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Hino do Blog : " ...e todas as vozes da minha cabeça, agora ... juntas. Não pára não - até o chão - elas estão descontroladas..."
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Wednesday, April 18, 2018

Teatro - Traga-me a cabeça de Lima Barreto



Como é possível um negro ser um pensador, um intelectual?  

Como é possível um negro ser escritor, um artista? 

Como é possível que um negro tenha produzido uma obra tão vultosa ? 

Perplexos, “cientistas” e seguidores da  Eugenia (uma crença  que proclamava a possibilidade de  apurar a raça humana a partir da reprodução seletiva daquelas que eram consideradas as melhores características hereditárias – e nas quais os negros não se enquadravam),  decidem autopsiar a cabeça de Lima Barreto, para tentar descobrir porque ele calhou de ser um “negro com talento”, um escritor, um cronista, um ensaísta, um contista,  habilidades que – segundo os mestres da eugenia -  seriam exclusivas da raça branca.

E a autópsia ocorre.

Mas eis que, resgatado do além,  o espírito furioso de Lima Barreto acompanha e interage com o “estudo” e, ao mesmo tempo,  mergulha, de forma visceral, nas suas próprias memórias, nas suas lembranças, repassando ( e reenfrentando ) os desafios, sofrimentos e tristezas da sua vida.

E tudo vem num jorro destruidor : ira, ódio, revolta,  solidão, loucura, amor, alcoolismo, inveja, pobreza, falta de reconhecimento, família, racismo.

Assim é 'Traga-me a cabeça de Lima Barreto', espetáculo interpretado de forma magistral por Hilton Cobra  e apresentado na  abertura do FestiPoa Literária, no Teatro São Pedro.

A peça é uma porrada só. Legítima representante do teatro manifesto, do teatro engajado.

Sim, pois tudo o que se vê em cena tem um único objetivo : discutir, denunciar e combater o cancro do racismo.

A coisa é tão explícita e passional que, em um determinado momento, a plateia é incitada a gritar um “Marielle Vive!!” e o povo corresponde em massa, totalmente arrebatado.
  
Por isto, vê-se que o recado é tri bem dado por esta obra criada para chocar, repugnar e indignar, mostrando o racismo na sua forma mais vil, abjeta e desumana.

Mas ainda bem que, graças aos Orixás, o final é grandioso, emocionante e libertador, com a celebração da completude, da legitimação e da integridade do homem negro Lima Barreto. 

E, é claro, o povo se acaba em palmas e gritos de “bravo” (entre algumas lágrimas).

Fantástico.


Pela sua proposta 'Traga-me a cabeça de Lima Barreto' me lembrou muito “O Topo da Montanha” que também ia fundo na questão racial através da figura do Martin Luther King. 

Só que, é claro, “O Topo..” é uma produção “broadwayana” com as super estrelas Lázaro Ramos e Tais Araujo;  beeeem diferente do “ 'Traga-me a cabeça “, uma produção tri enxuta e sustentada apenas por um ator (mas que vale por vinte, diga-se de passagem). 

Mas o que importa é que as duas obras trazem a sempre necessária questão do racismo, um mal inventado pelo homem “racional”, “inteligente” e “evoluído” (que bela bosta).

Super.

Monday, April 16, 2018

Filme - O Jogador Número Um


“Kira é o Rosebud de Halliday !”.

Quando ouvi esta frase no filme “Jogador Numero 1”, do Steven Spielberg, vi que a coisa não tinha mais salvação.

Vamos lá, por partes.

Kira é um dos segredos inseridos pelo programador Halliday (já falecido antes do filme começar) no game OASIS (um jogo que praticamente substituiu tudo da vida real), e que deve ser desvendado.

Mas quem inspirou a criação de Kira?

Kira representa um caso de amor mal resolvido de Halliday na vida real.

E qual a dica para encontrá-la?

Algo do tipo “um criador que rejeitou sua criatura”.

E o que significa isto?

Os adolescentes antenados - a galera de heróis do filme - rapidamente descobrem, analisando um detalhe da vida de Halliday, que o criador é Stephen King e que a “criatura” é o filme “O Iluminado” dirigido por Stanley Kubrick.

Sim, Stephen não gostou do que Kubrick fez com a adaptação do seu livro e rejeitou o filme.

