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Hino do Blog : " ...e todas as vozes da minha cabeça, agora ... juntas. Não pára não - até o chão - elas estão descontroladas..."
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Wednesday, June 06, 2012

MPB GLS - Parte 5 (final)

MPb GLS Musica gay – Parte 5 MPb GLS Musica gay – Parte 5
MÚSICA POPULAR BRASILEIRA E OS GUEIS (gays)
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Panorama Histórico – Social - Cantos e Representações  - Quinta Parte - (Final)
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Trabalho apresentado na conclusão do "CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM LITERATURA BRASILEIRA" da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2009.
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A publicação deste trabalho no Blog foi dividida em 5 partes
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Para acessar a Primeira Parte, tecle AQUI.
Para acessar a Segunda Parte, tecle AQUI.
Para acessar a Terceira Parte, tecle AQUI.
Para acessar a Quarta Parte, tecle AQUI
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9 - MPB Guei – Nova Música Guei Brasileira

9.1 - Drag – Music (Travestis, Transformistas, Drag-queens)


Andreia Gasparetty
O estilo drag-music, caracteriza-se pela música dançante, marcada sob uma forte batida eletrônica, com letras mínimas e muito espaço para dança e performance (shows). Também este estilo engloba paródias, o caricato, o engraçado, o clown.

Nesta área temos artistas como Dimmy Quier, Léo Áquila, Silvetty Montilla, Selma Light, Andréia Gasparetty, Michelly Summer, etc

Pode-se dizer que Andreia Gasparetty (uma trava carioca) é a precursora do estilo com o lançamento de um cd em 1995 (Escândalo) que trazia a pérola Desaqüenda la Mona.

Desaqüenda la Mona.
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Oi, Escândalo, eu te conheço / Cê passa o dia inteiro / Só querendo se soltar / Esse terno te atrapalha / Cê quer um top ou micro saia / Libera essa mona / Tais querendo vadiar ? / Desaquenda (1) la mona, mona, mona ! ...
(1) Nota : "desaquenda" é um termo guei (o "antônimo" de "aquenda") que serve para muitas finalidades. Por exemplo, se quiser mandar alguém embora a bicha grita "desaquenda !!" Se quiser dizer "deixa pra lá, não se incomode,  a bicha diz "desaquenda". Se quiser ir embora,  a bicha diz "vou desaquendar". Se quiser dizer "deixa surgir, revele-se ",  a bicha diz "desaquenda", que é a intenção do título da canção, onde rola o conselho para a amiga (a mona enrustida) sair do armário (ou assumir-se)
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Clique abaixo para ouvir Desaquenda la Mona
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Em termos de paródia, é comum as bichas pegarem uma canção de sucesso e soterrá-la sob uma "nova versão".  Assim, uma canção como Amor I love you (Tribalistas), transforma-se em A dor foi no meu cu (Silvetty Montilla), ou To nem aí (Luka), tranforma-se em Sou Travesti (Silvetty Montilla), Beijinho, beijinho – tchau, tchau da Xuxa, transforma-se em Beijinho, beijinho – pau, pau (Texticulos de Mary, música Todinha sua) e assim por diante.

A dor foi no meu cú
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Marquei um encontro com o bofe, foi uma decepçããop / Cheguei atrasada,  ele revoltado já me tacou logo a mao / Pediu para ficar de quatro, e eu com aquele tesãão / Ai que coisa loca me chutou a boca, fiquei estirada no chão / amooo confusãão, amooo confusãão (2x) / A dor foi no meu cú (7x) / Amor i love you
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Clique abaixo para ouvir A dor foi no meu cu (Silvetty Montilla).


