Nestas situações testemunhamos os esforços de milhares para mitigar a dor dos atingidos (com voluntariado, doações, apoio, rezas, etc) e também, infelizmente, a ação de vilões miseráveis que aproveitam a oportunidade para revelar as sombras dos seus espíritos.
O incêndio da boate Kiss em Santa Maria, mais uma vez prova esta tese.
Se por um lado vemos manifestações de todo o mundo em solidariedade a dor dos feridos, das famílias, dos amigos, por outro vemos manifestações absolutamente incompreensíveis.
Acompanhando os comentários dos internautas sobre as notícias publicadas nos grandes portais, tipo Terra, UOL, Globo, etc, deparei com registros do tipo :
- “Agora os gaúchos vão ficar muito tempo sem fazer churrasco pois estão com um grande estoque de carne queimada”
- “Os que morreram, eram nazistas reencarnados que mataram os judeus na camara de gás. Vejam que a arquitetura da boate lembra o espaço de uma camara de gás. Além disto eles todos eram brancos, o que lembra os alemães. Conformem-se, pois eles apenas pagaram carma”
Será que estas pessoas que escrevem este tipo de mensagem tem noção do mal adicional que estão causando ? Que tipo de ruína sentimental provoca este tipo de comentário ?
Outra coisa : qualquer celebridade ou pessoa publica que manifesta solidariedade é logo acusada de “querer aparecer”.
Vejam o caso do Luan Santana. O cara, certamente entristecido, fez uma homenagem a uma das vítimas que era sua big fâ, gravando um clip caseiro com uma musica em especial que ela gostava. Foi o que bastou para muitos o acusarem de , conforme disse antes, “querer aparecer”.
Meu Deus, que classe de pessoa só tem olhos negativos ? Só consegue se manifestar com virulência, veneno, crueldade ?
Minha tese é que este tipo de gente é miserável emocionalmente.
Gente que não ama, não é amada e assim desconhece o que é compaixão e chafurda na aridez dos sentimentos.
Fico pasmo, realmente.
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Reproduzo abaixo entrevista que o psiquiatra inglês Colin Murray Parkes, autor do "Luto – Estudos sobre a perda na vida adulta (Summus, 1998)", concedeu a revista Veja.
VEJA ENTREVISTA Colin Murray Parkes
A dor da morte
O
psiquiatra inglês diz o que alivia e o que agrava o sofrimento causado pela
perda de alguém muito próximo
Na
qualidade de um dos mais respeitados estudiosos do luto do mundo, o psiquiatra
inglês Colin Murray Parkes, 79 anos, viu de perto grandes tragédias e o
sofrimento que elas podem causar a populações inteiras. Em 2005, ele foi
chamado pelo governo britânico para dar assistência psicológica a vítimas do
tsunami que atingiu vários países banhados pelo Oceano Índico, matando um total
de 225 000 pessoas. Três anos antes, havia trabalhado na assistência a parentes
de vítimas dos atentados de 11 de setembro em Nova York, que resultaram na
morte de quase 3 000 pessoas. Mas o trabalho de Parkes não se resume a apoiar
as vítimas de grandes desastres: consultor até o ano passado do St.
Christopher's Hospice, hospital inglês que é a maior referência mundial em
tratamento de pacientes terminais, ele lidou por mais de quarenta anos com
dramas cotidianos: aqueles vividos pelas famílias que perderam alguém no leito
do hospital. Em entrevista concedida a VEJA, o psiquiatra falou sobre a dor de
quem vai e de quem fica e como lidar com ela.
Veja – O
que se pode fazer para ajudar uma pessoa que perdeu alguém?
