Supreendente, para dizer o mínimo.
Um documentário ficcional - ou um ensaio cinematográfico - realizado em 1971 (!??), pelo cineasta Rosa Von Praunheim que é uma verdadeira metralhadora giratória (algumas vezes injustificada) – mas sempre instigante e quase sempre “real” – tendo como alvo a cultura gay alienada de então (que não é muito diferente da atual).
O cineasta, de forma corajosa, vocifera contra o comportamento frívolo, hedonista, individual e interesseiro dos gays, em detrimento de uma ação revolucionária que busque de forma organizada a afirmação e conquista de direitos sociais para todos..
Neste docu-drama (relizado num tom anárquico, incomodativo, meio fora da casa) acompanhamos Daniel, um jovem que chega à Berlin e acaba tragado pelos “vícios gays da cidade grande”. Ali, na impura metrópole, a pureza (sic) do rapaz é paulatinamente arruinada a medida em que ele é maculado pelas exigências e regras do mundo homo.
Jovem e belo, Daniel passa a ser alvo da “bicha rica e fina”, das “bichas velhas”, dos “caçadores” (rola muito sexo anônimo em parques e banheiros publicos), que o leva a um crescendo de vazio e frustração emocional.
Nas suas andanças pela cidade, o rapaz acaba mapeando todos os comportamentos e dramas gays imaginados pelo diretor. Assim temos o apego ao mundo da beleza, da moda, da arte, da celebração da juventude, da pegação, do s fetiches, dos bares, da busca do homem certo, do desprezo às bichas velhas, da rivalidade entre as “bichas loucas” e as “do armário”, da busca de um casamento nos moldes heteros, do vazio amoroso, do desespero emocional, - isto sem falar da violência física e emocional das quais são alvos – etc; tudo mostrado como elementos criadores (definidores) de um (sub) mundo que, ao mesmo tempo, protege (na verdade os esconde e os oprime) e exclui os gays.
O recado do diretor é claro (e isto é mostrado na sequencia final onde Daniel é acolhido e catequizado por um grupo de gays militantes) : enquanto os gays não se organizarem como comunidade na construção da sua cidadania (e ele chega a falar em alinhamento com os Black Panthers e feministas!!), ao invés de se preocuparem apenas com frivolidades, vão ser condenados a eternos párias sociais.
O filme é punk e não deixa pedra sobre pedra. Tanto que, em alguns momentos, me pareceu que o Von Praunheim exagerou na crítica nivelando quase tudo pelo pior. Sim, o fato de uma bicha se interessar por arte, por exemplo, necessariamente não exclui a possibilidade da bonita ter uma consciência política-social (ou exclui?).
De qualquer forma – possíveis divergências à parte - “Não é o homossexual que é perverso,...” é um “must see” . É instigante, necessário e infelizmente – é verdade - ainda atual. Um documento, uma porrada básica para todo o povo gay atual e futuro.
Fantástico.
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Trechos do discurso do filme :
“Gays não querem ser gays. Eles querem ser diferentes.Querem se associar ao kitsch e à burguesia como o cidadão comum.Eles anseiam por um lar onde possam viver com um companheiro honesto e leal.”
“Gays exigem que seus semelhantes sejam estetas, cuidando de sua aparência. Isso os orgulha e os distingue dos outros. Condenados como doentes e inferiores pela burguesia, tentam ainda mais ser como ela,a fim de extinguirem sua sensação de culpa com uma soma excessiva de virtudes da classe média. São politicamente passivos e conservadores, em gratidão por não serem mortos espancados”.
“Gays têm vergonha de sua natureza. Por séculos, a educação cristã os ensinou que eles não passam de porcos. Por isso, eles escapam dessa pavorosa realidade para um mundo romântico de cafonices e ideais. Eles têm sonhos glamourosos com alguém que lhes ajudaria a escapar de suas dificuldades diárias para um mundo de amor e romance.”
“Uma relação homossexual, por mais que ambos os parceiros a desejem, está fadada ao fracasso. Eles se escondem como criminosos, forçados a iniciar suas relações indo direto ao sexo. O sexo por sexo ignora as necessidades individuais do parceiro. Ele serve apenas como um objeto de desejo. Com um pouco de sorte, esta condição é mútua. Mas não basta para estabelecer uma relação satisfatória.”