Então o que os adolescentes fazem?

“Entram”, através de seus avatares, no filme “O Iluminado” para descobrir onde Kira está escondida.

Como assim?

Sim, eles se infiltram no filme do Kubrick para encontrar e solucionar Kira.

Então, a partir daí, vemos a reprodução de algumas cenas mais icônicas do Iluminado sob o formato de game, porém agora não assustando os personagens do filme e sim os avatares dos adolescentes nerds.

Cenas tipo da mulher podre da banheira, do corredor de sangue, do retrato do final filme, das machadadas, do labirinto na neve, das referências ao quarto 237, etc, tudo reduzido a “perigos” a serem enfrentados por um ninja, um ogro e seus companheiros.

É claro que quem não viu O Iluminado não entende merda nenhuma do que está acontecendo e só vê um grupo de avatares correndo, gritando e lutando em cenários sem sentido.

Que bela bosta.

Mas, voltando ao início (e repetindo), o personagem diz :

“Kira é o Rosebud de Halliday !”.

Como?

Que merda é “ Rosebud”?

Para quem não sabe, "Rosebud" é o nome do trenó icônico do filme Cidadão Kane (do Orson Welles) que representaria talvez o amor verdadeiro.

Então vamos ao arco :

Kira (um mistério do OASIS) é o Rosebud (Cidadão Kane – Orson Welles) do Halliday que está escondido no filme O iluminado (dirigido por Stanley Kubrick),baseado no livro do Stephen King (o tal criador que rejeitou a criatura).

Quando tudo isto “se fecha” na tua cabeça tu pensa : será que tem alguém dentro deste cinema que tá entendendo que porra tá acontecendo?

Será que este bando de adolescentes (e adultos) sabem o que é Rosebud?

Será que viram o filme do Welles?

Sabem quem é Kubrick?

Sabem da treta do Kubrick com o King?

Todos viram O Iluminado e sabem o que é o quarto 237?

Sabem que o Spielberg comprou por 55 mil dólares o Rosebud original do Citizen Kane num leilão da Sotheby´s, e que agora – pelo jeito - tá querendo ostentar e mostrar que é o dono do brinquedinho?

Mas a coisa não fica só nisto.

O Jogador Número Um é um desfile absolutamente entediante de referências à chamada “cultura cult-pop”.

A coisa chega a um ponto que tu fica tipo : ah, que bosta... mais uma referência cult pra alegrar quem conhece a porra e se achar mais esperto...

E é um bombardeio sem pausas.

Só para citar alguns “itens pop” inseridos no filme :

Em termos de personagens : Alien, Chucky, Freddie Kruger, Batman, Robocop, King Kong, Godzilla, Thundercats, Spawn, Tartarugas Ninja, Hello Kitty, Marvin o Marciano, Speed Racer, Akira, e muiiitoooos outros

Em termos de filmes e séries : Jasão e os Argonautas, Exterminador do Futuro, O Clube dos Cinco, Curtindo a Vida Adoidado (aliás, rola uma referência de destaque – uma homenagem? - ao John Hughes. Mas quem atualmente sabe quem é John Hughes?), A Mosca, Monty Python e o Cálice Sagrado, Caçadores da Arca Perdida, Jurassic Park, Jornada nas Estrelas, Star Wars, Gallactica, Excalibur, Tron e muito mais.

Em termos de música : Duran Duran, New Order, Joy Division, Bllly Idol, Rush, Bee Gees, Aha, Michael Jackson, Prince, Devo, etc.

Em termos de games : Minecraft, Street Fighter, Sonic, Tomb Raider, Dungeon and Dragons, Atari, Sword Quest, etc.

Em termo de livros : Duna, O Iluminado (os que notei, mas pode ter mais)

E aí tu pensa : pra que tudo isto? Qual a necessidade?

Spielberg perdeu a mão para filmes de ação e precisa criar este carnaval patético para impressionar?

Será? ...

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Saí do “Jogador” me lembrando do “Encurralado”, o filme do Spielberg em início de carreira que mostrava apenas um caminhão perseguindo um carro. ...Só isto.

Sem efeitos, sem explosões, sem gritarias e que funcionou tri bem.

Uma verdadeira aula de suspense.

