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Monday, April 25, 2011

Livro : A Vida Imortal de Henrietta Lacks

Livro : A Vida Imortal de Henrietta Lacks

Acredito a família Lacks nunca imaginou que seu nome iria entrar para a história da humanidade da maneira ocorrida.

Henrietta Lacks, sem querer acabou sendo a doadora do primeiro conjunto de células que sobreviveu e se reproduziu (foram cultivadas) fora do organismo humano e que, deste modo, permitiu as mais diversas experiências e desenvolvimentos científicos (a cura da polimilite por Jonas Salk é um exemplo).

O livro “A Vida Imotal de Henrietta Lacks”, um grande projeto de mais de 15 anos da escritora Rebecca Skloot, conta não só a história (um tanto trágica) da família de Henrietta - seus filhos sofreram diversos traumas por conta dos desdobramentos do uso as células da mãe - como também relata os diversos avanços e discussões científicos e legais também originados desta experiência realizada no início da década de 50.

Um livro excelente perfeitamente acessível para os leigos em medicina e ciência de modo geral.

Conceito : Ótimo

Autor : Rebecca Skloot

Editora : Companhia das Letras

Tradutor : Ivo Korytowski

Link Wikipedia

Entrevista com Rebecca Skloot publicada no Jornal Zero Hora em 25/05/2011

No rastro da imortalidade

A jornalista Rebecca Skloot. Foto: Manda Townsend/Divulgação

Numa parede da minha casa, está pendurad

a a foto de uma mulher que nunca conheci, o canto direito rasgado e colado com fita adesiva. A mulher encara a câmera e sorri, mãos nos quadris, saia e blazer impecáveis passados a ferro, lábios pintados com batom vermelho-escuro. É o fim da década de 1940, e ela ainda não chegou aos trinta anos. Sua pele mar

rom-clara é macia, seus olhos ainda jovens e alegres, alheios ao tumor que cresce dentro dela — um tumor que deixará seus cinco filhos órfãos e mudará o futuro da medicina. Sob a foto, uma legenda revela seu nome: “Henrietta Lacks, Helen Lane, ou Helen Larson”.
Ninguém sabe quem tirou a foto, mas ela apareceu centenas de vezes em revistas e compêndios científicos, em blogs e paredes de laboratórios. Ela costuma ser identificada como Helen Lane, mas com frequência não pos

sui nenhum nome. É simplesmente chamada de HeLa, o codinome dado às primeiras células humanas imortais do mundo — suas células, retiradas do colo de seu útero meses antes de ela morrer.
Seu verdadeiro nome é Henrietta Lacks.


Passei anos contemplando essa foto, indagando que tipo de vida a retratada levava, o que teria acontecido com seus filhos e o que ela acharia de células do colo de seu útero vivendo para sempre — compradas, vendidas, embaladas e expedidas aos trilhões para laboratórios do mundo todo. Tentei imaginar como ela se sentiria se soubesse que suas células subiram nas primeiras missões espaciais, para os cientistas descobrirem o que aconteceria com células humanas em gravidade zero, ou que elas ajudaram em alguns dos avanços mais importantes da medicina: vacina contra pólio, quimioterapia, clonagem, mapeamento de genes, fertilização in vitro. Tenho certeza absoluta de que ela — como a maioria de nós — ficaria chocada se soubesse que há agora trilhões de células suas sendo reproduzidas em laboratórios, muito mais do que o número de células que um dia existiu em seu corpo.

Quando estava na escola, em uma aula de biologia, a hoje jornalista especializada em ciência Rebecca Skloot ouviu falar pela primeira vez das HeLa – uma linhagem de células que foram responsáveis por revolucionar a pesquisa da biomedicina. Cultivadas em um meio de cultura artificial, as HeLa tinha incrível capacidade de reprodução e sobrevivência desde que providas dos nutrientes necessários. Foi então que o professor de biologia que ministrava a aula apresentou um nome: Henrietta Lacks, uma jovem mulher negra de quem as primeiras células haviam sido retiradas em 1951, célulcas que continuavam se reproduzindo sem parar décadas depois. As HeLa haviam ajudado, basicamente, a entender como as células humanas reagiam em praticamente qualquer circunstância, porque podiam ser produzidas de modo barato, se reproduziam em velocidade assombrosa e resistiam ao envio pelo correio a laboratórios distantes. E essa verdadeira fábrica biológica havia nascido de um câncer cervical em uma mulher pobre nos Estados Unidos, uma mulher que morrera sem sequer saber que suas células haviam sido usadas para esse tipo de pesquisa.

