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Hino do Blog : " ...e todas as vozes da minha cabeça, agora ... juntas. Não pára não - até o chão - elas estão descontroladas..."
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Thursday, September 15, 2005

Comendo a ausente

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Hoje fui almoçar num restaurante vegetariano. Um daqueles restaurantes pequenos e cheios de gente, sabe? Aquele tipo de local onde você é obrigado a sentar ombro a ombro com estranhos. Mas tudo bem, a comida é boa e o preço acessível. Pois bem, lá estava eu sozinho numa mesa quando sentaram ao lado três jovens e belas garotas. Ficamos muito próximos. Eu ali praticamente sentado na mesma mesa que elas.

Bem, assim tão juntos foi inevitável que eu começasse a ouvir suas conversas. De início tudo muito normal, algumas coisas familiares, televisão e coisas do gênero, mas sem muito entusiasmo. De repente uma delas começou a falar de uma pessoa que logo identifiquei que seria uma colega de serviço. Pequenas críticas quanto a postura profissional e comportamento surgiram sem muito alarde. Porém, logo as demais começaram a participar e a incentivar a conversa acrescentando outros comentários e impressões. O que era a princípio uma pequena ponderação (tive esta impressão) logo evoluiu para uma crítica generalizada. Uma fala após a outra acrescentava mais uma pitada de negatividade na imagem da fulana.

O curioso é que a medida em que a pintura do quadro da dor evoluia as garotas ficavam mais entusiasmadas, mais próximas, mais cúmplices. Não sei se era motivada pela delicia da comida mas foi lindo de ver a conexão que brotou entre elas (uma coisa tipo a Festa de Babete). Uma união invejável baseada no julgamento da pobre colega. Assim, entre uma proteína de soja, um pastel de goiabada ou um suflê de cenoura, entre uma garfada de feijão e outra elas iam devorando junto a ausente. O paladar, a saliva, os dentes delas em conjunto iam destroçando e deglutindo a inapta, a incapaz.

Elas riam, os olhos brilhavam. As lindas faces começaram a corar, os lábios abriam fáceis em alegria. A cada comentário de uma as demais assentiam, fazendo um ar grave de reconhecimento e entendimento sobre o que estava sendo dito ou respondiam com um sorriso tipo “eu sei, eu sei”.Confesso que fiquei com inveja daquela união tão explícita, tão amiga, tão sólida que nasceu assim tão espontaneamente. Um belo grupo coeso, em harmonia no ritual de dissecação.

De repente, não sei, talvez por causa da berinjela mal temperada, elas mudaram o discurso, amenizaram dizendo coisas do tipo “ela é boa pessoa...” ou “ela tem seu valor...”. Mas isto não demorou muito. Logo as três foram para a sobremesa e o doce sabor das tortas novamente ativou o fel. A crucificada deve ter ficado com as orelhas em brasa.

O julgamento sumário continou enquanto elas palitavam os dentes e retocavam o batom –tudo muito civilizado. Depois, bem nutridas e satisfeitas levantaram e encaminharam-se para a fila do pagamento. De longe tive a impressão de que o assunto continuava. Pagaram e saíram...

Fiquei só, pensei um pouco e cheguei a conclusão que no final das contas a incompetente, a inábil da colega acabou provando que tem seu valor pois proporcionou um belo momento de congraçamento, um momento de união, um encontro de almas entre as três belas garotas que sentaram hoje ao meu lado.

6 comments:

Anonymous said...

Muito boa a crônica. Ironia do destino delas devorarem a pobrezinha num restaurante vegetariano...

Gostei!

bjs

Raquel
http://www.pagandoalinguablogspot.com

Dark Side said...

=)

Nada como rpestar atenção em tudo ao redor!

Mas será que a outra era mesmo incompetente ou era mais apta, e apenas alvo de criticas de gente menor?

Ou o famoso falem mal, mas falem de mim.

Ta afiado na escrita! Abraço.

Dark Side said...

Falar mau dos outros.... nessas horas todo mundo vira cúmplice.
Mas eu não falo esse tipo de coisa de colegas de trabalho, para colegas de trabalho... mulher é cobra, isso é péssimo. Um dia cúmplice e tapinha nas costas... depois na 1° oportunidade te dão bola nas costas.
Só falo mau do pessoal do trabalho em casa =)

ainda bem q vc voltou a escrever!!
tava com saudade. mas estou com saudade de ti tmb.
beijos pra vc e para o lu.

Anonymous said...

Eu não sou adepto da comida vegetariana não, mas essa
sua crônica, devorei como se devorasse um bom filé mal
passado. Deliciosa!
Veja só o que é um bom texto. Fiquei o tempo todo da
leitura imaginando que o tal assunto chegasse de
repente e dai a atitude das fofoqueiras mudaria.
Óbvio. Chavão. Ainda bem que nada disso aconteceu.Você
encerrou o almoço de uma forma inusitada, "
inesperadamente " nada acontece, apenas a impressão do
escritor.

Pode fechar a conta e caprichar na gorjeta que valeu o
almoço.

Parabéns, cara

Eugenio

cocacolagelada@yahoo.com

Anonymous said...

Meu Rei !!!!
Viu só o que dá ir almoçar sem as tuas companheiras diárias?????
Bem.´...o pior de tudo foi a energia que elas colocaram na própria comida, que embora tenha sido vegetariana deve ter feito uma digestão horrorosa.
Por isso é bom falar mau de colegas só lá no cafezinho do mercado!
Bjo
Te amo !
Ludwig

Gata Guu said...

Muito bom.
Sou vegetariana de longa data e já ouvi muitos comentários do tipo "pessoas vegetarianas são mais evoluídas", o que além de ser uma grande besteira, irrita profundamente os onívoros.
Seu texto nos dá um tapa com luvas de pelica!
Bravo!