“Gays tentam simular um casamento de classe média. Ao invés de odiarem os responsáveis pelo seu infortúnio, eles desejam um relacionamento duradouro concedido pela Igreja e pelo Estado”
“Um casamento de classe média é baseado na criação de filhos e na opressão da esposa. O casamento gay não pode ser nada além de uma imitação ridícula, já que a falta de funções mútuas é substituída por um amor romântico e irrealista.”
“Esse amor romântico e idolátrico não é nada além de amor-próprio. A maioria dos gays não se dá conta de que o amor que sentem é, na verdade, amor-próprio. O parceiro é visto como um ídolo de suas próprias expectativas e anseios. Eles não tentam nem entendê-los nem prestar atenção a eles. Eles inclusive sobrecarregam seus parceiros com seus próprios problemas.”
“O casamento gay fracassa devido à rivalidade de dois homens orgulhosos,que foram criados não para seguir seus interesses juntos, mas como competidores. A falta de deveres mútuos e a incapacidade de progredirem,por serem egocêntricos, logo levam ao trágico fim de uma amizade romântica. O que resta é a solidão e um vasto vazio,que logo é abarrotado com novos sonhos imaginários e vãos.”
“A crença popular de que os gays são mais artisticamente dotados é, na verdade, uma lenda. Eles só se dedicam tanto à arte porque acreditam que isso torna a sua vida mais suportável.”
“Enquanto a educação e a arte forem meios dos ricos e poderosos deturparem questões humanas e econômicas,elas devem ser radicalmente rejeitadas.”
“Tendo se decepcionado a vida toda, muitos tornam-se frios e cruéis. Tudo que veem em seus parceiros é um objeto sexual.”
“Homossexuais têm uma necessidade maior de independência e sucesso do que os outros. Eles sabem que numa idade avançada não serão amados pelo que são”.
“A coisa mais importante para os gays é uma ênfase excessiva da juventude e do físico. Comprar um rapaz também significa recuperar uma parte de suas próprias juventudes perdidas.”
“Para a burguesia, tudo se resume a decoração, televisores e carros. Para os gays, tudo se resume à moda. Assim como embalagens de produtos distraem de seus verdadeiros conteúdos,gays usam a moda para chamar atenção para seu aspecto exterior. O desejo de adornar seus corpos vai de encontro a enorme vaidade dos gays, que logo são incapazes de amar ninguém além de si mesmos.”
“Homossexuais não têm nada em comum além do forte desejo de dormir com um homem. O desejo crescente pelo corpo masculino nu os fazem deixar suas famílias e ir a lugares onde podem encontrar gays. Na companhia de outros gays, eles podem esquecer por um momento que são leprosos e párias da sociedade. Todavia, eles se odeiam. Os outros são vistos como um reflexo de seu próprio infortúnio. O medo da sexualidade, as sensações de culpa, que lhes são impostos pela sociedade, e um forte espírito de competição fazem deles inimigos secretos entre si.”
“A fim de poderem se comunicar,eles inventam certas semelhanças,que não passam de falsidades. Eles desenvolvem rituais e estruturas superficiais. Assim como a burguesia, eles se julgam pela sua aparência.”
“Daniel, que já vive em Berlim há dois anos agora, não está mais satisfeito em encontrar homens em cafés elegantes, boutiques e piscinas públicas. Ele está fascinado pelo mundo exótico dos bares gays. Ele fica excitado a cada vez que entra num desses bares com seus enormes espelhos, a iluminação rosa e vermelha e aqueles ritmos sensuais. Ele adora empurrar-se por uma multidão de jovens homens que o observam com passiva admiração. Ele precisa desse tipo de autoafirmação para superar sua solidão, que, após muitas noites entorpecentes, começa a crescer dentro dele.”
“Para os gays, a liberdade não se trata de assumir responsabilidades, mas do caos Eles ficam presos a um estado infantil. Estão constantemente excitados, escolhendo um caso barato a um relacionamento possivelmente mais valioso.”
