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Monday, January 12, 2009

A mulher sem cabeça




O cotidiano pode ser um poço de horror.

No filme “La Mujer sin cabeza” da argentina Lucrecia Martel, este horror é mostrado (ou não) a partir da história de Verónica (María Onetto – numa interpretação absurda de boa), que atropela algo” (um cachorro ou um ser humano ?), escapa do local, e, agulhada pela culpa, mergulha numa espécie de depressão.

Só que este processo não é mostrado diretamente, não vemos a protagonista em desespero, pedindo ajuda e arrancando os cabelos.

Muito ao contrario, o filme opta por registrar, após o acontecido, o cotidiano de Veronica, sempre cercada de muitas pessoas que, totalmente indiferentes aos seus sinais “doentios”, só falam banalidades, totalmente ausentes umas das outras. E a película é isto mesmo : uma fila de trivialidades insossas, com conversas soltas, irrelevantes, numa morosidade atroz.

O que vemos então é Veronica apatetada (num estado semi comatoso, catatônico) assombrada por fantasmas, pelo desespero contido, pela falta de diálogo, pela falta de aproximação, imersa num mundo completamente superficial sem âncora alguma.

Ela está sempre rodeada de gente (pacientes, amigas, familia, empregados, amante, etc) - sempre sendo beijada, abraçada, solicitada - , porém absolutamente solitária no seu pesadelo.

Quando decide revelar seus receios ao marido e ao primo (que vem a ser seu amante), eles investigam o acontecido, e, com a evolução das descobertas, “tomam conta” da situação deixando-a de lado.

Usando a influência das elites, de alguma forma – que também não é mostrada - apagam as evidências, os traços que poderiam comprometê-la de forma a livrá-la de qualquer acusação.
Estão assim protegendo-a e a eles tambem.

Lá no final ela sente que algo está acontecendo por detrás dos panos, mas porta-se como uma marionete perdida neste mundo vazio; não responde, não questiona nada, apenas se deixa levar pelo trivial.

Colocando tambem em discussão a diferença de classes sociais, o filme apresenta várias cenas de relacionamento entre patrões e serviçais de diversos tipos e de diversas formas – de qualquer maneira sempre separados pela realidade do abismo economico – cultural – social. Neste sentido, Veronica aparentemente se sente “culpada” pela morte de um pária desconhecido (um ninguém) e busca "aproximar-se dos inferiores" para expiar seu pecado. A tentativa mais idiota é quando ela tenta “seduzir” um garoto que a ajuda a carregar umas plantas, com sanduíches, refrigerante e camisetas velhas. Nesta sequência a personagem se apresenta fraca, ridícula, lamentável.

Produzido por, entre outros, Pedro Almodovar, “La Mujer sin cabeza” é um filme ousado que opta pelo não dito, pela lentidão, pela absoluta falta de emoção, pelos diálogos vazios.

É dificil de assistir e requer a chamada “paciência” (o filme foi vaiado em Cannes). Mas definitivamente vale a pena.

O final é fantástico onde, através de uma porta de vidro, vemos Veronica desfocada, irreal, distante, - num bar totalmente cercada pelos seus afins - , num simbolo de completa perda de identidade, inteiramente tragada e aprisionada pela maré das aparências.


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