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Monday, October 29, 2012

Teatro - O Linguiceiro da Rua do Arvoredo





Os chamados “Crimes da Rua do Arvoredo”, - ocorridos entre 1863 e 1864 - fazem parte do imaginário porto-alegrense.

Estes crimes ficaram famosos como “crimes da linguiça”, pelo fato de , supostamente, as vítimas terem se transformados em sabororos embutidos vendidos à população local.

Os autores desta façanha foram um sujeito chamado Jose Ramos (um cara elegante, dado a frequentar os espetáculos do Teatro São Pedro), sua companheira ( a dita “sedutora” Catarina Palse) e o açougueiro Carlos Klaussner (que teria sido tambem transformado em linguiça pelo casal assassino).

Esta história está cercada de lendas, e ninguém se atrave a afirmar categoricamente o que é e o que não é real nos acontecimentos. Mas, como se diz :  entre a lenda e o real, sendo a lenda melhor, publique-se a lenda.

E esta lenda já rendeu muitas publicações como livros, contos, teses etc.

Li o "O Maior Crime da Terra – O Açougue Humano da Rua do Arvoredo",  do Décio Freitas ( Editora Sulina, 1998 ), um livro curto que dá uma boa panorâmica do assunto.

Então foi com uma boa expectativa que fomos assistir "O linguiceiro da Rua do Arvoredo", sábado passado no Teatro Renascença; um espetáculo que pretende (re) contar a história dos crime no estilo musical "Sweeney Todd",  com uma estética expressionista.

Ok, o espetáculo começa com uma especie de coro atras da cortina transparente (fazendo / cantando “Uhh”), acompanhado por umas figuras interessantes na frente da cortina (fazendo “Uhh” tambem).

Ficamos assim durante alguns minutos, enquanto a platéia se acomoda .

Até aí tudo bem, afinal estamos apenas começando e temos a boa intenção de curtir algo interessante (afinal saimos de casa e pagamos para estar ali).

Logo no início da função, uma criatura espécie de alter-ego do dramaturgo, “conta” à platéia como ocorreu a aproximação da troupe com o assunto. Dúvidas, método de criação, tempo de desenvolvimento, etc. Este “corte” na encenação – para a introdução de comentarios e reflexões sobre o processo de montagem da montagem (sic) - acontece várias vezes durante o desenrolar da peça. E tu te pergunta : pra que isto ? Alguem se interessa ? Eu só quero ver uma história bem contada.

As cenas continuam e logo se percebe que o nivel de pretensão da montagem (elaborada em cima de “improvisações do elenco” , conforme diz o programa ) é grande.

Tipo, eles fazem (forçam) vários paralelos entre os tais crimes e outros atos, ações e comportamentos humanos, como guerra, violência, discriminação, escravidão, casamento, sexo, sociedade, relacionamentos, "gente comendo gente", etc.

Ou seja, eles “expandem a leitura” do tema levando os incautos pagantes a refletirem sobre assuntos insuspeitos de modo a expandirem suas mentes e ingressarem numa nova consciência e assim contribuirem para a construção de uma nova era onde a ecologia humana será finalmente reconhecida como um valor global e assegurando desta forma que as próximas gerações não sofram mais com as mentiras conectadas com as mais dificultosas intempéries da existencia. Entenderam ?

Nesta base, o que se vê adiante, e até o final, é uma sequencia desconexa e interminável de cenas “dramáticas”, orquestradas por um elenco tosco, emolduradas por uma musica sofrível, alicerçadas em um texto e letras primários, com efeitos e soluções visuais óbvios. Tudo contribuindo para brindar os presentes com uma das montagens mais tacanhas vistas nos palcos dos pampas.

Gente, que coisa mais fora da casa.

O que o “espetáculo” oferece :

GEMIDOS - Sim, povo, os “atores” gemem muito, mas muito mesmo. Uma coisa sem noção. E são gemidos “viscerais”, sabe ? Daquele tipo que “vem do útero”. E para provar o “talento”, alguns gemedores chegam até a chorar. Ah, tá...

TEXTO EM ALEMÃO - Concluí que os autores, por falta do que dizer em português, acabaram incorporando varias passagens em alemão para disfarçar a inépcia das falas. Inclusive no constrangedor numero final (quando a personagem Catarina canta não sei o que – na verdade a melhor atriz em cena - Ursula Collischonn ), a platéia tupiniquim assiste toda a dramaticidade da cena sem entender uma palavra sequer. Pra que isto ? É para reforçar a ideia de que a estética da montagem segue a cartilha do “expressionismo alemão”? Ah, que cultos eles são ! Certamente não somos assistentes para tanta sapiência.

