Texto de Marcos Natali (professor de teoria literária e literatura comparada na USP) publicado na Folha de São Paulo.
[RESUMO] Enquanto
parte importante da definição de fascismo depende do cumprimento de promessas,
uma já foi realizada: a ampliação do espaço de verbalização e prática da
violência, argumenta o autor, para quem não é preciso esperar a posse como
presidente para definir o candidato do PSL como um fascista.
--------------------------------------------------------------Na bibliografia sobre o fascismo, nas diversas tentativas de definição do fenômeno, geralmente aparecem referências à importância de aspectos como o elogio à violência, a xenofobia, a expressão do desejo de retorno a um estado anterior, a misoginia e o culto à hipermasculinidade, a vontade de punir e erradicar sexualidades periféricas, a narrativa de vitimização, a oposição à democracia e a louvação do autoritarismo.
Também é comum a menção à necessidade de identificar de
maneira inequívoca culpados para o estado de coisas do presente, estimulando a
passagem da ansiedade ao ódio, com esses mesmos responsáveis em seguida
requeridos como o sacrifício necessário para a recuperação de uma pureza
perdida.
A dificuldade de definição, então, não resulta de uma
ausência de consenso sobre os elementos básicos a que se refere o termo, embora
persistam divergências importantes entre a crítica (por exemplo, sobre a relação
entre fascismo e liberalismo).
A dificuldade parece derivar de uma característica do
próprio fenômeno que se busca delimitar. Composto por um conjunto de ameaças e
promessas, o discurso fascista parece exigir do analista uma avaliação da
probabilidade de que sejam cumpridos os juramentos feitos (e não apenas no
contexto de uma campanha eleitoral).
Com a ampla circulação de discursos fascistas e falas de
ódio na atualidade, orientados por ações políticas de força destrutiva,
interpretar seu sentido seria um exercício inglório, pois requereria que se
avaliasse quais, afinal, das numerosas ameaças deveriam ser levadas a sério.
O que pensar do brado que propunha fuzilar grupos de
adversários políticos? E a garantia de que o ativismo seria exterminado? E o
canto da torcida no metrô? E a inscrição de suásticas em portas, muros e peles?
Como escreveu Theodor Adorno em sua “Minima Moralia”, o
dilema daquele que se vê diante da necessidade de determinar o alcance efetivo
de ameaças é que não há exame razoável e ponderado de proposições que, sendo
capazes de produzir movimentos paranoicos, serão necessariamente deslizantes e
expansivas, gerando sempre novas presunções causais e culpabilizações.
Não há, sobretudo, como ter confiança de que se sabe quais
serão exatamente os limites de uma manifestação paranoica qualquer, ou quais os
limiares que não serão ultrapassados. (Como no romance “Graça Infinita”, de
David Foster Wallace, a pergunta aqui também é: claro, sou paranoico, mas como
saber se estou sendo suficientemente paranoico?)
Entretanto, se é verdade que só poderá haver certeza da
existência de uma base real para um receio extremo num momento posterior, não
há, ao mesmo tempo, a opção de aguardar para descobrir se as bravatas eram
apenas isso, ou se algumas sim e outras não. (Mas quais?)
Mas há outro aspecto que caracteriza o discurso fascista que
permite uma avaliação mais segura a respeito do movimento em curso no país.
Entre as possibilidades de significação desse discurso, está
o fato de que a promessa principal é justamente a abertura de um espaço para a
multiplicação vertiginosa de novas promessas de violência, contra sujeitos
diversos, e nesse caso a promessa em si já deve ser entendida como um
acontecimento.
No caso da variante contemporânea, seria importante
reconhecer, tanto para entender suas características principais como para
determinar o tipo de resposta que ela exige, que sua principal promessa já foi
cumprida, com o alargamento do espaço disponível na sociedade para a prática e
a verbalização crua da violência, neste caso com a repetição de convenções que
incluem alusões à morte, à desaparição e à expulsão do território de grupos
sociais vulneráveis.
Nesses termos, por mais relevante que seja aquilo que
Bolsonaro pode fazer caso seja eleito à Presidência, não é necessário aguardar
uma eventual posse para julgar se ele pode ser definido como fascista.
Uma característica adicional desse discurso é que a atração
que ele gera se deve precisamente a seu excesso.
Em relação à ditadura, então, o que se ouve agora não é uma
defesa ambivalente e envergonhada que busca tergiversar, afirmando, de modo já
familiar entre nós, que o regime militar cometeu erros, mas também teve seus
acertos, ou que era necessário naquele contexto porque a ameaça era grave. Não,
a forma do discurso é a celebração do suplemento excessivo, do elemento mais
brutal do regime: a tortura.
