem sacou um disco metálico de seu calção de nanho. “Vice Pelotão, amigo”, ele disse.

“Melhor sentar-se”. O disco apontava para o ventre de Jessy.

O homem abriu as cortinas e dois outros homens entraram, segurando discos semelhantes.

“Eu o tenho observado há algum tempo, meu senhor”, ele disse, “Há algum tempo”

“Veja”, disse Jesse, “Não sei do que você está falando. Eu trabalho no DomínioCentral e estou aqui para tratar de negócios com a Senhorita Smith”

“Nós já sabemos tudo sobre seus tipos de negócios”, disse o homem

“Tá certo, Vou dizer a verdade. Eu a forcei a vir aqui, Eu ...”

“O senhor não me escutou? Eu disse que venho o observando. A noite toda. Vamos agora”

Um homem agarrou rudemente o braço de Mina; os outros dois começaram a empurrar Jesse pelo clube.

Cabeças se viraram. Os corpos homens emaranhados se afastaram com embaraço.

“Está tudo certo”, disse o homenzinho, sua pela branca reluzindo de transpiração. “Está tudo certo, camaradas. Voltem para o que for que estavam fazendo”.

Ele sorriu e intensificou seu aperto no braço de Jesse.

Mina não sorriu. Havia algo em seus olhos – levou um certo tempo para Jesse perceber o que era.

Então ele soube.

Ele soube o que ela veio lhe dizer naquela noite : que mesmo que eles não fossem capturados, ela se submeteria à Cura voluntariamente.

Sem mais preocupações, sem culpas. Sem mais encontros em espeluncas na madrugada, sentindo vergonha, sentido a sujeira…

Mina não correspondeu ao olhar de Jesse enquanto era levada para fora

“Você ficará bem”, o gordo dizia.

Ele abriu a porta do camburão.

“Atualmente eles já têm tudo esquematizado : alguns dias de internação, umas sessões com os médicos, remoção de algumas glândulas, algumas injeções, alguns fios enrolados na sua cabeça, ligar a máquina e Voilá ! Você vai ficar surpreso”

O gordo oficial aproximou-se.

Seus dedos gordurosos dançando rapidamente junto à face de Jesse.

“Vou te transformar num novo homem” - disse.

Então trancaram as portas, encerrando-os.


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THE CROOKED MAN by Charles Beaumont

HE SLIPPED INTO A CORNER BOOTH AWAY FROM THE dancing men, where it was quietest, where the odors of musk and frangipani hung less heavy on the air. A slender lamp glowed softly in the booth. He turned it down: down to where only the club’s blue overheads filtered through the beaded curtain, diffusing, blurring the image thrown back by the mirrored walls of his light, thin-boned handsomeness.

“Yes sir?” The barboy stepped through the beads and stood smiling. Clad in goldsequined trunks, his greased muscles seemed to roll in independent motion, like fat snakes beneath his naked skin.

“Whiskey,” Jesse said. He caught the insouciant grin, the broad white-tooth crescent that formed on the young man’s face. Jesse looked away, tried to control the flow of blood to his cheeks.

“Yes sir,” the barboy said, running his thick tanned fingers over his solar plexus, tapping the fingers, making them hop in a sinuous dance. He hesitated, still smiling, this time questioningly, hopefully,a smile drenched in admiration and desire. The Finger Dance, the accepted symbol, stopped: the pudgy brown digits curled into angry fists. “Right away, sir.”

Jesse watched him turn; before the beads had tinkled together he watched the handsome athlete make his way imperiously through the crowds, shaking off the tentative hands of single men at the tables, ignoring the many desire symbols directed toward him.

That shouldn’t have happened. Now the fellow’s feelings were hurt. If hurt enough, he would start thinking, wondering–and that would ruin everything. No. It must be put right.

Jesse thought of Mina, of the beautiful Mina–It was such a rotten chance. It had to go right!

“Your whiskey, sir,” the young man said. His face looked like a dog’s face, large, sad; his lips were a pouting bloat of line.

Jesse reached into his pocket for some change. He started to say something, something nice.

“It’s been paid for,” the barboy said. He scowled and laid a card on the table and left.

The card carried the name E.J. TWO HOBART, embossed, in lavender ink. Jesse heard the curtains tinkle.