Também me lembrei do Caçadores, do Tubarão e do primeiro Jurassic, verdadeiras obras primas de ação e tensão.

... Que lástima.

E é triste constatar que, ao mesmo tempo que O Jogador Número Um (uma produção milionária) esteja em cartaz, também esteja o Um Lugar Silencioso, um filme simples e barato que funciona infinitamente melhor como entretenimento pipoca.

Enfim...

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Mas para não dizer que sou rabugento e que não gostei de nada no filme, gostei muito do “beijo lésbico que não foi”.

Achei tri esperto.

Explico :

Um humano real pode escolher qualquer tipo de avatar no OASIS, inclusive do sexo oposto.

Quando conhecemos os “avatares amigos”, vemos que faz parte da turma um ogro forte e grandão, tipo o fodão da galera (que também é mecânico, com oficina e tudo).

Numa determinada cena, este fortão é meio que seduzido por uma bela mulher virtual e, não acreditando na própria sorte, parte logo para um beijo super caliente.

Só que a coisa dá merda e o beijo não rola.

Depois, quando é revelado quem está por trás do “avatar Ogro”, vemos que é uma garota tipo grandona, tipo forte, tipo caminhoneira ...............

Hehehehehhe ... amei .... achei hilário...

Foi a única coisa que me agradou no circo todo, pois, de resto, o Jogador Número Um é uma bosta mastodôntica apocalíptica.

Lixo total..

Monday, April 09, 2018

Filme - Um Lugar Silencioso



Uma das formas mais incríveis das possibilidades narrativas é a fantasia.

De contos de fada, histórias de fantasmas e invasão alienígena à sagas tipo Senhor dos Anéis, Harry Potter e Matrix, a fantasia mostra que a imaginação humana não tem limite quando se trata de criar “irrealidades”.

Porém, por mais imaginativo que possa ser o universo e/ou situação inventada, qualquer narrativa tem que carregar em si a chamada “verossimilhança interna”, aquele conjunto de regras que fazem sentido para a trama, mesmo que o cenário da história seja o mais fora da casa possível.

Obviamente uma forma de criar verossimilhança em qualquer universo (real ou irreal) é colocar os personagens em situações de entendimento universal tipo heroísmo, bravura, amor, sacrifício, culpa, arrependimento, e qualquer outro tipo de emoção que explicite valores humanos fundamentais .

“Um lugar Silencioso” une estes dois aspectos (universo absurdo e valores humanos) de forma primorosa e entrega um filme extremamente original.

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A trama :

Num mundo devastado pelo que parece ser um ataque de monstros que identificam e caçam suas presas através de sons emitidos em determinadas frequências (quando e como os monstros surgiram não é mostrado e nem é o propósito da história), vemos uma família (pai, mãe e filhos) tendo que conviver em silêncio quase absoluto a fim de não serem percebidos pelos predadores que infestam o local (uma área rural).

Nesta situação a família até consegue estabelecer um cotidiano relativamente tranquilo se comunicando através de sussurros, linguagem de libras e alguns códigos criados por eles mesmos.

Só que, é claro, merdas acontecem e, quando o terror explode (e os monstros atacam), todos terão que lutar para além protegerem suas próprias vidas, também lutar para proteger aqueles que amam.

Então, a partir daí, quando o barco começa a afundar, é insuportavelmente angustiante acompanhar o terror e a dor (física e/ou emocional) manifestados pelas lágrimas e desespero congelado nas gargantas de pais e filhos.

É cagaço atrás de cagaço sem parar.

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O elenco está fantástico.

John Krasinski faz o pai (além disto, ele é o diretor e um dos autores do roteiro).

Millicent Simmonds (surda na vida real) e Noah Jupe fazem os filhos.

Mas o filme é de Emily Blunt, a mãe.

Sua performance é a interpretação de uma vida.

A sequência dela dando a luz sem emitir um único som é apenas aterradora.

Medo total.
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Aliás, o silêncio é um dos protagonistas do filme, o que é totalmente inusitado.

É surpreendente que, numa época de sessões pipoca repletas de explosões e gritarias ( tipo Avengers, Transformers, Star Wars, velocidade, tiroteio, etc), um filme tenha a ousadia de apostar na ausência de som como elemento fundamental do suspense.

