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Tuesday, June 03, 2014

Livro–O Réu e o Rei

Capa o reu e o rei
Capa
Do Paulo César de Araújo li tanto o “Eu não sou cachorro não” quanto o “Roberto Carlos em detalhes”, dois livros fundamentais para qualquer um que se interesse verdadeiramente pela música popular brasileira.

O “Eu não sou cachorro...”, indo contra todos os preconceitos, resgata a chamada música brega da lama da história e a analisa como fenômeno sócio-político-cultural legítimo.

Já o “Roberto Carlos em detalhes” -  livro que li em apenas um dia-   traz um estupendo panorama da vida e obra do Rei, Um biografia exemplar, de fôlego, que celebra RC como o grande ídolo que é.

Ou era, pois todo mundo sabe que esta biografia (“não autorizada”), foi proibida de circular no Brasil por conta do processo de “invasão de privacidade” movida pelo RC contra o autor e a Editora Planeta, num dos mais tenebrosos casos de agressão à liberdade de expressão já perpetrado nas terras brasilis.

Mas agora Paulo dá o troco, e de maneira elegantésima, com o fundamental  “O Réu e o Rei  - Minha história com Roberto Carlos, em Detalhes" (Companhia das Letras / 2014), onde ele narra sua história desde a infância (cheia de dificuldades financeiras e familiares), passando por seu esforço para trabalhar e cursar o ensino superior (História e Comunicação) até já historiador e escritor consagrado. Tudo tendo como pano de fundo sua “relação” com Roberto (o fâ mirim, o tiete devotado, o historiador sério, o autor responsável e, finalmente, o querelado – aquele que ofende – dentro do processo movido pelo “Rei” contra ele).

Paulo
Paulo Cesar de Araujo
É um livro fantástico que, logo no início,  me transportou ao passado quando, num momento brilhante, elucidou um, digamos,  “enigma” da minha infância.

Sim, pois quando o Paulo afirma que algumas músicas do Roberto da década de sessenta eram direcionadas ao público infantil, me vi novamente o menino do interior do RS  cuja imaginação era arrebatada pelas cenas fantásticas descritas destas canções, e não teve como não mergulhar na memória afetiva..

Realmente naquela época o que se tinha para crianças, em termos musicais, eram os disquinhos de historinhas (onde rolavam algumas canções), as músicas do Carequinha (algumas  tenebrosas, tipo a famigerada “O bom menino”, onde o palhaço, com voz de travesti fumante e decadente, ia enumerando as qualidades que um “menino do bem” , um menino enquadrado e obediente deveria ter). Fora isto mais nada. E o RC vinha com “A História de um homem mau”, “O Brucutu”, “O calhambeque” e outras cinematográficas que incendiavam o imaginário da molecada de então.

Por outro lado, com sua marca de escritor delicioso (no bom sentido), Paulo analisa – novamente, mas incorporando outros enfoques distintos do “RC em detalhes” -  a trajetória pública e artística do “Rei”, especialmente lançando luzes sobre a fase horrenda (inaugurada pós 80 e que ainda não acabou- e acho que nem acabará), na qual o ídolo se afundou no TOC, na religiosidade, na ausência de grandes canções, no “mundo azul” e na perseguição à liberdade de expressão, revelando ao público uma personalidade mimada e fanática.

É especialmente tenebrosa a passagem que conta  a junta de conciliação promovida entre o querelado Paulo e o querelante RC, em São Paulo, na Vigésima Vara do Fórum Criminal da Barra Funda, em 27 de Abril de 2007.

Ali foi celebrada uma das mais patéticas  audiências já engendradas pela nossa justiça. Sob a batuta do hostil  juiz Tércio Pires, o jogo já estava definido antes do apito inicial : RC sairia vencedor de qualquer maneira. E para isto o tal juiz usou de pressões e ameaças (tipo passar o cadeado na porta da editora, multa diária de 500 mil reais e outras amenidades tais) até que os advogados do réu, com o paredão às costas, jogaram a toalha e não tiveram saída a não ser assinar um “acordo”.

roberto carlos em detalhes
Roberto Carlos em Detalhes
O que acontece a partir daí é algo simplesmente surreal, com :

1) RC exigindo indenização em dinheiro numa discussão de enrubecer as faces sobre “paga, não paga” e valores. A coisa toda é altamente constrangedora. Bem vergonha alheia, podem crer.

2) A exigência para recolher todos os livros de todas as livrarias do Brasil (o que não ocorreu devido à dificuldade de operacionalização do plano).  Então foi exigido a entrega à RC de todos exemplares que a Planeta ainda tinha em estoque (mais de 10 mil exemplares), a fim de que ele desse o melhor destino aos livros. Isto de fato ocorreu. Quer cena mais 1984 ou Fahrenheit 451?