Sou travesti
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E é isso ai galera! / Eu novamente Silvetty Montilla uma paixão nordestina / Essa música agora é pra você minha amiga gay,homossexual,marca de sabão em pó,você que tem peito,cabelão. / Vamos acabar com a festa de família / Coloca o sofá do lado e grita:Sou travesti!e aiiiiiiii? / Agora eu tô em outra / Sou travesti  / De unhas pintadas e os pés num salto / e a peruca que eu não terminei de pagar / Siliconada, cortei meus bagos / e fui pra Itália na noite a vida ganhar / Já mudei o meu nome de Bruno agora não podem me chamar / Depilei os meus pelôs me remontei e virei Natasha / Agora eu tô lokaaa! / Sou travesti / Rodo bolsinha faço ponto eu não tô nem ai / Sou travesti / Não vem falar que isso é problema eu dar meu edy / Tô caprichada, subi no palco / Dublei Mariah e Christina até me acabar / Mais fui vencida pelo meu salto / Arrumei um velho gordo agora só para me bancar / Não aguento agora que ronco de velho eu não vou aturar / Tô voltando pra rua e dando horrores pra me sustentar / Agora eu tô lokaaaa! / Sou travesti / Rodo bolsinha faço ponto eu não tô nem ai / Sou travesti / Não vem falar que isso é problema eu dar meu edy / Sou travesti / Agora vocês minhas amigas que tem peito / que tem cabelo e que são bonitas / Gritem que querem dar o edyyyyy / Já mudei o meu nome de Bruno agora não podem me chamar / Depilei os meus pelôs me remontei e virei Natasha / Agora eu tô lokaaa! / Sou travesti / Rodo bolsinha faço ponto eu não tô nem ai / Sou travesti / Não vem falar que isso é problema eu dar meu edy
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Clique abaixo para ouvir Sou travesti (Silvetty Montilla).

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Todinha sua (beijinho – beijinho / pau – pau )
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Fui convidada pruma festa da pesada / Num castelo de cristal (Ôoo ôoo) / Me encontrei com a princesa Dora / Cintilante, como agora / Era um grande baile de super-herói / Já na entrada do castelo fui saudada / Pelo grande Mentor (ôoo ôoo) / Madame Riso dava gargalhada / Que surpresa, a festa era pra mim / Mas o Arqueiro de cupido me flechou / Porque eu sou bicha! / Me apresenta pro He-Man / Teu irmãozinho é uma gracinha / E eu sou todinha do bem / Porque eu sou bicha! / He-Man é um gato alto-astral / Desculpe se eu sou ousadinha / Beijinho-beijinho, / pau pau (pau pau) / pau pau (pau pau) / pau pau (pau pau) / Já era quase meia noite quando dei por mim, / Sozinha a dançar / Lembrei que tudo era um conto de fadas / E eu ali apaixonada / Pra sempre certa de que tudo é real / Porque eu sou bicha! / Me apresenta pro He-Man / Teu irmãozinho é uma gracinha / E eu sou todinha do bem / Porque eu sou bicha! / He-Man é um gato alto-astral / Desculpe se eu sou ousadinha / Beijinho-beijinho,  / pau pau (pau pau)  pau pau (pau pau) / pau pau (pau pau)
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Clique abaixo para ouvir Todinha Sua (Texticulos de Mary)

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9.2 - Punk – Hardcore  (Podridão e pontapés)

As Mercenarias
Nos 80´s surgiu aquela que se não pode ser identificada como a como a primeira banda gay punk brasileira, certamente trazia em sua formação componentes alinhados com a comunidade.




A paulista As mercenárias tinha nos seus integrantes lésbicas assumidas (uma dela mais tarde acabou por se "casar" com uma travesti paulista) e apresentava letras "chocantes"  (para a época) que eram rugidas aos limites.

Exemplo :  A Santa Igreja
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O homem quer subir na vida / Em busca de fama e prazer, / Daí encontra com Jesus, / E seu espírito de luz vai renascer. / Vai se foder! / Salve! Salve! / A Santa Igreja! / O homem se revolta das suas condições, / Luta pra poder sobreviver. / Daí encontra com Jesus, / E só por estar vivo vai agradecer. / Vai se foder! / Salve! Salve! / A Santa Igreja!  / O jovem rebelde e criativo / Questiona e desobedece o poder, / Daí encontra com Jesus / E à verdade cristã vai obedecer / Vai se foder! / Salve! Salve! / A Santa Igreja!
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Clique abaixo para ouvir A Santa Igreja.
 

