Quando li que o novo
livro do Cristóvao Tezza tratava de um professor passando a limpo sua
vida, antes de receber um prêmio acadêmico de cara pensei :
“mesma coisa do filme Morangos Silvestres, do Bergman”.
Sim,
pois nesta obra prima, o diretor sueco mostra um professor super
idoso perdido nas suas memórias - e tropeçando em
alguns eventos - durante o trajeto para para a tal homenagem na
Universidade de Lund.
Nada a ver.
Se o filme
tem um tom “lírico”, Tezza não doura a pílula
ao nos apresentar Heliseu da Motta e Silva, professor aposentado de
Filologia Românica, que durante algumas poucas horas desde o
despertar, prepara-se para receber, aos 71 anos, uma homenagem por
sua carreira.
Divagando sobre o que
(e como) discursará, o mestre – vendo o ato como uma espécie
de morte simbólica a partir do qual todos o esquecerão
- vai fundo na retrospectiva da sua vida.
Neste mergulho
conhecemos suas alegrias, suas infelicidades, frustrações;
seus relacionamentos fracassados (amorosos e familiares) , num denso
quadro de amarguras (e culpas) pontuado com muito sarcasmo e ironia.
Heliseu é
patético. Sabe que seus colegas acadêmicos falam por suas costas, a
certa altura se auto referencia como “reacionário”,
e meio que se enxerga como uma fraude.
Como se isso não fosse pouco, seus fantasmas são
porrada : pai rude e “criminoso", filho gay e distante, paixões
arruinadas, isto sem falar do seu provável assassinato da
esposa.
Mas o romance vai além
: com passagens ótimas sobre a história recente do
Brasil e mundial, também traz trechos saborosos (e alguns
difíceis) sobre a construção da língua
portuguesa.
Enfim.
No final de "O Professor", o que fica é
um encontro raro com um autor com pleno controle da estrutura narrativa num nível
de excelência assustador.
Fiquei tão
empolgado que me vi lendo trechos em voz alta tamanha a fluidez e
impacto.
Livraço
--------------------
Matéria da Veja sobre o livro
No comments:
Post a Comment