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Friday, November 16, 2012

Livro - Ultimas Palavras (Christopher Hitchens)



Ultimas palavras - Christopher Hitchens

Em 2010, exatamente durante a turnê de divulgação do seu livro de memórias "Hitch-22", que  foi um grande sucesso,  o jornalista e polemista britânico Christopher Hitchens,recebeu o diagnóstico de câncer  em estado avançado no esôfago.

A partir daí, e nos dezoito meses que teve de sobrevida, Christopher empenhou-se em relatar  em artigos na Vanity Fair – variando de um tom cáustico a apelos dramáticos -   sua trajetória através do ele chamou de “Terra da doença”, até finalmente encontrar  “... minha velha amiga, a escuridão”

Agora a compilação destes artigos – acrescida de outros textos, inclusive um de sua esposa Carol Blue – está sendo lançada mundialmente sob o título de "Últimas Palavras"(tradução de Alexandre Martins, Globo Livros, 96 páginas, 24,90 reais), um livro pequeno,  mas poderoso e intenso..

De um bom vivant, de uma celebridade mundial, de um grande intelectual e humanista no auge do seu potencial criativo,  acompanhamos em “Ultimas palavras”,  Christopher ser  pouco a pouco  subjugado pela realidade da dor e da deterioração do corpo (diz ele : “Eu não tenho um corpo, eu sou um corpo” ou  “Corpo passa de amigo confiável  a algo neutro e , depois, inimigo traiçoeiro ... Proust?”)
Grande admirador da inteligência e capacidade humana (um defensor ferrenho da ciência), o jornalista relata a  busca da cura através dos mais avançados tratamentos e drogas (algumas experimentais) . A cada nova proposta,  a cada nova possibilidade ou sugestão de terapia,  ele continua sua jornada,  muitas vezes   dura e desencorajadora.

Paralelamente ele  escreve sobre outros assuntos, ações e reflexões que precederam sua elegia.

Por exemplo, com fina ironia Christopher  comenta as reações dos crentes (de várias religiões) ao saberem que ele, um dos maiores pregadores  do ateísmo no mundo, estava marcado pelo câncer.  Ouviu  desde maldições diretas condenando-o ao fogo eterno do inferno,  até as boas intenções daqueles que estavam dispostos a “orar” pelo seu restabelecimento e, dessa forma, caso ocorresse o milagre da cura, provar que “deus existe”.  
Christopher

Também faz uma longa e contundente reflexão sobre a máxima nietzscheana “ o que não me mata me fortalece”.   Antes do câncer  Christopher, que esteve frente a frente com a morte em  coberturas de guerras pelo mundo, sentia que isto era verdade a cada “volta para casa” -  tipo “eu sobrevivi e agora sou mais forte”.  Mas esta convicção  cai por terra diante da realidade direta e dolorosa do tratamento quimioterápico.  Hitchens é golpeado pela fragilidade do corpo e, diante da exposição crua da carne,  questiona Nietzsche.

De qualquer forma,  percebe-se sempre o  esforço  do autor – conhecido pela defesa da razão - em fugir ao sentimentalismo e à autopiedade, os quais, compreensivelmente, surgem aqui e ali de modo  emocionante.

Falar em coragem ? , ou em “luta contra o câncer ?”
Christopher diz : “Corajoso?  Tá! Guarde isso para uma luta da qual você não pode fugir”  - e eu complemento : “... e vamos ver o que acontece !”. Ou seja, podemos ser “corajosos”, porém,  diante da  verdade imutável da morte, como ficamos ? Cadê a “coragem” ?  -  Então, mesmo querendo enfrentar a entrada no sepulcro  com um estoicismo Socrático, Hitchens belamente e humanamente escancara seu medo e fragilidade diante do desconhecido (e assim nos aproxima da sua mente, da sua "alma").

Grande defensor do “humano”, Hitchens procura claramente fugir do papel de vítima e compartilha com seus leitores sua luta impressionante pela  lucidez, pela preservação da sua percepção, da sua consciência.