A banda lançou dois LPS, alcançou um certo sucesso, mas acabou afastada de cena quando o punk  brasileiro deixou de ser novidade e passou a interessar apenas a uma pequena parcela do público.

Sem dúvida alguma a banda melhor banda punk-gay surgida no Brasil, na minha opinião,  foi a pernambucana Texticulos de Mary que apareceu no final dos 90, durou até 2004 e lançou dois cds.
Texticulos de Mary

Vendida como nascidos da uma mutação dos testículos de uma travesti chamada Mary,  seus integrantes diziam habitar uma realidade paralela e serem representantes dos marginalizados.

Suas letras iam do politizado - sob uma ótica guei-subversiva – ao explícito.


Natasha Orloff fala de uma bicha que se perde no mundo capitalista após a queda do muro de Berlim

Natasha Orloff
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Natasha Orloff entrou com a bola toda / E deslanchou de sola quando a União desabou / Ante a esse curso neo-liberalista que em Capitalista a Ucrânia transformou / Natasha agora vive intoxicada topa qualquer parada em que possa lucrar / Sentindo fome aperta a barriga em uma cinta liga comprada na C&A / Quaraquacá eu era comunista de linha Stalinista educada em colégio militar / Agora vendo ideologias engarrafadas nesse meu corpinho longilíneo e angular / Porque música de comunista é mal assombro
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Clique abaixo para ouvir Natasha Orloff.
 

Já em Propóstata, a "mensagem" é direta.

Propóstata
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Eu quero ser tua cadela / Engatada no teu pau / Um suicida agarrado na tua perna / Um coração exposto pela via anal / Um animal obediente / Teu "capacho" paciente / Com a xoxota artificial / Eu quero ser tua cadela / Engatada no teu pau / Um suicida agarrado na tua perna / Um coração exposto pela via anal / A nicotina no seu dente / O teu escravo indiferente / Seu recipiente seminal / Eu quero ser tua cadela / Engatada no teu pau / Um suicida agarrado na tua perna / Um coração exposto, pela via anal.
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Clique abaixo para ouvir Propóstata.
 

Atualmente, de uma forma não tão assumida -  e até por uma estratégia de mercado onde não lhe interessa em ser rotulada de guei – a banda paulista Nerds Attack apresenta algumas canções com recados diretos.

Se Joga
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Se joga / Não tema ser o que te faz feliz / Nem de fazer o que te da prazer /Explore a felicidade da forma que te faz melhor / Sem desrespeitar aos outros / O preconceito te sufoca / Querendo tirar de você / O gosto puro da liberdade / Tenha livre arbítrio para ser feliz!
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Clique abaixo para ouvir Se Joga.
 

Ou então

Respeite sua escolha
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Qual a razão de não poder fazer / O que sua cabeça quer realizar? / Porque oprimir seus sentimentos / Admirando os outros sem poder tentar? / Queime o moralismo / Existente eu seu corpo / Livre pra viver o que tiver que ser vivido / Livre pra escolher / Respeite sua escolha
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Clique abaixo para ouvir Respeite sua escolha.
 

Nerds Attack
Uma realidade é que este tipo de som - punk, sujo, roqueiro, distorcido, acompanhado de vocais vociferantes e coléricos -, assusta e acaba por afastar as bichas "de bem" (as finas, eruditas), limitando-se a circular na sub-marginalidade do mundinho (entre os gueis punks-hardcores,  entre as bichas mais iradas, ensandecidas). 


Na época da sua existência, a Texticulo de Mary comentava que tinha mais entrada (mais reflexo) dentro da comunidade punk "normal-hetero" do que propriamente na comunidade homo – o que indica que a maioria dos frágeis ouvidos gueis não agüenta uma acústica mais pesada, furiosa, raivosa.

