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Friday, October 25, 2013

Livro “As Correções” – Jonathan Franzen


As Correções 

As Correções é muito punk. 

O calhamaço de mais de 500 páginas nos brinda com uma trip super-neura pelos subterrâneos de uma típica família classe média americana. 

Alfred é o patriarca egoista, irascível, teimoso e preconceituoso. Engenheiro aposentado de uma estrada de ferro que vive, com Enid, sua esposa, em St. Jude, uma cidade fictícia Super-WASP. Perfeito exemplo dos “valores tradicionais”, trata sua mulher como lixo, um burro de carga sem voz e sem vontade que ele tiraniza, explora e desrespeita. Seguidor da linha “homem forte e macho”, do “homem utilitário e sério”, Alfred fracassa em desenvolver laços emocionais  com quem quer que seja. Assim, afunda-se na solidão e terror ao reconhecer a destruição do seu corpo e de sua mente pelo Mal de Parkinson. E, mesmo diante da crescente decrepitude geral, faz a linha “durão” e se recusa a pedir ajuda ou aceitar qualquer sugestão de mudança em seus velhos hábitos. Neste quadro da dor, o papai – como um pateta total  - passa por momentos de delírio, sedução pelo suicídio, luta pela vida, enfrentamentos com a família e desesperadas  batalhas com suas necessidades fisiológicas

Enid, a matriarca, empenha-se em construir  um mundo de fantasia, um mundo envernizado  onde sua família (completamente fraturada) surje como exemplos de cidadãos, com ótimas profissões, , ótimos relacionamento e ótimas realizações. Para construir e sustentar este universo de mentiras, ela recorre a diversos expedientes (principalmente o auto engano), culminando no uso de uma droga milagrosa, daquele tipo que “traz a felicidade”. Assim como Alfred, ela filtra sua relação com os filhos através de valores – na sua opinião corretos -  que só ocasionam afastamento e rancor. Apegada à felicidade de aparências, a mamãe empenha-se em montar “cenas familiares de felicidade”, e sofre pelo fato dos personagens errarem seus papéis.

Chip, o filho do meio, é um “intelectual de passeata”, como diria Nelson Rodrigues. Um cara – um professor cheio de ideias revolucionárias e “ousadas” -  que soa completamente anacrônico e é incapaz de qualquer ação prática e útil. Marxista naufragado, aproxima-se da completa alienação (e diga-se de passagem também quase torna-se  uma espécie de delinquente – em cenas absolutamente ridículas - ) após envolver-se com num escândalo sexual com uma de suas alunas (uma garota gostosa, disponível e rica). Absolutamente sem perspectivas e sem um tostão no bolso,  acaba na Lituânia, trabalhando – num tipo de atuação falcatrua  - para um vigarista empenhado em locupletar-se e, ao mesmo tempo, num viés patriota, “contribuir para o futuro do país”.

Gary seria o exemplo perfeito de um “vencedor”. Filho mais velho de Alfred e Enid é aquele tipo de cara bem sucedido socialmente, com um bom emprego, boa esposa, bons filhos; tudo emoldurado por uma bela casa repleta de avanços tecnológicos. Nada a reclamar, tudo perfeitamente encaixado numa foto colorida digna de um belo comercial familiar. Porém Gary é depressivo e quase alcoólatra, situações que ele se esforça para ocultar de sua esposa Caroline (uma megera) e dos filhos totalmente imbecilizados (tirando um, o Jonah, Mas que também acaba na vibe dos demais). Gary desconfia  que a esposa e filhos tramam contra ele e, seguidor dos manuais do tipo “como educar seu filho”, mostra-se incapaz de exercer qualquer papel educacional ou de respeito diante da sua plugada prole (devidamente associada à Caroline). Assim como sua infeliz mãe, Gary inventa “cenas de felicidade” ( do tipo churrasco para a família, passeios com o filhos, etc) que acabam sempre em raiva e mais neura. Com o objetivo  de “progredir”, de “levar vantagem” e , ao mesmo tempo “ocultar a infelicidade, o mêdo e a depressão”, Gary acaba  condenado a uma desgraçada existência de mentiras. Amaldiçoado  a sustentar uma  aparência de “realizado”, exatamente dentro daquilo que se espera de um típico vencedor, de um cara que “se deu bem na vida”, Gary é o perfeito quadro de um looser-winner (se é que isto existe).
Jonathan Franzen

Denise, a filha mais nova, segue a linha do pai no que se refere à seriedade profissional desde seu primeiro emprego. Como uma bem sucedida chef, encontra o reconhecimento pleno no alto mundo gastronômico. Porém, como não poderia deixar de ser, sofre de profundas doenças “da alma” e todos seus relacionamentos amorosos fracassam magnificamente. Com uma sexualidade ambígua (com um toque masoquista) ela alterna paixões com homens e mulheres de forma um tanto arriscada e suicida.  Assim,  logo ela se descobre insatisfeita e o “amor” desaparece entre entre brigas, mentiras e traições.

Todo este cenário bizarro vai culminar em uma reunião familiar  para “comemorar o último Natal”. O que rola alí vai desde o mais bizarro até o mais amoroso, passando claramente pela raiva, ódio, desconsideração, egoísmo e desamor. Sim amor e desamor misturados, o que afinal acaba traduzindo o relacionamento da imensa maioria das famílias de qualquer época ou país.

Livraço.

Autor : Jonathan Franzen
Editora : Cia das Letras.

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