“Well, hello. I hope you don’t mind my barging in like this, but–you didn’t seem to be with anyone . . .”

The man was small, chubby, bald; his face had a dirty growth of beard and he looked out of tiny eyes encased in bulging contacts. He was bare to the waist. His white hairless chest dropped and turned in folds at the stomach. Softly, more subtly than the barboy had done, he put his porky stubs of fingers into a suggestive rhythm.

Jesse smiled. “Thanks for the drink,” he said. “But I really am expecting someone.”

“Oh?” the man said. “Someone–special?”

“Pretty special,” Jesse said smoothly, now that the words had become automatic. “He’s my financée.”

“I see.” The man frowned momentarily and then brightened. “Well, I thought to myself, I said: E.J., a beauty like that couldn’t very well be unattached. But–well, it was certainly worth a try. Sorry.”

“Perfectly all right,” Jesse said. The predatory little eyes were rolling, the fingers dancing in one last-ditch attempt. “Good evening, Mr. Hobart.”

Bluey veins showed under the whiteness of the man’s nearly female mammae. Jesse felt slightly amused this time: it was the other kind, the intent ones, the humorless ones like–like the barboy–that repulsed him, turned him ill, made him want to take a knife and carve unspeakable ugliness into his own smooth ascetic face.

The man turned and waddled away crabwise. The club was becoming more crowded. It was getting later and heads full of liquor shook away the inhibitions of the earlier hours. Jesse tried not to watch, but he had long ago given up trying to rid himself of his fascination. So he watched the men together. The pair over in the far corner, pressed close together, dancing with their bodies, never moving their feet, swaying in slow lissome movements to the music, their tongues twisting in the air, jerking, like pink snakes, contracting to points and curling invitingly, barely making touch, then snapping back.

The Tongue Dance. . . The couple seated by the bar. One a Beast, the other a Hunter, the Beast old, his cheeks caked hard and cracking with powder and liniments, the perfume rising from his body like steam; the Hunter, young but unhandsome, the fury evident in his eyes, the hurt anger at having to make do with a Beast–from time to time he would look around, wetting his lips in shame . . . And those two just coming in, dressed in Mother’s uniforms, tanned, mustached, proud of their station . . .

Jesse held the beads apart, Mina must come soon. He wanted to run from this place, out into the air, into the darkness and silence.

No. He just wanted Mina. To see her, touch her, listen to the music of her voice . . .

Two women came in, arm in arm, Beast and Hunter, drunk. They were stopped at the door. Angrily, shrilly, told to leave. The manager swept by Jesse’s booth, muttering about them, asking why they should want to come dirtying up The Phallus with their presence when they had their own section, their own clubs–.

Jesse pulled his head back inside. He’d gotten used to the light by now, so he closed his eyes against his multiplied image. The disorganized sounds of love got louder, the singsong syrup of voices: deep, throaty, baritone, falsetto. It was crowded now. The Orgies would begin before long and the couples would pair off for the cubicles. He hated the place. But close to Orgy-time you didn’t get noticed here–and where else was there to go? Outside, where every inch of pavement was patrolled electronically, every word of conversation, every movement recorded, catalogued, filed?

Damn Knudson! Damn the little man! Thanks to him, to the Senator, Jesse was now a criminal.

Before, it wasn’t so bad–not this bad, anyway. You were laughed at and shunned and fired from your job, sometimes kids lobbed stones at you, but at least you weren’t hunted. Now–it was a crime. A sickness.

He remembered when Knudson had taken over. It had been one of the little man’s first telecasts; in fact, it was the platform that got him the majority vote:

“Vice is on the upswing in our city. In the dark corners of every Unit perversion blossoms like an evil flower. Our children are exposed to its stink, and they wonder–our children wonder–why nothing is done to put a halt to this disgrace. We have ignored it long enough! The time has come for action, not mere words. The perverts who infest our land must be fleshed out, eliminated completely, as a threat not only to public morals but to society at large. These sick people must be cured and made normal.

“The disease that throws men and women, together in this dreadful abnormal relationship and leads to acts of retrogression–retrogression that will, unless it is stopped and stopped fast, push us inevitably back to the status of animals–this is to be considered as any other disease. It must be conquered as heart trouble, cancer, polio, schizophrenia, paranoia, all other diseases have been conquered . . .”