9.3 - Geléia Geral – Funk / Electro-funk - do experimentalismo à baixaria generalizada -
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Desde que passou a ter maior visibilidade no Brasil, o ritmo funk, numa reinterpretação tupiniquim, afastou-se dos seus ritmos de origem – funk negro americano (anos 60, 70) -, e foi recriado como "pancadão", apresentando uma batida eletrônica intensa, fortemente marcada e totalmente voltada para o movimento (lascivo) dos corpos.

Já o electro é associado, na sua origem,  à junção do hip hop nova iorquino com a música eletrônica.
Las Bibas from Vizcaya
Numa mistura de que engloba o funk,  electro,  glitter-rock, hard-rock, punk, dance music, musica eletrônica e outras mais, surge, falando de modo reducionista, o Electro-Funk, um estilo "aberto", passível de rotular desde experimentalismos eletrônicos, rock hardcore, etc, até musicas alinhadas com  bailes funks de subúrbio.


Solange to aberta
Nesta terra de ninguém aparecem no Brasil diversos artistas e grupos gueis (ou simpatizantes) que, dentro das suas propostas estéticas, dão voz às mais variadas idéias, representações e invenções, num mix criativo que vai do concreto ao absurdo.
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Grupos como Solange Tô aberta, Las bibas from Vizcaya, Bonde do Tetão, Queerfest, Montage, Bonde do Role, Spanka, Tetine, Pajubá, Bonde do Urso Manco e outros, trazem em suas obras – em maior ou menor grau - fortes elementos gueis.
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Alguns exemplos :
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Cadê o meu aqué ? - Las bibas from Vizcaya
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Cadê o meu aqué ? (aqué : dinheiro) / Deram a Elza no meu aqué (dar a Elza : roubar) / Onde está o meu ginger ? (ginger : aqué)  / Ninguém se mexe ninguém se move / Daqui nenhum passo nenhum movimento / Até aparecer o meu aqué / E eu lascar porrada na cara dessa bicha elzeira (elzeira : ladra, cleptomaníaca ) / Eu me rasgo de trabalhar feito uma escrava / E vem uma esperta, metida a fina / E mete a mão na minha bolsa, e faz a boba (fazer a boba : fazer-se de desentendida, inocente ) / E leva a minha grana / Pra comprar bagulho e o cafuçu (bagulho : drogas / cafuçu : michê, bofe) / Eu tô achando que foi um cafuçu / Desses que eu trago pra casa pra comer o meu .... / Aí eu faço a boba e dou pra eles uma taba (taba : maconha) / Então pode pegar na neca e dar uma.... (neca : pênis, pau, caralho)
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Clique abaixo para ouvir Cadê o meu aqué ?.
 

Outro : Melô da bicha no armário - Solange, Tô Aberta!
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Reunião com a família / Vai fingir que é homem formal / Engrossar a voz nasal /
Vê como cê vai sentar! / Falar chiclete! / Nem pensar!!! (falar chiclete : falar com a "boca mole", anasalada, tipo bicha) / Disfarça bem o olhar quando o primo gostosão chegar / A cara deslavada / Quando perguntarem pela namorada / E a expressão de nojo quando o tio der um arroto ! / Se o assunto é futebol / Finge que vai ao banheiro / Se o assunto for mulher diz que vive nos putêro (...) / Isso é coisa de machão! / Isso é auto afirmação! / É pura virilidade! / Coça mesmo com vontade! / Pra eles pensar que é verdade!

Mas o nonsense absoluto chega com o Pajubá, projeto idealizado pela paulista Jaqueline Farias, que tinha como objetivo colocar na boca do povo brasileiro, através da música,  o dialeto guei. Em entrevista ao site MixBrasil,(2005), Jaqueline diz :

Da mesma forma que o Charlie Brown faz letras com dialetos de skatistas, queremos fazer música com meu dialeto (sic), o Pajubá", explica Jaqueline, que não é lésbica mas diz passar boa parte da sua vida no mundo gay.

