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Friday, September 23, 2005

Teatro - "Desassossego"

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Na contracapa do “Livro do Desassossego”, de Fernando Pessoa, o pesquisador Richard Zenith registra os seguintes comentários a respeito da obra do grande poeta português : “ O que temos aqui não é um livro mas sua subversão e negação”; ... este é ”o livro em potência, o livro em plena ruína, o livro-sonho, o livro-desespero, o antilivro, além de qualquer literatura. O que temos nestas páginas é o gênio de Pessoa no seu auge”.... Estas palavras definem com precisão este fascinante petardo literário que pode ser definido –de uma forma simplista- como um diário íntimo de um pequeno escriturário português de nome Bernardo Soares. O diário é composto de comentários, reflexões e devaneios sobre diversos temas : vida, morte, estados da alma, estados psíquicos, exílio espiritual, fé, paixão, moral, conhecimento, desejo, sonhos, ciência, realidade, irrealidade. Como um peregrino da vida, Bernardo sofre e registra a dor, o absurdo e a angústia de ser.

Marilena Ansaldi, a primeira bailarina brasileira a integrar o Balet Bolshoi, debruçou-se sobre esta obra-prima para compor o espetáculo “Desassossego” que marca sua volta aos palcos brasileiros após 12 anos de ausência. A peça foi montada após a artista ter passado por um processo de recuperação de crises de pânico e depressão e comemora os 50 anos de carreira de Marilena. Também esta montagem celebra os 30 anos de “Isso ou Aquilo” espetáculo que a diva lançou em 1975 e que marcou um momento de efetiva renovação na dança brasileira.

Disto isto, é claro que a união destes dois grandes nomes da arte imediatamente sugere um espetáculo primoroso. Fui conferir “Desassossego”, nesta edição do Porto Alegre em Cena, cheio de expectativas.

As luzes se apagam. As cortinas se abrem e um som de metálico e incomodativo enche o teatro. Aos poucos diviza-se um vulto negro, encarnado por Marilena, segurando um grande guarda-chuva e que se movimenta vagarosamento no mesmo lugar sobre um mecanismo que produz aquele som quebrado. Lentamente este vulto-criatura se agacha deformando sua imagem. O efeito plástico é belíssimo. Com movimentos sutis a artista desce do mecanismo, deixa o guarda-chuva e inicia o texto. A partir daí começamos a acompanhar as dores existencias, as vicissitudes da alma daquele(a) personagem limítrofe.

A promessa é grande, porém, infelizmente, logo surgem alguns problemas que permanecem durante quase toda a duração do espetáculo. Primeiro, a potência vocal da atriz não é suficiente para preencher todo o teatro; em vários momentos é impossível ouvir o que está sendo dito no palco. Também a maioria do texto é expresso de uma forma excessivamente dramática (quase no limite do melodrama). Os fragmentos da obra de Pessoa são soterrados sob uma mascara de tragédia exagerada, que mais causa estranheza do que arrebatamento. As frases perdem a sutileza, a agudez, presas numa moldura de dor inútil (vejo Fernando Pessoa muito mais fino, mais impalpável do que "over"). Isto sem falar na lentidão quase que exasperante com que as palavras são proferidas. Os movimentos da atriz, também vagarosos, auxiliam para acentuar o clima de morosidade da montagem. E assim a peça prossegue num ritmo arrastado de tédio geral.

Para compensar, tenho que admitir, surgem cenas belíssimas e plasticamente muito bem resolvidas com a diva mostrando perfeito dominio corporal, o que faz sua figura metamorfosear-se, difundir-se em formas sobre-humanas. Para isto contribui a iluminação perfeita que sublinha toda a encenação. Também a breve sequência de dança comprova estarmos diante de uma grande artista que sem dúvida merece todo o reconhecimento e todo mérito que lhe são atribuídos.

Porém, infelizmente, o resultado do espetáculo é negativo. Ficou o sentimento de expectativas frustradas. Como não podia deixar de ser, no final, mais uma vez a platéia porto-alegrense ovacinou. Eu aplaudi, é claro... mas sentado.

3 comments:

Anonymous said...

Seattle City Council nixes monrail expansion
The City Council today yanked its support for the Seattle Monorail, dealing a blow that council members declared would kill the embattled transit project.
Jewelry anyone? Have a look at bracelets!

Paulo Castro said...

Como comunicar o visível vazio ?
Mesmo que o interno esteja em ebulição ?
Maurice Blanchot diz que a verdade está escondida em uma conversa infinita consigo mesmo, até a exaustão, o gozo, a morte.
Literalmente, nesse sentido, esse livro é "de morte".
Abraços.
Paulo.
http://literaturacorporal.blogspot.com

Anonymous said...

não consigo imaginar uma adaptação para o palco do Desassossego.
é uma tragédia íntima.
é pura INÉRCIA.
mil vetores puxam o protagonista,
mas no fim das contas,
ele está cansado, estático.

na minha experiência de autor para o teatro tive que colocar "coisas de
cena", uma banheira cheia de sangue, uma cadeira, uma caixa de centenas de
giletes...enfim, movimento.

se eu fosse adaptar o livro de Pessoa, colocaria alguém parado no centro do
palco, sendo bombardeado por luzes e sempre, em intervalos inconstantes, a escuridão.
claro que ficaria uma tremenda merda, mas não vejo por onde materializar esse
labirinto subjetivo sem saída.

mas o risco é sempre adorável.

beijos gerais.

paulo.