“Gays têm problemas em dedicarem-se a uma relação estável. Cheios de vaidade e remorso eles trocam olhares, sempre em busca da verdadeira felicidade.”
“Em conformidade com o asco da sociedade pela velhice, envelhecer é a pior coisa que pode acontecer aos gays.”
“Gays morrem jovens com frequência, pois tudo o que fazem é adorar o corpo masculino jovial, enquanto ignoram todas as qualidades humanas.”
“Muitos não admitem a própria idade por pura vaidade. Eles tentam se manter artificialmente jovens, mas isso os faz parecerem ridículos.”
“A vida de homossexuais de idade não é nenhum mar de rosas. Eles são frequentemente expostos a um isolamento desumano que, assim como uma úlcera crescente, os privam de cada uma das últimas migalhas de felicidade da vida.”
“(...) agora é hora de nos ajudarmos. Todos nós fomos intimidados por nossas famílias, e agora somos compostos apenas de fraquezas. Porque nunca seremos capazes de esquecer as restrições que nos foram impostas na infância.”
“É crucial que mudemos nossa maldita situação. Não podemos culpar sempre os outros.”
“Sair do armário é crucial para todos os homossexuais. Temos de ter a coragem de dizer a todos que somos gays. É difícil, mas é a única forma.”
“Nos sentimos dependentes e culpados, e como resultado, nos tornamos mal-humorados e erráticos. Não conseguimos nem ser honestos com aqueles que amamos. “
“Não devemos mais ter medo de nossos pais e patrões. Precisamos nos organizar contra os malditos patrões que querem nos demitir por sermos gays.”
“Arriscamos nos tornar tão insensíveis que julgaremos as pessoas apenas pelos seus corpos, e no fim sofreremos também, pois somos sozinhos privados de amor.”
“Homossexuais têm uma imagem kitsch do amor eterno , como encontrada nos contos de fadas, na TV, filmes, ou revistas. O amor eterno é um disparate. As pessoas devem ficar juntas enquanto for aprazível, ao invés de jurarem amor eterno e verdadeiro umas às outras, o que sempre vai levar à decepção.”
“Gays reunidos criam uma atmosfera tensa. Os outros são vistos como reflexo de seus próprios problemas. Estamos sempre caçando, é por isso que nos vestimos elegantemente.”
“Devemos amar uns aos outros e não sermos rivais. A opressão dos gays fez do sexo e dos casos vitais para eles, e para muitos, essas se tornaram as suas atividades principais. Tente ser mais individual, mais independente!”
“Por medo da velhice, a maioria dos homossexuais busca por sexo freneticamente. Homossexuais de mais idade tornam-se agressivos, pois são desprezados pelos mais jovens. Se chegar o momento em que os gays não ligarem só para a aparência física, a velhice não será mais uma grande questão.”
“Saiam de seus esconderijos! Tomem as ruas! Unam-se pelos seus direitos! “
“Devemos nos tornar livres eroticamente e socialmente responsáveis. Unamo-nos aos Black Panthers e ao feminismo, e lutemos contra a opressão das minorias!”
“Cuidemos dos problemas uns dos outros no trabalho! Mostrem sua solidariedade se um colega entrar num conflito e podem contar com a ajuda deles em troca.”
“Envolvam-se na política! Ser gay não é um filme!”
“Nós, gays imundos, queremos nos tornar humanos e ser tratados como tal! Temos de lutar por isso! “
“Queremos ser aceitos, e não apenas tolerados. Mas não se trata apenas de sermos aceitos pelas pessoas, mas também de como nos tratamos. Não queremos nenhum grupo anônimo! “
“Queremos uma ação em conjunto, para que possamos nos conhecer enquanto combatemos nossos problemas e aprendemos a amar uns aos outros!”
“Precisamos nos organizar! Precisamos de bares melhores, bons médicos e um local de trabalho seguro!”
“Tenham orgulho de sua homossexualidade! Saiam dos banheiros! Tomem as ruas! Liberdade para os homossexuais!”
Trecho do filme :
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