"Eu falo o Pajubá e sempre achei o vocabulário muito rico, mas ninguém nunca o havia usado para fazer um trabalho. Daí pensei e decidi juntar uns amigos para montar o projeto", comenta Jaqueline, que é a responsável pelas letras do grupo. A banda é formada pelo vocalista Pajubá, Aline, (...) e uma Drag que ainda não foi revelada. Eles todos garantem que o motivo do projeto é um só: divertir.

"Tenho um amigo hétero que sempre fala 'vou fazer a chuca (2) para não passar cheque', mas ele nem sabe o que significa. Segundo ele é engraçado e gostoso de falar, e é para isso que surgiu a música do pajubá", diverte-se Jaqueline, acreditando que o pajubá vem conquistando novos adeptos fora do meio gay.
Nota (2): "fazer a chuca" é realizar a lavagem intestinal – enema -. / "para não passar o cheque" é evitar de evacuar no momento da penetração.


Pajuba
O projeto rendeu um Cd e um site (já fora do ar) que propunham a discussão e a inserção social do pajubá no Brasil, o que obviamente não ocorreu.


De qualquer forma o saldo são músicas com letras que alcançam o bizarro, o absurdo, diante das quais os desavisados acabam não sabendo onde termina o inglês, onde começa o português e onde surge o pajubá.

Aquelas (Pajuba)
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I'm looking for a ocó (ocó – homem, bofe) / I'm looking for a big neca (neca : pau, penis, caralho) / To slap on my cara / With your nec'odara (nec´odara : pau grande) / I need to debandar  / I want a bofe to me / Now I wanna know / Do you want my …?  (aqui entraria a palavra "edi" – ânus, cú – para rimar com  o "to me" anterior) /  What happened? / I did the cheque (cheque : fezes, ou seja "me caguei") / I have no culpa / I did a Xi… (aqui a palavra seria "shit" –merda-, para rimar com cheque) / I have no culpa / Have culpa eu? / I did a Xi… / Como aconteceu?
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Clique abaixo para ouvir Aquelas
 

Ou outra (em pajubá e português), talvez ainda mais hermética
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Trava língua Pajubá (Pajubá)
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Essa é a brincadeira  / Trava língua pajubá  / Quem não conseguir  / Vai aqüendar a laialá (vai ter que encarar uma vagina) / Uma neca matim (um pau pequeno) / Uma neca frapê  (um pau semi ereto - meio mole) / Uma neca com oté  (um pau fedorento) / É o uó! / Um ocó xepó  (um homem brega - cafona) / Um ocó adé (um "hetero bicha") / Um ocó bereré (um homem feio) (...) É o uó! / Amapô nicaô (travesti com pau grande – bem dotada) / Amapô de canudo (travesti com pênis – "não operada") / Amapô de bajé (mulher menstruada) / É o uó! (...)
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Clique abaixo para ouvir Trava língua Pajubá.
 
E assim por diante.
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9.3 - Bear Music  (GORDOS, peludos e papais)
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Bonde do Urso Manco


A comunidade ursina – ou bear - (aquela que gosta de gordos e peludos) tem na banda O Bonde do Urso Manco (de São Paulo), uma referência musical.


Com letras  sempre no caminho da baixaria, a Bonde do Urso Manco expõe o que a sociedade bear quer.