The Women’s Senator had taken Knudson’s lead and issued a similar pronunciamento and then the bill became law and the law was carried out.

Jesse sipped at the whiskey, remembering the Hunts. How the frenzied mobs had gone through the city at first, chanting, yelling, bearing placards with slogans: WIPE OUT THE HETEROS! KILL THE QUEERS! MAKE OUR CITY CLEAN AGAIN! And how they’d lost interest finally after the passion had worn down and the novelty had ended. But they had killed many and they had sent many more to the hospitals . . .

He remembered the nights of running and hiding, choked dry breath glued to his throat, heart rattling loose. He had been lucky. He didn’t look like a hetero. They said you could tell one just by watching him walk–Jesse walked correctly. He fooled them. He was lucky.

And he was a criminal. He, Jess Four Martin, no different from the rest, tubeborn and machine-nursed, raised in the Character Schools like everyone else–was terribly different from the rest.

It had happened–his awful suspicions had crystallized–on his first formal date. The man had been a Rocketeer, the best high quality, even out of the Hunter class. Mother had arranged it carefully.

There was the dance. And then the ride in the spacesled. The big man had put an arm about Jesse and–Jess knew. He knew for certain and it made him very angry and very sad.

He remembered the days that came after the knowledge: bad days, days fallen upon evil, black desires, deep-cored frustrations. He had tried to find a friend at the Crooked Clubs that flourished then, but it was no use. There was a sensationalism, a bravura to these people, that he could not love. The sight of men and women together, too, shocked the parts of him he could not change, and repulsed him.

Then the vice squads had come and closed up the clubs and the heteros were forced underground and he never sought them out again or saw them. He was alone.

The beads tinkled.

“Jesse–” He looked up quickly, afraid. It was Mina. She wore a loose man’s shirt, an old hat that hid her golden hair: her face was shadowed by the turned-up collar. Through the shirt the rise and fall of her breasts could be faintly detected. She smiled once, nervously.

Jesse looked out the curtain. Without speaking, he put his hands about her soft thin shoulders and held her like this for a long minute.

“Mina–” She looked away. He pulled her chin forward and ran a finger along her lips. Then he pressed her body to his, tightly, touching her neck, her back, kissing her forehead, her eyes, kissing her mouth. They sat down.

They sought for words. The curtain parted.

“Beer,” Jesse said, winking at the barboy, who tried to come closer, to see the one loved by this thin handsome man.

“Yes sir.”

The barboy looked at Mina very hard, but she had turned and he could see only the back. Jesse held his breath. The barboy smiled contemptuously then, a smile that said: You’re insane–I was hired for my beauty. See my chest, look–a pectoral vision. My arms, strong; my lips–come, were there ever such sensuous ones? And you turn me down for this bag of bones .

Jesse winked again, shrugged suggestively and danced his fingers: Tomorrow, my friend, I’m stuck tonight. Can’t help it. Tomorrow.

The barboy grinned and left. In a few moments he returned with the beer. “On the house,” he said, for Mina’s benefit. She turned only when Jesse said, softly:

“It’s all right. He’s gone now.”

Jesse looked at her. Then he reached over and took off the hat. Blond hair rushed out and over the rough shirt.

She grabbed for the hat. “We mustn’t,” she said. “Please–what if somebody should come in?”

“No one will come in. I told you that.”

“But what if? I don’t know–I don’t like it here. That man at the door–he almost recognized me.”

“But he didn’t.”

“Almost though. And then what?”

“Forget it. Mina, for God’s sake. Let’s not quarrel.”

She calmed. “I’m sorry, Jesse. It’s only that–this place makes me feel–“

“–what?”

“Dirty.” She said it defiantly.

“You don’t really believe that, do you?”

“No. I don’t know. I just want to be alone with you.”

Jesse took out a cigarette and started to use the lighter. Then he cursed and threw the vulgarly shaped object under the table and crushed the cigarette. “You know that’s impossible,” he said. The idea of separate Units for homes had disappeared, to be replaced by giant dormitories. There were no more parks, no country lanes. There was no place to hide at all now, thanks to Senator Knudson, to the little bald crest of this new sociological wave. “This is all we have,” Jesse said, throwing a sardonic look around the booth, with its carved symbols and framed pictures of entertainment stars–all naked and leering.