Parkes – Ficar próximo dela, abraçá-la, fazê-la sentir-se compreendida e
segura. Para as pessoas que perderam alguém, especialmente se a morte estiver
ligada a uma situação criminal, o mundo pode parecer um lugar bastante
perigoso. Parentes de vítimas ficam assustados e chegam a ter medo de
estranhos. Para ajudar essas pessoas, é preciso despertar sua confiança e
transmitir-lhes segurança para começar a falar e a pensar naquilo que as faz
sentir-se em perigo. Deixá-las expressar sua tristeza também é importante. Ouço
muitas reclamações de enlutados. Eles dizem que a família não os deixa chorar –
quer vê-los alegres o tempo todo. Não há nada pior do que alguém lhe dizendo:
"Não quero ver você triste assim, por favor!". Outra coisa que
devasta essas pessoas é quando elas percebem que os vizinhos e os amigos se
afastam delas. Escuto muitas histórias de enlutados que afirmam que seus
vizinhos mudam de calçada quando os vêem chegando. É evidente que eles não
fazem isso de propósito. O fato é que ninguém sabe lidar direito com a morte.
Veja – E
no caso de familiares de vítimas de grandes tragédias, como a do acidente da
TAM, no Brasil? Como amenizar seu sofrimento?
Parkes – No período imediatamente posterior ao acidente, o que as
famílias mais precisam é de informação e instrução. Psicologicamente, é mais
fácil lidar com más notícias do que com a falta delas. Não se deve tentar
proteger as famílias escondendo dados que possam machucá-las. As informações
servem para que as pessoas tenham tempo para digerir o terror e organizar suas
esperanças, assim como suas hipóteses sobre a tragédia. Já as instruções são
fundamentais porque, nesse momento de aflição máxima, os familiares não têm
condições de resolver nada e precisam de alguém que assuma o controle da
situação. E isso tem de ser feito de forma bastante objetiva – não há espaço
para debates democráticos, do tipo: "Familiares das vítimas, vocês
preferem ficar aguardando informações em um hotel ou aqui no aeroporto?".
É necessário que alguém passe ordens. O cuidado psicológico propriamente dito
vem numa fase posterior.
Veja – Em
que ele consiste?
Parkes – Em casos de desastres que podem ter sido causados por
leniência, descaso ou falha humana, é comum haver um sentimento generalizado de
raiva entre os familiares. Os parentes querem, a todo custo, encontrar e, por
vezes, agredir o culpado – ou os culpados – pelo desastre. Psicólogos e médicos
destacados para cuidar dessas pessoas devem escutar suas queixas, mas,
principalmente, tentar conter a instalação de um ciclo de raiva. O sentimento
de ira não ajuda o enlutado a se organizar emocionalmente, nem mesmo alivia sua
dor. É fundamental também trabalhar para que cada família tenha certeza de que
seu caso será analisado – seja por psicólogos, seja por autoridades – de
maneira individualizada. Em grandes desastres, as famílias tendem a achar, e
não se pode tirar a razão delas, que a morte de seu parente está sendo
banalizada. Isso acontece, entre outros motivos, porque as notícias veiculadas
na imprensa, na maioria das vezes, falam do número total de mortes, e não
especificamente do parente dela. Para um marido que perdeu a mulher, o que
importa é a morte daquela mulher, não a de 200 pessoas.
Veja – É
mais difícil aceitar a morte quando não se tem o corpo do morto?
Parkes – Sem dúvida. É difícil acreditar que aquela pessoa morreu quando
não vemos o corpo dela e não realizamos os ritos fúnebres. No episódio do 11 de
Setembro, muitas famílias britânicas, que nós assistimos, não conseguiram ter
de volta os corpos de seus parentes. Um de nossos trabalhos foi ajudá-las a
acreditar que eles tinham mesmo morrido. Estudei uma tribo de pescadores, nas
Filipinas, que chega a fazer um ritual substitutivo para lidar com uma situação
dessas. Quando um dos integrantes da tribo morre no mar e seu corpo não é
resgatado, a família faz uma estátua e a veste com as roupas do morto. Eles
acreditam que, assim, a alma do falecido encarnará na estátua. E é essa estátua
que enterram.
Veja – Na
escala da dor, qual é o pior tipo de morte para quem fica?
Parkes – O que implica sentimentos de culpa pode ser considerado o pior.