Woof de cu é rola (woof : onomatopéia  em inglês que imita o urro dos ursos)
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Esse é o bonde do urso manco, chegando pra abalar / Cuida do seu namorado que é pra gente não roubar / Dizem que a gente é uó,  puta e galinha (Uó : coisa ruim, negativa),   / Mas a gente nem se importa, isso é tudo invejinha / Se é peludo então é bear, se é gordo então é chubby (tá explicado) / Vou dizer que eu gosto mesmo é de um bom e belo cub (Cub : bicha peluda, mas não muito gorda) / Bear, daddy , chaser eu não quero nem saber (Daddy : bicha tipo "papai" /  Chaser : aquelas que correm atrás de bears, daddies e chubbies ) / Quero ver quem é mais homem pra chegar e me fazer (Me fazer : trepar comigo) /Woof, woof, woof de cu é rôla  / Tu vai ser o meu ursão e eu vou ser tua cachorra  /Cansei de ursa truqueira que faz tipo de profunda, (Truqueira : o tipo que engana - Profunda : séria, intelectual, culta) / Diz que faz a ativa, mas na cama vira a bunda / Que saudade eu tenho do Bearwww (site de ursos) / Saco cheio do All Bears, quero ver bofe safado (All Bears : site de ursos  - Bofe : homem)  / Ativo? Passivo? Versátil? tem local? (Versátil : ativo e passivo) / Todo chat é na verdade um grande bacanal / O importante é que meu urso não seja do babado (Babado : explicação adiante) / Tem que ser fora do meio e não efeminado (ou seja, o urso-bofe não deve ser do meio guei e não pode ser "mulherzinha")
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Clique abaixo para ouvir Woof de cu é rola.
 

Com referências diretas à sub-comunidade-guei-ursina, o entendimento das letras do Bonde do Urso Manco, requer, neste exemplo,  pelo menos três entradas  de vocabulário :  1)linguagem pajubá (uó);  2)linguagem guei "comum" (me fazer, truqueira, profunda, versátil, bofe, etc);  e 3) a sub-sub linguagem dos "ursos" (daddy, chaser, woof, cub) -  o que demonstra a "complexidade poética"  da canção.

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10 - MPB Guei – Personagens e Sentimentos
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O cantar guei  abrange praticamente toda a riqueza de ritmos encontrada na MPB. Isto demonstra que o assunto é amplo, com entrada nos mais diversos tipos de público e, obviamente, surge com as mais variadas intenções.
Neste cantar, numa análise imediata,  podemos identificar alguns perfis recorrentes  na representação  das figuras guei :

O enrustido : aquele que está (ou prefere / quer estar) oculto, aquele que não pode (ou tem medo de) se assumir. Sua situação pode ser cantada sob um olhar triste (Ombro amigo), deboche ou sarcasmo –mas com bom humor- (Rubens), ou receber uma xingada / crítica direta  (Melô da bicha no armário).
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O ambíguo :  aquele que coloca a dúvida no olhar do "outro".  O personagem não é claro e presta-se a rótulos diversos (Mulato Forte, Cabeleira do Zezé )
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O "pintoso" arrependido : aquele que dá pinta,  aquele que  resvala no deslumbre e se revela involuntariamente, mas não assume sua condição (Camisa Listrada, E o mundo não se acabou).
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O conformado : aquele que  sabe o que quer – reconhece o objeto da sua paixão – mas não tem coragem de assumir (Duro com duro)
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O assumido : aquele que ultrapassou o preconceito, assume-se e canta o amor direto (Amor mais que discreto, Bárbara, Rabo de Sereia )
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O fatal : aquele que não vê lugar no mundo para viver suas emoções, seu modo, sua natureza. (Mar e Lua)
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O perseguido : aquele que é alvo de violência  -  moral  ou física -  (Ombro amigo, Geni e o Zepelin)
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O debochado : aquele que brinca (joga) com sua própria condição, seja no seu comportamento ou como é afetado pelo olhar e ação do outro. O debochado usa o humor como uma arma de expressão  e resistência – esta é uma das referências mais forte na personificação guei.  (O vira,  Desaqüenda la Mona, Woof de cu é rola,  Cadê meu aqué?, Aquelas)
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O sátiro / tarado : aquele que é louco por sexo. A imagem de que o guei é altamente sexual (e expõe-se a riscos para atingir seus ignóbeis intentos)  é um dos lugares comuns que povoam – interna e externamente – a comunidade das bichas. (Propóstata,  Aquelas, Cadê meu aqué?, Woof de cu é rola)
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Em termos de sentimentos, as canções falam de um universo de emoções, afetos, desafios e posicionamentos que alargam e integram as discussões sobre o tema.
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Exemplos :
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Amor clandestino : o encontro amoroso é proibido, condenado,  o que o joga para a sombra -  onde ele pode ou não ser exercido. (Ombro amigo, Galeria do Amor, Mar e Lua)
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Amor pleno : o encontro amoroso ocorre desassociado de culpa, preconceito ou perseguição. O gozo não está manchado pela culpa. (Emoções)
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Desafio : o personagem é incitado a quebrar as amarras, derrubar as portas e gritar – ou assumir - sua condição.  (Essa tal criatura, Desaqüenda la Mona, Se joga, Respeite sua escolha)
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Celebração : a condição guei – em todas as suas formas – é objeto de júbilo (Hino à diversidade)
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CONCLUSÃO
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MPB Guei – Fechando a rosca (no bom sentido)
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Obviamente este trabalho não tem a intenção de abranger todas as possibilidades de discutir,  estudar, investigar, examinar e interpretar o assunto.