PEITINHOS - A certa altura da encenação, quando tudo já tinha começado inevitavelmente a rolar ladeira abaixo, virei-me para meu companheiro e perguntei : “Sera que elas vão pagar peitinho?”. Sim, pois tava meio óbvio, pelo nivel do que se via no palco, que só estava faltando mesmo as boas desfraldarem os seios. E o que acontece ? Sim, meus caros, todas as “atrizes” mostram os peitos numa cena “forte”. Certamente para mostrar a “garra”, o “despudor”, a “ousadia”, a “entrega”. Totalmente gratuito, totalmente sem sentido. Triste, lamentável, primário. Patético.

LOOPS (repetições eternas) – Quem for assistir, prepare-se para ser repetidamente alvejado com as mesmas falas e ideias. Tipo, o elenco “cantando” : “Canibais! Somos canibais! ”, acontece em vários momentos. “Sangue ! Açougue !”, também. E como o fato mais chocante é a tal linguiça humana, os presentes são brindados a cada quinze minutos com um ator dizendo algo do tipo “Eram linguiças de gente !” ou “Eram linguiças de gente ?”. …. Como assim ?... não tô entendendo.

MUITO CARÃO - Sabe aquele tipo de espetáculo onde tudo é dito nos limites da emoção ? Com os atores muito nervosos, a beira de um ataque de nervos ? O "Linguiceiro..."  é assim. Muito olhar “duro”, muita mão crispada, muito corpo torto, muita voz “empostada”, muita “expressão”. E o que é pior : aquele tipo de montagem onde os atores “encaram com firmeza” a platéia e “desafiam”os presentes dizendo coisas coisas do tipo “ Somos todos canibais !” - com o dedo em riste em tua direção - E tu pensa o que ? Canibal, eu ? Ah ... que sono !

COMÉDIA -  O absurdo apresentado chega a tal ponto que a única coisa a fazer é rir. Eu gargalhava a cada fala “de efeito”, a cada cena “corajosa”. Mas o melhor de tudo é o banho de sangue. Num determinado momento, o tal do açougueiro alemão, - depois de moer cenoura e maçã numa cena obtusa que só vendo para acreditar, pois me recuso a maiores comentários – leva uma banho de sangue na cabeça. Neste momento meu companheiro virou-se para mim e disse baixinho : “Carrie, a estranha”. Tive convulsões de risos. “Carrie” realmente era o que faltava para completar a grandeza da montagem.

E a coisa vai por aí.

Meu companheiro não aguentou e saiu antes do fim. Eu fiquei. E fiquei matutando o porque de tudo aquilo. Porque simplesmente não contar uma história ? Porque esta sede de “transgressão”, de (ai meus sais) “vanguarda”, de “criação” ?

Logo surgiu na minha cachola uma fala mágica do Mestre Nelson Rodrigues. Ele disse que preferia uma vaia sincera aos aplausos, pois nunca sabia se os aplausos eram verdadeiros ou “por educação”.

E certamente muitos dos presentes estavam achando uma porcaria toda a encenação e, mesmo assim, se preparavam para aplaudir no final ( o que confirmei diretamente com o restante do grupo com o qual eu estava).

Eu não.

Quando enfim a tortura terminou, levantei e, sob os auspícios do maior dramaturgo brasileiro, gritei “Lixo !”, mas fui abafado pelos aplausos “sinceros e emocionados” da platéia.

Vi que não agradei. Posei de “inculto” e “burro” aos olhos dos que me rodeavam.

Então, como não entendi a “profundidade do espetáculo”, o “alcance da mensagem”, botei minha violinha no saco e saí espraguejando do teatro.

O engraçado é que, na saída, deparei-me com outro espectador indignado e o comentário dele resumiu bem toda a asnice assistida :

“... É só uma encheção de linguiça … “

Perfeito.

PS : reproduzo abaixo algumas páginas do programa que são mais uma confissão de delito do que qualquer outra coisa.







2 comments:

Dani Dutra said...

Oi, Iuri!
Acho muito bom termos algum feedback do nosso trabalho, muito obrigada por ter exposto tua opinião, ela é muito importante pra nós!!!
Assim que a tua indignação passar, poderíamos conversar melhor sobre tudo isso, o que achas?!
Essa troca é bem legal, e muito construtiva...
Abraço!
Dani Dutra.

Iuri said...

Oi, Dani.

Obrigado por passar por aqui.
Quer conversar comigo ?
Não é uma armadilha prá me tranformar em linguiça ?

Abc