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Thursday, January 05, 2006

A tristeza de uma vida inobservada.

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Ah ! ..a alegria de uma consulta médica ! – bem feita, é claro- ... Quando o doutor começa a questionar sobre nossa vida, nossos hábitos, nosso histórico. Quando ele pergunta sobre doenças na família, problemas de saúde dos consanguíneos, sobre nossa genealogia. E vai tomando nota, registrando nosso perfil, construindo uma memória. E nós incentivamos alguns dramas, lamentamos algumas perdas, nos entristecemos com algumas recordações. Porém, neste momento, nos sentimos vivos, com histórias para contar, com informações a revelar. Neste momento percebemos que alguém, mesmo que profissionalmente, se importa. Que alguém nos olha, escuta e nos valoriza.

Esta reflexão meio enviesada, mas com um fundo de verdade, retirei do livro “Quando Nietzsche chorou”, do escritor Irvin D. Yalom.

Nesta obra, em determinada passagem, quando Nietzsche realiza sua primeira consulta com o Dr. Breuer buscando tratamento para sua enxaqueca crônica, e passa a relatar seu histórico de saúde, o doutor sabiamente reconhece novamente esta “alegria padrão” que faz com que os pacientes se entusiasmem em falar de si mesmos.

Breuer pondera que esta alegria surge quando o paciente reconhece estar sendo escutado, quando percebe que alguém presta atenção, quando sabe que o outro está dando significado às suas dores. Neste momento o paciente destaca-se, torna-se especial, diferente. Ele assume uma identidade, uma unicidade.

Particularizando, o doutor associa esta manifestação mais e diretamente à velhice, situação onde muitos já perderam as referências pessoais e não têm mais com quem compartilhar suas histórias de vida. Daí, quando não existem mais interessados, quando não existem mais observadores, a pessoa sente o peso da solidão e do esquecimento. Assim, nos consultórios estes tristes sentimentos são amenizados, de maneira meio torta, através da necessidade de um relato de vida necessário para a construção de um diagnóstico profissional.

Transcrição do trecho :

“Durante todo o procedimento, Nietzsche se manteve totalmente atento: de fato, anuía reconhecidamente a cada pergunta de Breuer. Nenhuma surpresa, é claro, para Breuer. Jamais encontrara um pacinte que não gostasse secretamente de um exame microscópio de sua vida. Quando maior o poder de ampliação, mais paciente gostava. A alegria de ser observado era tão arraigada que, na crença de Breuer, a verdadeira dor da velhice, do luto, de sobreviver aos amigos estava na ausencia de escrutínio: o horror de viver uma vida inobservada.”

5 comments:

greentea said...

Naquele tempo ainda os médicos davam atenção aos seus doentes, porque hoje... somos carne para canhão!!!!!!!!!
à s vezes nem temos tempo de abrir a boca e já estão a passar o receituário que...n maioria dos casos irá ter efeitos colaterais.
Mais vale dedicarmo-nos ao blog e deitar cá para fora o que sentimos e pensamos, quer nos oiçam, quer nos apreciem quer nos critiquem.
Pelo menos dissémos, expressámos o que sentiamos.
Hoje encontrei um texto no Jornal sobre Facas e Foices (postei no blog) - talvez seja útil, para cortar o ambiente ou alguma erva daninha...
Beijos , por me ouvires mesmo assim

Anonymous said...

Adorei a reflexão Iuri, e concordo com ela. É muito importante nos sentirmor assistidos, valorizados e aceitos. Falar de nós mesmos pode ser muito desagradavel se for direcionado aos ventos, mas pode ser muito prazeroso e terapeutico se for para alguem que nos escuta de verdade, principalmente se houver ai uma empatia e uma aceitação incondicional. Por isso dou graças ao trabalho de psicologos competentes e profissionais em geral que trabalham com prazer de tratar pessoas, como é o caso de minha terapeuta que ajudou a restaurar minha vida. Abraço a todos e aproveito para convida-los a acessar meu site www.pesquisamerileia.com e responder também é claro. Obrigada!!!

Marileia Ramos da Silva

Unknown said...

Interessante, penso que entre a maioria das pessoas isso deve se dar assim mesmo, poder falar de seus dramas pessoais, emocoes, etc, etc, sempre com o foco em si mesmas, deixando as identidades se manifestarem de maneira bem sólida...

Pessoalmente não curto essa parte de uma consulta médica, não gosto de ficar falando de coisas pessoais ou de família. Sempre tenho o receio que o médico pense em me rotular ou me classificar, e sempre tenho a pretensão de querer saber o que se passa comigo e dar pistas ao diagnóstico.

Pode ser uma outra forma da identidade se manifestar, como "aquele que não é rotulado nem segue padrões de família", ou pode ser apenas que eu não queira mesmo solidificar todas as experiências.

...ou nenhuma das opções acima...

...quem sabe...

Anonymous said...

doloroso e real, é o q nos aguarda, em breve...

Marines Oliveira

Anonymous said...

É realmente um livrão. Eu me lembrei dessa passagem. E também me
lembrei enquanto lia que esse livro deveria ser lido pelos médicos que
lidam com a gente, às vezes em situações de muita fragilidade.
Como entre os ratos tem muitos médicos e estudantes de medicina, fica a
sugestão.

Roberto