A representação guei na canção brasileira é povoada de múltiplas possibilidades e desvela-se, revela-se, transforma-se e oculta-se a cada olhar.  O interessado que lança as redes sobre a MPB-Guei,  recolhe  contradições, certezas, dúvidas, caminhos e  desvios. Seu barco não abarca toda a colheita. Suas mãos enchem-se de proposições, de alternativas que permitem a expansão, o alargamento de tópicos e abordagens - e a  discussão permanece  rica e desafiadora.

Este exercício propôs-se a  disponibilizar uma visão geral do tema dentro de determinadas visões, o que, por conseqüência, excluiu outras possíveis. De qualquer forma creio que o esboço pintado permite ao espectador observar diversas perspectivas, paisagens e horizontes, os quais, se não dão uma visão completa da amplitude, permitem o desenvolvimento do olhar.

Assim, diante da fertilidade, da fecundidade do terreno pisado, o qual, a medida em que é penetrado, -invadido, trilhado- , abre outros caminhos, vias, estradas que levam a outros mapas desafiadores ou a becos sem saída, fica a sensação de que mesmo que o "Atlas da MPB Guei" nunca chegue a ser totalmente desenhado, apreciá-lo nas suas mais diversas possibilidades demonstra a abundância do tema e sua importância como referência e representação para um importante grupo humano.

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.REFERÊNCIAS
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ARAÚJO, Paulo César de. Eu não sou cachorro não – Música popular cafona e ditadura militar.3 ed.S/l:Record, 2002.

BAUMAN, Zygmunt. Identidade. 1 ed. S/l: Zahar,  2004.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano – 1. A arte de fazer.  15 ed.S/l: Vozes, 2008.

CUSHMAN,Roberto. Projeto Pajubá. Site Mix Brasil. Disponível em:
<http://mixbrasil.uol.com.br/id/nago.htm> e
<http://mixbrasil.uol.com.br/cultura/musica/pajuba/pajuba.shtm>

DIDIER,Carlos; MÁXIMO,  João. Noel Rosa – Uma biografia. 1 ed. S/l:UNB, 1990.

FAOUR, Rodrigo.Historia Sexual da MPB – A evolução do amor e do sexo na canção brasileira. 1 ed. S/l:Record, 2006.

GREEN, James N. Além do carnaval – A homossexualidade masculina no Brasil do século XX. 1 ed. S/l: Unesp,1999.

_______. POLITO, Ronaldo. Frescos Trópicos - Fontes sobre a homossexualidade masculina no Brasil. 1 ed. S/l.: Jose Olimpio, 2006.

GOMES, Dulcinéa Nunes; SILVA, Francisco Duarte. Assis Valente – A jovialidade trágica de José Assis Valente. 1 ed. S/l.:Martins Fontes,FUNARTE, 1988.

JUNIOR, Astor Vieira. A língua como resistência: uma tentativa sociolingüística de compreensão das linguagens de negros e homossexuais no Brasil. Ano VI, n.70. S/l.:Espaço acadêmico, 2007. Disponível em: 
<http://www.espacoacademico.com.br/070/70vieirajr.htm>

KULICK, Don. Travesti – prostituição, sexo, gênero e cultura no Brasil. S/l.: Fiocruz, 2008.