A figura de Henrietta Lacks e suas células são os fios condutores para que Rebecca retrate, em A Vida Imortal de Henrietta Lacks (Companhia das Letras), uma ampla história da evolução não apenas das ciências biológicas como das próprias questões éticas que se apresentaram com o desenvolvimento promovidos pelas pesquisas com as células HeLa. Por telefone, entrevistamos Henrietta Lacks sobre seu livro, que aborda biologia, ética, questões raciais e sociais dos Estados Unidos desde os anos 1950. Como a entrevista precisou ser editada devido às limitações da página do jornal impresso, publicamos aqui no blog a conversa na íntegra:

Zero Hora — No início do livro, a senhora conta como tomou conhecimento da existência das células HeLa e de como boa parte das mais importantes pesquisas na biomedicina devia-se a essas células extraídas de uma mulher anônima. Esta história lhe impressionou pelo caráter humano ou por essa história desconhecida e suas implicações éticas?
Rebecca Skloot — Ambas as coisas. Eu sempre gostei de ciência quando eu era mais jovem. E quando eu tinha 16 anos, na escola, na mesma época em que ouvi falar das células HeLa pela primeira vez em uma aula de biologia, meu pai ficou muito doente, e se voluntariou para um estudo médico para tentar encontrar a cura para a doença, uma enfermidade misteriosa que não se sabia qual era. Eu cresci vendo meu pai ser usado em pesquisas, e pensando sobre a ética de pesquisas com pessoas. A pesquisa que foi feita com ele não era nada parecida com a que foi feita com a família de Henrietta, mas me deixou interessada no assunto. E também parte da minha família é judaica, e parentes meus foram vítimas do Holocausto e morreram em campos de extermínio. Desde bem cedo eu aprendi sobre as experiências que os nazistas realizaram com judeus e fiquei interessada na história das pesquisas. E ao mesmo tempo eu pensei que era importante contar a história daquela mulher, então foi uma combinação de ambas as coisas.

ZH — A senhora mencionou os campos nazistas. Uma das grandes discussões atuais no campo da ciência é sobre a validade de se utilizar determinados dados coletados pelos médicos de campos de concentração em suas experiências com prisioneiros judeus. A senhora vê algum paralelo entre essa questão e a levantada pela história de Henrietta, que gerou uma grande gama de pesquisas a partir de células retiradas sem autorização?
Rebecca — Acho que são coisas diferentes. Quando as células HeLa foram retiradas de Henrietta nos anos 1950, era uma prática comum retirar amostras de tecidos de pacientes sem consentimento. Não havia parâmetros éticos a serem quebrados quando as primeiras amostras foram coletadas. Mas quando os cientistas voltaram nos anos 1970 para examinar a família de Henrietta e fizeram pesquisas com eles sem consentimento para tentar entender o que tornava as células de Henrietta especiais, era uma época diferente, já havia leis exigindo a autorização. Depende de que época das pesquisas com células HeLa estamos falando. A família Lacks, os filhos de Henrietta, eles ouvem com frequência essa pergunta: “você acha que as pesquisas com as células HeLa deveriam ser interrompidas devido às questões éticas envolvidas na forma como foram obtidas”? E eles acham que não. Eles se sentem muito bem com relação às células, eles acham que a contribuição que elas deram para a humanidade foi muito importante. Mas ao mesmo tempo eles permanecem insatisfeitos com o modo como as coisas foram feitas. Só que ao contrário da discussão sobre se os dados das pesquisas nazistas em judeus devem ser usadas ou mesmo de outras pesquisas feitas nos próprios Estados Unidos, Henrietta não foi morta como resultado das experiências, nem seus parentes sofreram qualquer dano. Nesse sentido, é muito difícil comparar as duas situações.

ZH — No livro, a senhora narra não apenas a evolução das pesquisas HeLa ou a história de Henrietta. Também se transforma em personagem e conta a difícil aproximação até ganhar a confiança da família dela para poder contar a história. Foi essa a parte mais difícil da elaboração do livro?
Rebecca — Sim, essa foi definitivamente a parte mais difícil da pesquisa para o livro: obter a confiança da família. Eles já haviam confiado em outras pessoas antes, mas quando eu os procurei eles não tinham mais confiança em ninguém. Para eles, eu era apenas mais uma em uma longa lista de pessoas que os procuraram querendo alguma coisa deles. E no passado isso não funcionou muito bem. Então convencê-los e ganhar sua confiança ao ponto de eles se sentirem à vontade para falar comigo demorou anos. Foi a parte mais desafiadora do trabalho. A pesquisa para o livro levou muito tempo. Outro grande desafio foi compilar a história das pesquisas com as células HeLa, o que foi muito difícil. Há um número muito grande de pesquisas feitas com essas células, é um montante gigantesco de informações. Há bancos de dados onde são arquivados artigos científicos, e você pode fazer uma pesquisa por palavras-chave, como faria no Google, e se você for até um desses bancos de dados e pesquisar por “HeLa”, seria o mesmo que pesquisar “E” no Google ou alguma palavra muito comum. Há um aluvião de informações e é muito difícil distinguir o que no meio daquilo é importante mencionar, o que é interessante mas não necessariamente importante, então eu gastei um bom tempo fazendo isso.