Da mesma forma, em vez da argumentação aparentemente
razoável ressaltando o suposto caráter brando da ditadura brasileira, se
comparada às de países vizinhos, o que se encontra é a asseveração infernal de
que o erro da ditadura foi ter sido insuficientemente violenta, isto é, o
equívoco foi não ter matado mais.
Um dado da construção do discurso a ser compreendido, aquele
que parece ser responsável pela adesão arrebatada, é esse gesto excessivo, o
prazer presente nesse excesso, mais do que uma noção convencional de
“interesses” que seriam satisfeitos ou não após uma eleição.
Como tem escrito a respeito de Donald Trump o antropólogo
William Mazzarella, não é, então, que os eleitores estivessem enganados ao
preferi-lo, votando contra os próprios interesses (embora isso também
ocorresse). É que seu desejo era pelo gozo do excesso, algo que se revela na
disposição para até mesmo botar fogo no circo todo.
(Existem, certamente, algumas semelhanças entre Trump e
Bolsonaro; a diferença decisiva, no entanto, como tem sugerido Marcos Nobre,
entre outros, é que Trump, quando quer elogiar regimes autoritários, não
consegue encontrar exemplos na história de seu país e precisa apontar para a
Coreia do Norte e a Rússia. No Brasil, o apelo a voltar 50 anos no tempo encontra
na história nacional uma ditadura militar plenamente instaurada.)
É esse o ponto em que o vínculo criado nessas relações pode
parecer imune à crítica que aponta um erro no cálculo feito pelos envolvidos a
respeito de seus verdadeiros interesses. A oposição ao fascismo precisaria
também buscar intervir nessa experiência afetiva, substituindo-a por outra,
contrária a ela, uma experiência baseada em outras possibilidades afetivas,
algo diferente das comunidades criadas a partir do exercício da crueldade com os
mais vulneráveis.
Também está programada na operação paranoica a possibilidade
de sempre acusar o outro de exagero; primeiro provoque a raiva da vítima, para
então acusá-la de reagir com exagero. E é por isso que a ascensão do humor
machista, homofóbico e racista nos últimos tempos parece agora uma antessala
para a situação atual.
Exigindo para si não exatamente o direito à expressão,
embora assim se apresentasse, mas o direito a um dizer monológico, a um dizer
sem resposta, a piada ofensiva também se reservava o direito de, diante de
qualquer reação à violência implícita nela, agir explicitamente.
Como também ocorre com a lógica do humor, o discurso
fascista busca se blindar com seu caráter excessivo, com sua fachada
caricaturesca, até com a figura do bufão, que, convenhamos, certamente não
poderia estar falando sério (ou, mesmo que estivesse, não teria a competência
necessária para a implementação das políticas destrutivas que prega).
Nesse sentido acaba sendo útil que o líder fascista tenha
algo de jocoso, até mesmo algo de risível, aumentando ainda mais o prazer que
gera entre seus seguidores, sobretudo se esse mesmo elemento cômico (a cena de
um tripé mimetizando uma metralhadora) gerar não o riso, mas a ira de seus
opositores.
Como escreveu Lili Loofbourow, as proposições de
rebaixamento e humilhação do diferente, configuradas em excesso, permitem
provocar dor nos outros e ainda deslegitimar ou zombar de seu sofrimento, em
cenário em que a crueldade parece ser um fim, não um meio.
A promessa não é evidentemente a de fornecer uma solução
para a crise; é, na verdade, o compromisso com o provimento de bodes
expiatórios, esses elementos estranhos e estrangeiros que na estrutura
sacrificial estariam impedindo uma restauração do que teria sido perdido.
Essa promessa será infinitamente renovável, pois, dada a
permanência da sensação de falta, o dedo que aponta os culpados poderá passar
dos índios aos LGBTs aos imigrantes bolivianos aos negros aos ambientalistas às
mulheres aos professores... Em contextos de crise, a fixação no obstáculo, e o
prazer derivado dessa fixação, também ajuda a evitar que a energia crítica se
dirija a esforços que busquem modificar o quadro existente.
Assim, embora indefinições e incertezas possam existir em
relação, por exemplo, à extensão do programa de privatizações a ser
implementado, ou quanto aos tipos de reforma pelas quais passará a educação, e
por mais que a captura do Estado pelo movimento paranoico seja relevante, num
aspecto crucial, aquele que não é negociável nesse quadro e o que tem se
mantido estável ao longo da campanha, é possível dizer que já sabemos o que
pode ocorrer com a eleição.