LOGULLO, Eduardo.  Biografia Gal Costa. S/l., 2005. Disponível em:
<http://www.galcosta.com.br/sec_biografia.php?id=11>

MOREIRA, Evandro. Osório Peixoto Silva in Poetas Cachoeirenses. S/l. Disponível em:
<http://www.palavrarte.com/equipe/equipe_osorio.htm>

TREVISAN, João Silvério. Devassos no paraíso : A homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade.6 ed. S/l.: Record, 2007.

VELOSO,Caetano. A Capa. S/l.: 2007. Disponível em:
<http://www.acapa.com.br/site/noticia.asp?codigo=2313>

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MÚSICAS CITADAS
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Música
Autor(es)
O Bonequinho ---
Mulato Bamba Noel Rosa
Camisa Listrada Assis Valente
E o mundo não se acabou Assis Valente
Uva de Caminhão Assis Valente
Duro com duro (não gravada) Assis Valente
Menino do Rio Caetano Veloso
Ele me deu um beijo na boca Caetano Veloso
Podres poderes Caetano Veloso
Três travestis Caetano Veloso
Amor mais que discreto Caetano Veloso
Pai e mãe Gilberto Gil
Super-homem, a Canção Gilberto Gil
O vira Luli, João Ricardo
Calúnias - Telma Eu Não Sou Gay Bee Anderson, Leandro, Léo Jaime, Sérgio Abreu
Napoleão Luli, Lucina
Bárbara Chico Buarque, Ruy Guerra
Geni E O Zepelin Chico Buarque
Mar e Lua Chico Buarque
Ombro amigo Leci Brandão
Essa tal criatura Leci Brandão
A galeria do amor Agnaldo Timoteo
Emoções Wando
Forma de sentir Odair Jose
Aids Leandro, Leo Jaime
Sônia (Sunny) B. Hebb, Leandro
Toda forma de amor Lulu Santos
Meninos e meninas Renato Russo, Marcelo Bonfá, Dado Villa-Lobos
O tempo não pára Cazuza, Arnaldo Brandão
Eles Cássia Eller, Otávio Fialho, Luiz Pinheiro
Rubens Mário Manga
Noite preta Vange Leonel, Cilmara Bedaque
Rabo de sereia Vange Leonel, Cilmara Bedaque, Fernando Figueiredo
Hino à diversidade Laura Finochiaro, Glauco Mattoso, Beto Firmino
Cabeleira do Zezé João Roberto Kelly, Roberto Faissal
Maria Sapatão João Roberto Kelly, Don Carlos, Chacrinha, Leleco Barbosa
Bota a camisinha Abelardo Barbosa (Chacrinha)
Boi da Cara Preta Paquito,  Romeu Gentil, José Gomes
A mulher que virou homem. Elias Soares, Jackson do Pandeiro
Desaqüenda la Mona Andreia Gasparetty
A dor foi no meu cu Silvetty Montilla
Sou Travesti Silvetty Montilla
A Santa Igreja Sandra Coutinho, Ana Maria Machado
Natasha Orloff Texticulos de Mary
Propóstata Texticulos de Mary
Todinha sua (She Ra) Texticulos de Mary
Se joga Nerds Attack
Respeite sua escolha Nerds Attack
Cadê o meu aqué ? Las bibas from Vizcaya
Melô da bicha no armário Solange, Tô Aberta!
Aquelas Pajubá
Trava língua Pajubá Pajubá
Woof de cú é rôla O Bonde do Urso Manco
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Trabalho apresentado na conclusão do "CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM LITERATURA BRASILEIRA" da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2009.
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A publicação deste trabalho no Blog foi dividida em 5 partes
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Para acessar a Primeira Parte, tecle AQUI.
Para acessar a Segunda Parte, tecle AQUI.
Para acessar a Terceira Parte, tecle AQUI.
Para acessar a Quarta Parte, tecle AQUI
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