Seus derradeiros registros -  reunidos em frases esparsas  no final do livro – dão a dimensão do seu compromisso  concreto - e transcendental -  com suas idéias e intelecto..

Christopher se foi , mas -  sem querer ser piegas, pois acredito que ele não suportaria isto - , não posso deixar de dizer que ele nos legou  seu juízo e sabedoria impares.

Assim,  seu trabalho, sua obra (que pode não  estar certa  sempre, mas que está léguas acima de qualquer pensamento mediano) - certamente  continuará a iluminar as mentes e corações daqueles que buscam e defendem a verdade e o humano  além dos regimes políticos,  além das religiões, além das superstições, dogmas e crenças, nesta e nas gerações futuras.

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Reproduzo abaixo alguns trechos do livro :

Primeiro sintoma da doença :

“Mais de uma vez em minha vida acordei com a sensação de estar morto. Mas nada me preparou para o começo da manhã em junho em que recobrei a consciência sentindo-me como acorrentado a meu próprio cadáver. Toda a minha cavidade torácica parecia ter sido retirada e depois preenchida com cimento de secagem lenta. Eu ouvia minha respiração fraca, mas não conseguia inflar os pulmões. Meu coração parecia bater demais, ou muito pouco. Qualquer movimento, por menor que fosse, exigia preparação e planejamento. Exigiu um esforço extenuante e atravessar meu quarto de hotel em Nova York e chamar a emergência. Eles chegaram com muita rapidez e se comportaram com imensos profissionalismo e cortesia. Tive tempo de pensar em por que eles precisavam de tantas botas e capacetes e tanto equipamento pesado de apoio, mas agora, repassando a cena, vejo-a como uma deportação gentil e firme, me levando do país dos saudáveis através da fronteira desolada que leva à terra da doença.”

Descrição da “Terra da Doença” :


“A nova terra é bastante receptiva, à sua maneira. Todos sorriem, encorajadores, e parece não haver racismo. Prevalece um espírito em geral igualitário, e aqueles que mandam no lugar obviamente chegaram onde estão por mérito e trabalho duro. Por outro lado, o humor é um tanto pobre e repetitivo, parece que ninguém conversa sobre sexo, e a cozinha é pior do que a de qualquer outro destino que já visitei. O país tem idioma próprio – uma língua franca que consegue ser ao mesmo tempo insensível e difícil, e que contém nomes como ondansetrona, uma medicação contra náusea -, bem como alguns gestos perturbadores aos quais é preciso se acostumar. Por exemplo, um profissional que você vê pela primeira vez pode, de repente, enfiar os dedos no seu pescoço. Foi assim que descobri que meu câncer se espalhara para os nódulos linfáticos, e que uma dessas belezinhas deformadas – localizada na minha clavícula direita – era suficientemente grande para ser vista e sentida.”

Aceitação da Morte :

“A famosa teoria dos estágios de Elisabeth Kübler-Ross, segundo a qual a pessoa (frente à morte certa – nota minha ) evolui da negação para a raiva, depois avança para a depressão até finalmente chegar ao êxtase da “aceitação”, até agora não se aplicou ao meu caso. De certa forma, imagino, passei algum tempo “em negação”, conscientemente queimando a vela nas duas pontas e descobrindo que isso com frequência produz uma luz adorável. Mas por essa razão não consigo me ver socando a testa, em choque, nem me ouvir gemendo que tudo é tão injusto : tenho provocado a ceifadora a brandir a foice na minha direção, e agora sucumbi a algo tão previsível e banal que entedia até mesmo a mim. A raiva estaria fora de questão pelo mesmo motivo. Em vez disso, sinto-me muito oprimido pela persistente sensação de desperdício. Eu realmente tinha planos para minha próxima década e achava que tinha dado duro o bastante para merecer. Não vou viver para ver meus filhos casando ? Para assistir o World Trade Center se erguendo novamente ? Para ler – ou quem sabe escrever – os obituários de velhos vilões como Henry Kissinger e Joseph Ratzinguer ? Compreendo, porém esse tipo de não pensamento exatamente pelo que ele é : sentimentalismo e autopiedade. Meu livro (Hitch-22 entrou na lista dos mais vendidos no dia em que recebi o pior dos boletins noticiosos, e por acaso o último voo que fiz como pessoa presumivelmente saudável (….) foi aquele que me tornou dono de um milhão de milhas da United Airlines, podendo desfrutar de upgrades gratuitos pelo resto da existência. Mas ironia é o meu negócio, e simplesmente não consigo ver ironias nisso tudo : seria menos pungente descobrir o câncer no dia em que minhas memórias fossem classificadas como um fracasso memorável ou no dia em que me enxotassem de um voo na classe econômica ? Á pergunta cretina “Por que eu ?”, o cosmos mal tem o trabalho de responder : “Por que não ?”