Inclusive porque essa forma de estimular e disseminar a
destruição, que é velhíssima, já foi instaurada por todo o país nas últimas semanas,
com a propagação de episódios de violência contra grupos específicos da
população.
Foi cumprida a promessa, reorganizando o campo de tal
maneira que um homem se sente autorizado a gritar da janela do ônibus, no meio
de uma quinta-feira de sol em São Paulo, ameaças de morte às travestis que
caminham pela calçada. No mesmo dia, mais tarde, numa feira perto dali, uma
freguesa dirá à imigrante haitiana que trabalhava lá que o Bolsonaro estava
chegando e ia mandá-la de volta ao Haiti.
Como responder à lógica do fascismo sem se tornar paranoico,
sem espelhar a paranoia? Afinal, é preciso habitar o delírio para tentar
antecipar seus próximos alvos. A violência que ecoa discursos fascistas que já
estavam em circulação, mas legitimada hoje pelo nome de Bolsonaro (enunciado em
muitos atos de violência), permite antecipar um fluxo de violência cada vez
maior no país nos próximos anos. Só depois saberemos quanto estávamos certos, mas o custo de subestimar o seu alcance é alto (e se descobrirmos, tarde demais, que a proposta meio tosca de implementar educação a distância no ensino fundamental —que essa, sim— era de verdade?).
A estudante sentada ao lado do homem que se debruçara para
fora da janela do ônibus para gritar seus vitupérios fecha o volume da
“História da Sexualidade” que vinha lendo, esconde-o discretamente na mochila.
O que tinha que começar já começou.
Marcos Natali é professor de teoria literária e literatura
comparada na USP.
2 comments:
Muito bom o texto, valeu muito ter vindo aqui e lido essas palavras. Um abraço.
Eu estou aqui para testar como meu vírus Herpes foi curado por DR LEWIS.
Sou Catherine Peterliu, do Texas, EUA. Eu estive em um relacionamento com um cara e fizemos sexo desprotegido pela primeira vez e em um dia eu tive um grande galo na dobra da minha coxa e vagina. depois de alguns dias, começou a doer mais e mais. Eu disse a ele para tirar uma foto para mim, e parecia feridas abertas, como insetos estavam mordendo minha pele ou algo assim. Então eu fui ao pronto-socorro e eles disseram herpes genital. Eu estava muuuuito deprimido. meu namorado e eu chorei. ele chorou por mim, mas ele não tinha ideia de que ele também tinha. no dia seguinte, a mesma coisa acontece com ele. Nesse ponto, achamos que dei a ele porque fui o primeiro a mostrar os sintomas. A próxima fase que passei foi depressão. Neste ponto, tudo que fiz foi dormir e chorar. Eu senti como se minha vida tivesse acabado. Eu sabia que nunca poderia me casar, me sentia sujo e inútil. Eu estava deprimido por cerca de dois meses. Eu lutei pensamentos de suicídio e foi um incômodo para realizar minhas tarefas diárias. Então eu comecei a me perguntar se haveria um remédio para essa doença, o que me levou a visitar muitos hospitais, e nada de bom saiu disso, até que eu li o testemunho online de uma pessoa que dizia que eles foram curados com a ajuda de Dr. LEWIS Feitiço, desta doença que o mundo considera incurável e lágrimas rolaram pelo meu rosto. Esse testemunho de pessoas despertou em mim uma esperança que me levou a entrar em contato com o Dr. Lewis. Então ele nos assegurou que nós vamos ficar bem, depois de nos reunirmos com os requerimentos necessários, ele nos mandou um pacote e nos deu um guia de instruções sobre como usá-lo, o que fizemos, depois de 7 dias usando o remédio, o herpes. estava totalmente curado. Então eu e meu namorado fomos e fizemos o teste para cada DST no livro e cada teste retornou NEGATIVO, também voltamos para o hospital, e foi confirmado NEGATIVO. Estou postando meu testemunho para ajudar alguém que está sofrendo dessa doença. Não hesite em entrar em contato com o Dr. LEWIS via e-mail: Lewis7temple@gmail.com ou ligue para ele em +2347067468416
ELE TAMBÉM TEM CURA À SEGUINTE DOENÇA:
HPV
HERPES GENITAL
TRICOMONOSE
CLAMÍDIA
HIV
GONORRÉIA
HBV
SÍFILIS
CÂNCER
ALARGAMENTO DO PÊNIS
BOOBS ALARGAMENTO.
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