They were silent for a time, hands interlocked on the table top. Then the girl began to cry. “I–I can’t go on like this,” she said.

“I know. It’s hard. But what else can we do?” Jesse tried to keep the hopelessness out of his voice.

“Maybe,” the girl said, “we ought to go underground with the rest.”

“And hide there, like rats?” Jesse said.

“We’re hiding here,” Mina said, “like rats.”

“Besides, Parker is getting ready to crack down. I know, Mina–I work at Centraldome, after all. In a little while there won’t be any underground.”

“I love you,” the girl said, leaning forward, parting her lips for a kiss. “Jesse, I do.” She closed her eyes. “Oh, why won’t they leave us alone? Why? Just because we’re que–“

“Mina! I’ve told you–don’t ever use that word. It isn’t true! We’re not the queers. You’ve got to believe that. Years ago it was normal for men and women to love each other: they married and had children together; that’s the way it was. Don’t you remember anything of what I’ve told you?”

The girl sobbed. “Of course I do. But, darling, that was a long time ago.”

“Not so long! Where I work–listen to me–they have books. You know, I told you about books? I’ve read them, Mina. I learned what the words meant from other books. It’s only been since the use of artificial insemination–not even five hundred years ago.”

“Yes dear,” the girl said. “I’m sure, dear.”

“Mina, stop that! We are not the unnatural ones, no matter what they say. I don’t know exactly how it happened–maybe, maybe as women gradually became equal to men in every way–or maybe solely because of the way we’re born–I don’t know. But the point is, darling, the whole world was like us, once. Even now, look at the animals–“

“Jesse! Don’t you dare talk as if we’re like those horrid dogs and cats and things!”

Jesse sighed. He had tried so often to tell her, show her. But he knew, actually, what she thought.

That she felt she was exactly what the authorities told her she was–God, maybe that’s how they all thought, all the Crooked People, all the “unnormal” ones.

The girl’s hands caressed his arms and the touch became suddenly repungnant to him. Unnatural. Terribly unnatural.

Jesse shook his head. Forget it, he thought. Never mind. She’s a woman and you love her and  there’s nothing wrong nothing wrong nothing wrong in that. . . or am I the insane person of old days who was insane because he was so sure he wasn’t insane because–.

“Disgusting!”

It was the fat little man, the smiling masher, E.J. Two Hobart. But he wasn’t smiling now. Jesse got up quickly and stepped in front of Mina. “What do you want? I thought I told you–“

The man pulled a metal disk from his trunks. “Vice squad, friend,” he said. “Better sit down.” The disk was pointed at Jesse’s belly.

The man’s arm went out the curtain and two other men came in, holding disks.

“I’ve been watching you quite a while, mister,” the man said. “Quite a while.”

“Look,” Jesse said, “I don’t know what you’re talking about. I work at Centraldome and I’m seeing Miss Smith here on some business.”

“We know all about that kind of business,” the man said.

“All right–I’ll tell you the truth. I forced her to come here. I–“

“Mister–didn’t you hear me? I said I’ve been watching you. All evening. Let’s go.”

One man took Mina’s arm, roughly; the other two began to propel Jesse out through the club. Heads turned. Tangled bodies moved embarrassedly.

“It’s all right,” the little fat man said, his white skin glistening with perspiration. “It’s all right, folks. Go on back to whatever you were doing.” He grinned and tightened his grasp on Jesse’s arm.

Mina didn’t struggle. There was something in her eyes–it took Jesse a long time to recognize it.

Then he knew. He knew what she had come to tell him tonight: that even if they hadn’t been caught–she would have submitted to the Cure voluntarily. No more worries then, no more guilt. No more meeting at midnight dives, feeling shame, feeling dirt . . .

Mina didn’t meet Jesse’s look as they took her out into the street.

“You’ll be okay,” the fat man was saying. He opened the wagon’s doors. “They’ve got it down pat now–couple days in the ward, one short session with the doctors; take out a few glands, make a few injections, attach a few wires to your head, turn on a machine: presto! You’ll be surprised.”

The fat officer leaned close. His sausage fingers danced wildly near Jesse’s face.

“It’ll make a new man of you,” he said. Then they closed the doors and locked them.


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