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Wednesday, August 23, 2017

Livro - O conto da Aia (Margaret Atwood)



Úteros com duas pernas.

Vasos, receptáculos femininos designados para receber esperma através de coito impessoal executado através de severas regras estatais.

Estas são as AIAS, possivelmente as únicas mulheres com corpos saudáveis para engravidar após o mundo sofrer com guerras santas, vazamento de estoques de armas químicas e biológicas, despejo de lixo tóxico clandestino em rios e lagos, uso descontrolado de inseticidas químicos, herbicidas, contaminações radioativas, etc..

Mulheres que, no passado (tempos atuais), viviam infelizes e amedrontadas por conta de uma sociedade machista que, além de exigir que trabalhassem, produzissem - e fossem mães e esposas dedicadas -, também as tratava como putas, como objeto sexual; o que as expunha a estupros e várias outras formas de violência e degradação, como o feminicídio, a prostituição e a pornografia.

Agora, com uma nova sociedade fundamentada e purificada através das leis da Bíblia, as Aias são protegidas e libertadas para assumirem o papel fundamental de toda a mulher : o de ser mãe.

E para isto não necessitam de estudo, de trabalho, de ler ou escrever, de ter romances ou sentimentos.

Vivendo num cotidiano tranquilo de recato e silêncio – no qual são vigiadas e controladas o tempo todo para seu próprio bem - as Aias ocupam-se apenas em esperar os dias da fecundação, pelos COMANDANTES, e em rezar para gerar bebês saudáveis para a glória e fortalecimento do Estado.

Este é o papel definido a elas na República de Gilead, local que anteriormente teria sido os Estados Unidos e que agora é um Estado construído sobre sólidas bases cristãs.

Nesta sociedade, as mulheres são estratificadas em castas :

As NÃOESPOSAS vivem no nível mais baixo. São a ralé.

As TIAS são as doutrinadoras. São as irmãs guardiãs da moral e incumbidas de formar as AIAS.

As MARTHAS são as serviçais das casas dos Comandantes; as incumbidas de lavar, limpar, cozinhar.

As SALVADORAS são as carrascas encarregadas das mortes públicas.

E as ESPOSAS são as mulheres casadas com os Comandantes. Caso alguma seja infértil – ou doente por causa de algum tipo de contaminação - pode requisitar uma AIA para ser fecundada periodicamente por seu marido. As Esposas são as que “dão a luz” através dos corpos das Aias, as que são mães através do útero alheio. E para isto passam participam do processo do coito e do parto das Aias – como se elas fossem a protagonista das ações.

Já os homens são definidos em postos de vigia, polícia, serviço e comando. O livre acesso ao sexo feminino (mesmo uma conversa) é proibido. As mulheres, por serem vulneráveis e fracas, devem ser respeitadas. Somente com a conquista de méritos, definidos pelo estado, um homem pode vir a ter uma esposa.

Homossexuais, judeus não convertidos ao cristianismo, médicos praticantes de aborto no passado - e que agora são alvos de denúncia – e todos os demais considerados “pecadores” são mortos enforcados e expostos no “Muro”, local público para evidenciar o trabalho de limpeza praticado pelo Estado. Isto sem falar dos “Filhos de Cam” - os negros segundo a Bíblia – que estariam sendo “reassentados”.

Este é o mundo de “O conto da Aia”, poderoso romance de Margaret Atwood, que conta a história de uma Aia, a Offred, na verdade uma mulher totalmente subjugada que procura, dentro da sua mínima área de ação, encontrar algum valor próprio que a faça se sentir relevante – além da procriação - e buscar informações sobre sua família (marido e filha) desfeita pelo terror estatal.

Já adaptado para o teatro, para o cinema, série de televisão e até ópera, “O conto da Aia” pode ser considerado “assustador”, porém, se se analisarmos algumas tendências ao conservadorismo observadas no mundo atual, algo parecido com o regime retratado no livro acaba sim sendo uma possível realidade futura.

Ótimo.

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