ZH — A senhora também conta no livro que seu editor tentou convencê-la a reduzir ou mesmo eliminar a linha narrativa dos filhos de Henrietta. Qual foi o motivo?
Rebecca — Era outro editor naquela época. Outro dos motivos pelos quais o livro demorou tanto tempo para ser publicado foi que esse editor queria que eu eliminasse completamente a família de Henrietta da história e me focasse apenas nas células. E eu precisei brigar para tirar o livro da editora e levar a obra para outra casa publicadora, o que acabou acontecendo. Acho que é difícil até mesmo imaginar o porquê dessa solicitação, uma vez que as maiores respostas emocionais que os leitores têm oferecido estão ligadas àquelas pessoas, e não à história científica. É na verdade uma história sobre uma família, sobre o que acontece quando você perde uma mãe muito cedo, é uma história sobre seres humanos e os efeitos da ciência sobre eles. E é isso o que as pessoas gostam nessa história, e é o que ajuda as pessoas a entenderem por si mesmas a importância da ciência. Eu acho com muito veemência que todas as histórias científicas deveriam ser entremeadas com as histórias das pessoas envolvidas, mas há algumas pessoas na área de edição de assuntos científicos que acham que o lado humano das histórias não interessa, é apenas o pano de fundo. Mas o público em geral precisa de histórias como essas para entender a ciência.

ZH — Por meio da história de Henrietta a senhora fala da própria evolução não de pesquisas científicas mas dos parâmetros éticos da ciência, além de lançar um olhar sobre a sociedade americana dos anos 1950 e estender o olhar à geração dos filhos da doadora. É um projeto bastante amplo. Em algum momento durante a execução a senhora chegou a ficar apreensiva com a enormidade da tarefa?
Rebecca — É engraçado, porque esse livro demorou tanto tempo para ser escrito justamente por ser sobre sobre tantas coisas, pela complexidade da história que eu tentei colocar dentro dele. Há questões de medicina, questões raciais e sociais, é sobre tantas coisas diferentes. Enquanto eu escrevia o livro meus pais brincavam comigo perguntanso se eu não podia ter começado com um projeto menor para um primeiro livro. E eu tenho andado tão ocupada desde que o livro saiu nos Estados Unidos, em fevereiro de 2010, e eu tenho viajado, dado entrevistas e conferências, feito sessões de autógrafo, ido a eventos literários sem parar sobre esse livro por mais de um ano. A atividade tem sido tão constante que não tive tempo de parar e olhar para trás. O sentimento que consigo identificar é o alívio por haver acabado, eu tenho trabalho nesse livro desde os 19 anos (hoje ela tem 38), e agora estou contente por as pessoas o estarem lendo e falando sobre ele.

ZH — Sobre o modo que as pessoas têm falado sobre o livro, como foi a recepção na comunidade científica?
Rebecca — Tem sido muito positiva. Muitas pessoas do chamado grande público achavam que a recepção entre os cientistas não seria boa porque o livro conta algumas histórias com aspectos negativos resultantes da ciência, achavam que os cientistas se sentiriam expostos e que não gostariam que essas histórias fossem contadas. Mas a maioria dos cientistas tem se mostrado satisfeita de o livro ter contado essa história, de as pessoas estarem discutindo ética na ciência e pesquisas sobre células. Nos Estados Unidos e em outros países há um enorme abismo separando as minorias e os cientistas. Há medo das pesquisas, as pessoas não participam de pesquisas, então muitos cientistas estão satisfeitos de o livro estar circulando e dando a oportunidade a eles de falar sobre essa história, como uma forma de superar alguns dos erros cometidos no passado e reparar alguns dos danos provocados. E há milhões de cientistas que estão contentes com a publicação do livro porque há anos trabalhavam em pesquisas com as células HeLa e não sabiam de onde elas haviam vindo, os que sabiam achavam que eram de uma mulher chamada Helen Lane, que é um nome fictício. Uma das coisas que eu tentei com muito afinco foi deixar claro que havia um ser humano atrás daquelas amostras biológicas, mas que os cientistas envolvidos também eram seres humanos, eu tentei contar todos os lados da história para mostrar que os cientistas também estavam bem-intencionados, não eram cientistas malévolos tentando prejudicar aquela família. É uma história sobre a ciência se movendo mais rápido dos que códigos éticos ou as regulamentações governamentais.

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