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Sunday, April 15, 2012

Conto Travesti - O personagem e as ruínas


Eu estou participando de uma Oficina de Contos ministrada pela escritora Cintia Moscovich, aqui em Porto Alegre.

No primeiro dia de aula a professora colocou como desafio a criação de um personagem que deverá aparecer em todos os contos que iremos escrever durante a Oficina.

A cada aula ela estabelece um título e nós temos que desenvolver uma história a partir daí.

É uma coisa muito louca pois não sabemos o que ela vai definir como mote para  o conto semanal.

Já estamos no conto numero cinco .

O personagem que eu criei é o Francisco / Talitha,  um  travesti perigoso.  

Até agora o personagem apareceu como crliança, adulto e adolescente - não sei se aparecera como velho e/ou se morrerá no final da Oficina.

Esta é minha primeira oficina de contos, portanto não tenho nenhuma pretensão de me apresentar como um sábio escritor. 

A verdade é que, depois de reler o que submeti à mestra, fico chocado por ter deixado passar várias  coisas que não me agradam.  Mas, como se diz, bola pra frente.

O primeiro título é : O PERSONAGEM E AS RUINAS

( Obs : Maria Degolada e Azenha são bairros de Porto Alegre)

Depois de caminhar desde a Maria Degolada até a Azenha, Francisco sentou-se na imponente escadaria da Igreja Universal da Oscar Pereira e amaldiçoou sua mãe.
- Aquela puta... puta.
 Sua cara ainda ardia com a marca da última porrada.  Maria era um mulher grande e sua mão tinha o peso de um tijolo. E ela sabia bater. Fechava a mão e baixava a lenha  sem dó, sem cuidar onde os golpes pegavam. Francisco tentava se proteger, mas seus braços finos, quase raquíticos, eram escudos de ar frente à força heróica da mãe.

 Sentido o sal amargar sua boca, chacoalhou a cabeça como se quisesse expulsar da moleira os berros histéricos  daquela vadia.

-  12 anos e já é puto ? Meu Deus, o que eu fiz para merecer isto ? Um filho veado que quer ser mulher ? Já não basta eu ter me fodido com aquele bosta de negrão do teu pai, agora ainda tenho que aturar isto ? Aqui em casa  não ! Se tu quer ser puto, vai ser na rua !

Novamente foi pego os beijos com Walace – o garoto de 15 anos que morava no barraco ao lado. Na primeira vez Maria o tinha trancado no quarto e aplicado uma sova que o deixou doído três dias.

Porém desta vez sua ira foi maior ao ver o filho borrado com sua maquiagem, querendo parecer uma menina. E ainda por cima com algumas piranhas coloridas no cabelo

Furiosa, a mulher avançou para os garotos que recuaram em pânico. Walace esquivou-se e fugiu porta afora. Mas Francisco acabou sentindo o trato especial  daquela mão gorda  diretamente na sua cara antes de também saltar rumo à rua.

Na luz do dia sua cabeça foi  tomada por um zunido misturado com dor e ódio. Sem notar, cambaleou  pelas vielas e becos alheio às piadas, xingamentos e propostas obscenas que algumas pessoas faziam ao ver sua  pequena figura mal travestida

Agora se achava ali, sentado nas escadarias da Igreja onde ele e sua mãe frequentaram  alguns cultos no passado, quando ainda pareciam se dar bem.  Sentia-se perdido.  Uma boca de abandono e solidão corroía suas tripas.  Tentou ter idéia do que fazer mas seu pensamento parecia um rato atropelado na poeira. Sentia sua cabeça diminuir,  afundar num buraco de fraqueza e impotência

Voltar para aquela vaca lhe parecia a pior coisa do mundo. Mas ir para onde ? Ir para a casa da avó seria pior, pois a velha só sabia falar de Jesus e Bíblia, e ele achava tudo aquilo uma merda.  Deixou-se ficar por ali numa apatia desalmada até que o acender das luzes da igreja dissipou a escuridão que o envolvia

- O que tu ta fazendo aí ? 

A voz autoritária  e  coberta de repugnância  do irmão obreiro  o assustou.

- Nada

- Tu não pode ficar aqui. Te manda

Francisco levantou-se, olhou em volta, hesitou e debilmente tomou o rumo de casa. Sentia seus miolos rompidos,  boiando soltos num valão negro. Já sabia o que esperar

No caminho,  indiferente às buzinas e ao trânsito insano do anoitecer,   olhava para as luzes das ruas e tinha a impressão que cada lâmpada acesa correspondia a uma que se apagava no seu peito.

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