Amour - Poster |
Só consigo "atacar" seus longas após uma “preparação”, que inclui entre outras coisas, exercitar um reforço emocional a fim de não sair arrasado do outro lado.
Sim, porque depois de assistir , por exemplo, “A professora de piano”, “Cache”, “O sétimo continente”, “A fita branca” e “Violência Gratuita”, dizer que saí “perturbado” é pouco.
O que seus filmes me causam são, digamos, “experiências bizarras”. Isto no sentido de que acabo revolvido, moído e remoído, meio zumbi no deserto.
Então, sabendo disto, porque continuo a ver suas obras ? Porque insisto em praticar este jogo masoquista ?
Será por ele ser o maior diretor de cinema em atividade ? Será porque , dentro da sua coragem, suas obras transcendem em muito a “arte cinematográfica” e acabam fuçando de forma implacável nas patologias mais darks da alma humana ? Será porque de seus filmes sempre se esperam “supresas” – terríveis é certo – e elas sempre acontecem e nos detonam ? Será porque ele não tem piedade dos seus espectadores – e nem de seus personagens - e isto acaba nos atraindo de uma forma meio medonha? Será porque ele, de forma absolutamente fria, muitas vezes ultrapassa os limites do “suportável” e, mais do que “chocar”, “acaba ” com os miolos das criaturas ? Será porque dentro desta “perversidade”, ele escancara e joga na nossa cara “naturezas humanas” (instintos, sentimentos, emoções, taras, desvios e outras amenidades do gênero), que muitas vezes negamos , fingimos desconhecer ?
Não sei.
Eu diria que é isto tudo e muito mais, e assim permaneço fiel entre a repulsa e a fascinação.
Então ao sentar para assistir “Amour” eu tinha certeza de que não sairia incólume depois de duas horas.
E não deu outra.
Acabei o filme completamente em frangalhos, totalmente depenado.
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Haneke dirige Emanuelle e Jean-Louis |
Assim, direto, sem maquiagem nem vaselina.
Haneke disse que começou a escrevê-lo depois que se perguntou : "Como é lidar com o sofrimento de alguém que amamos ?”.
E isto é o que o longa explora de forma soberba ao contar a história (ou final da ) de Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva), um casal de cultos músicos octagenários aposentados, que moram sozinhos em um amplo apartamento em Paris ( Eles têm uma filha - Isabelle Huppert - que mora no estrangeiro e ocasionalmente os visita).
Certo dia Anne sofre um derrame e fica com um lado do corpo paralisado. De volta ao lar ela faz Georges prometer que, aconteça o que acontecer, ele não a mandará de volta hospital e que a cuidará em casa.
Georges concorda e, a partir daí, - a medida em que a doença avança - acompanhamos a declínio físico e psíquico de Anne, ao mesmo tempo em que testemunhamos a luta dolorosa e infrutífera do esposo para evitar a total decadência da amada.
Porém Anne torna-se cada vez mais incapaz e passa a necessitar de auxilio (profissional ou não) para tudo.
Aos poucos perde os movimentos, a fala, o raciocínio, a razão. Gradativamente torna-se uma “criança assustada” e desamparada, que geme, chora e chama pela mãe.
George acompanha atônito a decrepitude da esposa. Sabe-se derrotado diante da perda inevitável da companheira mas, mesmo assim, faz tudo o que pode para ajudá-la.
Tudo obviamente inútil, e o final já é revelado no início : morte.
Fim.
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Falar de “interpretação” aqui é quase uma ofensa.
Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva estão além de qualquer elogio.
Ele (outrora um ator belíssimo) estampa uma máscara de perplexidade e dor absolutamente real.
Ela faz uma Anne quase “documental “.
Não é uma atriz o que está em cena, e sim a explicitação terrível de uma dolorosa verdade humana.
Algumas de suas cenas são quase “inaterpretáveis “ (sic). Então como ela conseguiu? Isto se chama “talento”? .. ou é outra coisa misteriosa?
Com Emmanuelle nós praticamente testemunhamos a morte de uma pessoa e não uma atriz interpretando a morte de uma pessoa.
Só vendo para acreditar - e dizer mais é desnecessário.
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Georges desperta de um pesadelo |
Isto demonstra que o maldito sabe que o povo vai enfrentar uma barra punk com suas obras, que sabe que vai incomodar e mexer com as pessoas.
No caso de “Amour” , não apenas incomoda e mexe, mas também arruína corações e mentes dos espectadores.
Eu simplesmente chorei.
E o mais apavorante é que o filme não tem nenhuma cena piegas, daquele tipo com um personagem debulhado em lágrimas sob uma orquestra de violinos.
Muito pelo contrário
O estilo frio, lento e minimalista do bruxo é absurdamente eficiente em abrir um pequeno corte através do qual ele vai pacientemente eviscerando o incauto assistente.
De repente tu te pega vazio, murcho, desossado, testemunhando uma tragédia, e tão impotente quanto os protagonistas diante do inexorável fim da existência.
Então o que resta fazer ? Chorar.
Mas tu chora por quem ?
Pela Anne, pelo Georges, pela morte dos teus amados ou pela certeza da tua própria ?
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Trailer abaixo
4 comments:
Demais...compartilhei no face
Obrigado por passar aqui, guria.
Volte sempre
Excelente resenha Iuri! Acredito que o objetivo de Haneke se concretizou pois o filme apesar de ter um roteiro com fim predeterminado, dá margem a amplas interpretações a depender do ponto de vista do expectador. Fui especialmente tocada pelo filme e confesso que me surpreendi com a impressão que ficou... aprendi mais de mim, penso eu.
Obrigado por passar aqui, guria. Realmente o filme é fantástico e perturbador.
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