É o caso, por exemplo, do pai que vê o filho morrer em um acidente de carro e
acha que poderia tê-lo socorrido, ou de uma pessoa que se sente responsável
pelo suicídio de outra. Em segundo lugar, bem próximo do primeiro, eu diria que
estão as mortes por assassinato.
Veja – Qual
é o povo que lida melhor com a morte?
Parkes
– Penso que os orientais se preparam melhor para a morte do que nós. No
Japão, eles fazem oratórios com sinos, que, segundo crêem, invocam a pessoa
morta a cada vez que são tocados. Desse modo, acreditam manter-se em contato
com o espírito de seus mortos. De certa maneira, é isso que a terapia tenta
fazer com os enlutados: ajudá-los não a esquecer seus mortos, mas a achar um
lugar para eles em sua vida.
Veja – Quem
lida melhor com a morte, os homens ou as mulheres?
Parkes – As mulheres, sem dúvida. Elas conseguem expressar seu
sofrimento mais facilmente. E, uma vez vivenciado esse sentimento, elas podem
fazer aquilo que se costuma chamar de "tocar a vida para a frente".
Já os homens têm uma enorme dificuldade de mostrar sua fragilidade diante da
morte. Por isso, têm também mais dificuldade de se organizar para continuar
vivendo.
Veja – O
que se deve dizer a um conhecido que acaba de perder alguém?
Parkes – As pessoas enlutadas, em geral, têm um alto grau de
sensibilidade a tudo o que não seja sincero: elas percebem facilmente se alguém
está fingindo tristeza ou dizendo uma palavra de conforto apenas porque foi
instruído a fazê-lo. Por isso, o que quer que você diga nessa situação deve vir
do coração.
Veja – Até
o ano passado, o senhor trabalhava como consultor psiquiátrico de um hospital
especializado no cuidado de pacientes terminais. Do ponto de vista psicológico,
o que se pode fazer para amenizar o sofrimento desses doentes e de suas
famílias?
Parkes – Além de tentar transmitir os mesmos sentimentos de amor e
solidariedade, acho que dizer a verdade sempre ajuda. Quando alguém está
morrendo, as pessoas, querendo ajudar, cometem erros clássicos. Um deles é
fingir que a pessoa não está doente: "Você está com uma cara ótima
hoje!", diz um parente. É evidente que é mentira, e o paciente sabe disso,
mas compactua com o fingimento porque também quer proteger o familiar. Isso
cria uma situação horrível! Certa vez, falei com uma senhora no dia em que o
marido dela deu entrada no hospital em que eu trabalhava. Ela me disse: "O
senhor não vai dizer ao meu marido que ele tem câncer, vai?". Eu havia
acabado de conversar com o marido dela, que já me contara que tinha a doença!
Eu perguntei: "O que faz a senhora achar que ele não sabe?". Ao que
ela respondeu: "Ele sempre morreu de medo de câncer. Se o senhor lhe
contar, ele vai morrer!". Eu falei: "Conversei com seu marido. Ele
sabe". Ela: "Sabe? Por que ele não me contou?". Respondi:
"Talvez esteja querendo protegê-la". Ela entendeu: "Como nós
fomos bobos!". Voltamos à cabeceira da cama e eu deixei o casal
conversando. Voltei meia hora depois. Eles estavam sentados com os braços
entrelaçados. Ela chorava copiosamente e dizia: "Fomos tão bobos,
não?". Mas, ao mesmo tempo, ela sorria. É que, finalmente, havia
conseguido se comunicar com o marido.
Veja – O
senhor foi chamado pelo governo britânico para cuidar de vítimas do tsunami.
Como foi esse trabalho?
Parkes – Estive na Índia um mês depois da tragédia. Peguei a fase da
reconstrução do lugar. Como morreram mais mulheres e crianças, encontrei muitos
homens devastados e entregues à bebida. Eles haviam perdido a mulher, os filhos
e os barcos com que ganhavam a vida, mas tinham uma resistência muito grande em
aceitar ajuda psicológica. Lá, homem não chora. Fiquei estudando qual o melhor
modo de ajudar aqueles sobreviventes. Depois de alguns dias, concluí que a
melhor forma seria estimulá-los a participar da reconstrução de suas vilas e
casas. Coordenei, então, mutirões de obras. Organizava os grupos que fariam as
casas e os barcos. E, evidentemente, dava apoio psicológico e individual quando
era solicitado.