Aquilo que pode ser afirmado sem provas, pode ser descartado sem provas

Sobre seu ateísmo na hora final :

Ele comenta um texto encontrado na Internet onde um crente registra :

“Quem mais acha que Christopher Hitchens ter cancêr de garganta terminal (sic) foi a vingança de Deus por ele usar sua voz para blasfemá-lo ? Ateus gostam de ignorar FATOS. Gostam de afirmar como se tudo fosse uma “coincidência”. Verdade ? É apenas “coincidência” [que] de todas as partes de seu corpo Christopher Hitchens tenha conseguido um câncer na única parte de seu corpo que usou para blasfemar ? Tá, continuem acreditando nisso, ateus. Ele vai se contorcer de agonia e dor e se reduzir a nada, e depois ter uma horrenda morte agonizante, e ENTÃO vem a parte realmente divertida, quando ele é mandado para sempre para O FOGO DO INFERNO, para ser torturado e queimado”

Segue o comentário do Christopher :

“Há numerosas passagens nas escrituras sagradas e na tradição religiosa que por séculos transformaram esse tipo de regozijo em crença hegemônica. Muito antes de isso dizer respeito a mim, pessoalmente, eu entendia as objeções óbvias a tal argumentação. Primeiro, qual mero primata está tão desgraçadamente certo de que pode conhecer a mente de deus ? Segundo, esse autor anônimo quer que seus pontos de vista sejam lidos pelos meus filhos inocente que também estão passando por um mau momento, obra desse mesmo deus ? Terceiro, por que não lançar um raio sobre mim, ou algo similarmente assombroso ? A divindade vingativa tem um arsenal tristemente pobre se a única coisa que consegue pensar é exatamente o câncer que minha idade e “estilo de vida” sugeriam que eu pudesse ter. Quarto, afinal de contas, por que câncer ? Quase todos os homens têm câncer de próstata quando vivem o suficiente para tal : é uma coisa indigna, mas distribuída igualitariamente entre santos e pecadores, crentes e ímpios. Se você sustenta que deus concede cânceres sob medida, também tem de levar em conta o número de crianças com leucemia. Muita gente devota morreu jovem e com dor. Bertrand Russell e Voltaire permaneceram ativos até o fim, assim como muitos criminosos, psicopatas e tiranos. Portanto, esses infortúnios parecem medonhamente aleatórios. Minha garganta até o momento não cancerosa – apresso-me a garantir a meu correspondente cristão acima – não é de modo algum o único órgão por meio do qual blasfemei. E mesmo que minha voz desapareça antes de mim, continuarei a escrever polêmicas contra ilusões religiosas, pelo menos até dizer alô à minha velha amiga, a escuridão. Nesse caso por que não câncer no cérebro ? Como um aterrorizado imbecil semiconsciente, eu poderia até mesmo gritar pedindo um sacerdote na hora da conta, embora neste momento declare, estando ainda lúcido, que a entidade se humilhando dessa forma de fato não seria “eu”. (Tenham isso em mente, para o caso de boatos e invenções posteriores.)”  

Corra o risco de pensar po si próprio.  Voce alcançará muito mais felicidade, verdade, beleza e sabedoria desta maneira

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