E a coisa funciona tri bem.

Tanto que o público compra a ideia e fica petrificado durante boa parte da projeção.

E é aí, quando não ouvimos sequer uma respiração no cinema, que percebemos a inteligência e força narrativa deste filmaço que já é um clássico do terror.

Super

Monday, April 02, 2018

Filme - Along With The Gods - The Two Worlds.




Kim Ja-hong é um bombeiro sul coreano que morre em um ato heroico no cumprimento do dever.

Assim que desencarna, sua alma é recebida no além por três guardiões (Hewonmak, Deok-choon e Kangrim) que têm a incumbência de leva-lo através de 7 reinos para que seja julgado pelos seus atos em vida.

Cada um dos reinos – com seu respectivo inferno - é associado a uma ação negativa.

Assim, ele terá que passar pelo julgamento dos atos de Traição, Violência, Impiedade Filial, Assassinato, Indolência, Trapaça e Injustiça.

Se for absolvido em todos, reencarnará imediatamente.

Porém, se for condenado em qualquer um dos reinos, ficará preso no inferno respectivo até expiar sua culpa (o que pode ser para sempre).


No entanto, o que diferencia Kim das outras almas é que ele -por seus méritos de vida - é um “Modelo Ideal”.

Se alguém nesta condição for totalmente inocentado possibilitará que os guardiões também reencarnem.

Assim, é de interesse de Hewonmak, Deok-choon e Kangrim que Kim Ja-hong ultrapasse todos os reinos, e, desta forma, permitir que todos sejam beneficiados.

Mas a alegria dos guardiões dura pouco, pois, assim que começam a passar pelos reinos, descobrem que Kim -apesar de ser um Modelo Ideal- possui registros em cada um deles.

É como se diz : de boa intenção o inferno está cheio.

É aí então que os guardiões têm de usar toda sua astúcia para defender Kim diante de cada um dos sete reis.

Para complicar a situação, o trajeto de Kim no reino espiritual é perturbado pela ação de um espírito vingativo - que seria a alma de um parente agindo para destruir algum encarnado.

Deste modo, mesmo Kim não tendo nada a ver com o peixe. os guardiões têm que, além de acompanha-lo nos sete reinos, também descobrir qual é o espírito parental revoltado e, assim, também, de certa forma, resgatá-lo.

 
 A partir deste momento o filme alterna a ação em dois planos : na Terra com o guardião Kangrim acompanhando os destinos da mãe e do irmão de Kim (de nome Kim Su-hong) -um dos dois (ou outro parente) poderia ter se tornado o espírito vingativo- , e, no mundo espiritual, com Hewonmak e Deok-choon lutando pela absolvição do ex-bombeiro nos próximos reinos.

Confesso que, quando isto acontece, fica meio complicado acompanhar a trama.

É bizarro para nós ocidentais sabermos quem é quem na profusão de personagens asiáticos (todos com a mesma cara e com nomes tipo Kim Ja-hong, Kim Su-hong, Won Dong-yeon, Deok-choon, etc).
 
Mas, passado este estranhamento inicial, e depois que a trama é esclarecida, fica fácil ir adiante.

 


E vale muito a pena.

O filme segue revelando camadas insuspeitas que chocam e desestruturam o que pensávamos já certo a respeito dos personagens.

Tu fica tipo : que porra é esta? Como assim?

Mas, no fim das contas, o que fica claro é que eles são “apenas” humanos que, diante de determinadas circunstâncias, tomaram atitudes que, dependendo do ponto de vista, seriam “condenáveis”.

Demais.

O final apoteótico é daqueles “feito pra chorar”. E chorar muiiitoooo (quase uma catarse) ....
Sei, sei....é piegas pra caralho, mas não pude resistir. Me vi lavado em lágrimas (de soluçar). Ainda bem que estava sozinho.

Gostei de verdade.

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Complementando :


Baseado numa WebToons, Along With The Gods - The Two Worlds é segunda maior bilheteria da história da Coréia (isto em Fevereiro de 2018).

Muito merecido.

E o que é legal é que, após o “fim”, rola um extra com uma cena com Dong-seok Ma – o “Stallone da Coreia” e co-astro do Invasão Zumbi – dando uma palhinha na sequência prometida para Agosto de 2018.

Oba !