3) Os advogados de RC querendo fazer constar no texto do “acordo” a exigência da aplicação de uma bela de uma mordaça no Paulo, para impedi-lo permanentemente de falar publicamente qualquer palavra sobre o “Rei”. Neste momento Paulo dispensa seus advogados, toma para si sua própria defesa e, num momento de coragem ímpar, faz valer sua  dignidade de historiador .

4) E como se as pérolas anteriores não bastassem, Sua Excelência o juiz Tércio, depois que a assinatura do “acordo” acontece, satisfeito e de surpresa,  abre uma sacola e distribuiu a todos os presentes um cd gravado por ele. Paulo descreve a cena : “.. a minha única vontade era sair daquela sala o mais rápido possível. Antes disso, porém, o juiz pegou uma bolsa que estava ao lado da sua mesa e, para supresa de todos, dela retirou um CD que mostrava na contracapa sua imagem segurando um violão, Ele abriu o encarte, autografou e ofereceu a Roberto Carlos, com um pedido que todos ouviram. “Roberto, eu também sou cantor e compositor, com o nome artístico de Thé Lopes. Gostaria muito que você ouvisse esse disco e desse sua opinião sincera. È meu primeiro CD, já estou gravando agora um segundo, e gostaria de ter a sua opinião sobre este trabalho”. O cantor abriu o encarte, leu o autógrafo e agradeceu ao juíz. “Obrigado, dr. Tércio, pode deixar, ouvirei seu disco com a maior atenção e carinho”. Sem seguida o juiz deu um CD de Thé Lopes para cada um dos advogados e um também para mim, com o mesmo pedidode que eu ouvisse e manifestasse a minha opinião. Com o título “Pra te ver voar”, é um CD com onze músicas, a maioria composta pelo próprio juiz”

Ãh ? Simplesmente inacreditável.
Paulo chorando
Paulo chora na saída da sessão na qual seu livro foi proibido

Depois deste encontro revelador com Justiça Brasileira (o qual deve ser objeto de análise de qualquer curso de direito), Paulo buscou outros na tentativa de liberar seu livro, o que, como todos sabemos, não ocorreu.

De qualquer forma, a proibição do “RC em detalhes”  suscitou uma grande discussão a respeito da liberdade expressão versus preservação da intimidade. Tipo : O que define uma coisa ou a outra?  O que está em jogo em cada um dos assuntos?  O que vale mais numa democracia?

A coisa meio que pegou fogo, e teve como ponto culminante a divulgação do manifesto do famigerado grupo “Procure Saber”, cuja porta voz era a “empresária” (??!!) Paula Lavigne e integrado pelos “ídolos” Roberto Carlos, Chico Buarque, Caetano, Gilberto Gil, Djavan e outros “artistas engajados”, o qual numa só voz - e do alto da sua certeza de influência  sobre a intelligentsia tupiniquim -  esbravejou contra a liberdade de expressão mostrando os dentes contra a publicação de biografias “não autorizadas”. (isto sem falar na chorumela a respeito da grana que os biografados estariam perdendo com tal tipo de publicação, os “pobrezinhos”).

BIOGRA1
"Ídolos" do Procure Saber
Paulo, ao falar sobre seus percalços com este "grupo de intelectuais" (ele foi acusado de "mentiroso" entre outras amenidades),   não deixa pedra sobre pedra na imagem destes traidores de toda uma geração que cresceu sob a ditadura,  e acreditou no que ouvia quando estes repulsivos vira-casacas falavam sobre resistência, política, democracia, liberdade e outras “coisas importantes”. Bela facada que recebemos nas costas destes ídolos de pés de barro.

Já em outra passagem, conhecemos as estratégias maquiavélicas da Rede Globo de Televisão para ocultar do grande público toda a merda perpetrada pelo Rei na história da proibição do livro, seguida do comovente esforço da Vênus Platinada para reafirmar uma imagem positiva, simpática e doce do Torquemada RC diante de seus desinformados fãs.

Só lendo para acreditar e ver como a mídia realmente manipula corações e mentes dos incautos.
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O Rei no vídeo do Procure Saber

Enfim, não vou me alongar. Só tenho a dizer que o livro do Paulo é necessário e urgente para todos aqueles que acreditam no respeito e na liberdade de expressão responsável, não só como conceitos, mas, principalmente como direitos de qualquer cidadão.

Livraço !

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Entrevista com o Paulo

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