“O que se estendia à sua frente era uma vida de merda, via com clareza agora, mas tudo bem, que fosse. Uma vida de merda. Teria a companhia de multidões.”
Assim Neto percebe seu futuro num momento “turning point” de “O Drible” (Sérgio Rodrigues - Companhia das Letras 2013).
Neto é um “looser total”, interessado em velharias da cultura pop, que se sustenta fazendo revisões de rasteiros livros de auto ajuda e que, após passar por um terrível trauma amoroso, só se envolve com garotas “de classe inferior”, as quais descarta logo que o “caso” começa a entrar perigosamente na categoria de “romance”. Filho do famoso cronista esportivo Murilo Filho, Neto, durante a infância, já órfão de mãe, comeu o pão que o diabo amassou nas mãos do pai agressivo, ausente e cruel.
Já adulto, depois de dez anos sem ver o pai frente a frente, Neto recebe um convite de Murilo para visitá-lo numa chácara no Rocio (Petropolis RJ) onde vive recolhido após abandonar a profissão. “Estou à sua espera, Tiziu. Estou morrendo” – ouve o pai dizer-lhe em tom melodramático ao telefone. Neto surpreende-se tanto pelo convite quanto por o pai chamá-lo pelo apelido que lhe dera na infância e que ninguém mais usava. O filho reluta mas acaba iniciando uma série de encontros com Murilo nos quais espera, de forma quase obsessiva, que o jornalista aposentado demonstre arrependimento por provocar a ruína de sua vida e, desta forma, lhe peça perdão.
Só que Murilo, alternando momentos de lucidez e outros de aparente “desligamento”, desvirtua a conversa toda a vez que o filho lhe coloca contra a parede questionando-o sobre sua desumanidade, sua perversidade como pai. Nestes momentos, o velho cronista, com toda sua bagagem de conhecimento, começa a divagar (ou “dar aulas”) sobre o futebol brasileiro, sua história, times, craques, campeonatos, copas do mundo. Fala sobre o futebol como elemento formador da cultura, da sociedade, do imaginário; o esporte como agregador, como gerador de ódio, violência e morte.
Também Murilo começa a lhe contar a trágica história de Peralvo – sobre a qual escreveu um livro ainda não publicado -, um jogador com determinados dons mágicos, que partiu de uma condição interiorana quase marginal para as glórias nos grandes clubes cariocas, e que se envolve, por vias completamente tortas, nos subterrâneos da ditadura militar.
Neto acaba embarcando neste mundo fictício ou real muito mais para estar perto do velho – e assim ouvir (ou extrair) o tão sonhado pedido de perdão – do que realmente interessado no que está lhe sendo contado.
Só que a velha raposa não embarca nesta tão fácil, e daí se estabelece uma espécie de jogo entre pai e filho, com ataques, recuos, faltas, inúmeros dribles e um assustador golaço final.
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Bem, devo dizer que futebol não faz parte dos meus interesses e, portanto, entrei no livro meio que “sem vontade”.
Mas a coisa já começa muito bem com a descrição entusiástica de Murilo de um drible fantástico e humilhante que Pelé deu no goleiro uruguaio Ladislao Mazurkiewicz, na copa de 1970 (aliás o que este drible envolve, define o livro).
Então, mesmo para quem não é futebolista fanático, as passagens esportivas super bem escritas não incomodam em nada. Pelo contrário, servem como uma espécie de “Introdução ao Fanatismo do Futebol para Leigos”.
Também a mistura de personagens reais dos anos dourados e sessentas (Nelson Rodrigues, Mario Filho, Nara Leão, Garrincha, Pelé, etc) com fictícios é fantástica.
Mas estes e outros recursos utilizados pelo autor seriam elementos “inteligentes” se não estivessem a serviço de uma boa história. No caso de “O Drible” achei, a medida que evolui a leitura, que esta tal história era até “estava legal”, mas não esperava maiores surpresas.
Só que não.
O final é definitivamente esmagador (para usar uma gíria esportiva), elevando a sordidez dos personagens a níveis insuspeitados.
Me caiu os butiá do bolso. Portanto aviso que quem se aventurar neste livro, prepare-se para ficar C-H-O-C-A-D-O.
Imitando a Gleicy Kelly – personagem do livro - : É tipo assim, PÉIM !! na sua cabeça.
Excelente.
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Observação :
Sérgio pisa na bola ao afirmar que (falando de cultura pop na página 71), o Agente 86, Maxwell Smart, trabalhava para a UNCLE, quando na verdade ele trabalhava para o CONTROLE.
Absolutamente nada a ver.
Ele confundiu ”O Agente da UNCLE” com “O Agente 86”.
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Video com o incrível drible de Pelé
Links para os blogs do Sergio Rodrigues
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