Veja – E
como foi o trabalho com as vítimas do 11 de Setembro?
Parkes
– O governo do meu país me escalou para cuidar das famílias de vítimas
britânicas que haviam
morrido no atentado. Os melhores policiais da
Grã-Bretanha foram enviados a Nova York para nos ajudar. Meu primeiro trabalho
foi formar duplas constituídas por um policial e um terapeuta. Essas duplas
receberam cada avião que chegou do Reino Unido. No total, foram 120 familiares
de vítimas. Nesse caso, meu trabalho não foi propriamente o de um terapeuta,
mas sim o de um grande produtor: tinha, por exemplo, de garantir que houvesse celulares
suficientes, salas de entrevista, esse tipo de coisa. Mas logo fiquei
conhecendo as famílias, já que estavam no mesmo hotel que nós. E o que eu e os
outros psiquiatras da minha equipe percebemos foi que elas tinham uma grande
necessidade de procurar seus mortos – ainda que a morte deles parecesse um fato
inexorável. Os americanos haviam disponibilizado computadores que, operados por
policiais, informavam o nome de todos os sobreviventes internados em hospitais
de Nova York. Nós já tínhamos vasculhado esses registros e sabíamos que os
parentes dessas famílias não estavam lá, mas elas insistiam em procurar por
conta própria. Então, em vez de as obrigarmos a aceitar a informação de que as
pessoas que elas amavam estavam mortas, ficamos ao lado delas, observando-as
enquanto faziam a busca. Também as ajudamos a colar cartazes em postes com as
fotos e os nomes dos parentes desaparecidos. Quanto mais fotos elas colavam,
mais se davam conta de que não daria resultado. A compreensão foi vindo de
forma gradual. Uma coisa que também ajudou nesse processo foi o fato de que
muitas pessoas enlutadas passaram a se encontrar diariamente na Union Square, a
área verde mais próxima do desastre. As famílias se sentiam bem lá, conversavam
e choravam juntas. Isso colaborou para fazer com que, aos poucos, elas fossem
entendendo que as pessoas que elas procuravam não voltariam mais. Foi uma boa
terapia.
Veja – Por
que o senhor decidiu trabalhar nessa área?
Parkes – Eu ainda era um jovem médico em Londres quando fui chamado para
fazer meu primeiro parto. O médico-chefe me disse que o procedimento seria
simples porque o bebê era anencéfalo e, por ter uma cabeça pequena, sairia
facilmente da mãe. Ele me disse ainda para não mostrar o bebê à mãe. Fiquei
chocado com isso. Também me incomodava o modo como os médicos tratavam os
pacientes. Achavam que era perigoso se aproximar e se envolver emocionalmente
com eles. Nunca chegavam muito perto do leito. Quando resolvi me especializar
em psiquiatria, direcionei meus estudos para os piores tipos de sofrimento
humano. Justamente nessa época, na clínica onde eu trabalhava, dois pacientes
se suicidaram depois de passar por um forte stress causado por luto. A partir
daí, foquei meu trabalho na recuperação de pessoas que haviam perdido alguém.
Mas às vezes é muito difícil para mim fazer esse trabalho. Os grandes
desastres, por exemplo, me deixam bastante abalado.
Veja – O
que mais o abala nessas situações?
Parkes – Ver o sofrimento em massa. É avassalador. Depois do 11 de
Setembro, assim que voltei de Nova York, tirei férias e viajei com meus netos.
Eles disseram que eu não era mais o avô de sempre. Disseram que eu estava longe
– e estava mesmo. Minha cabeça não saía de lá. É difícil ser a mesma pessoa
depois de ver uma tragédia dessas.
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