As Correções |
As Correções é muito punk.
O calhamaço de mais de 500
páginas nos brinda com uma trip super-neura pelos subterrâneos de uma típica
família classe média americana.
Alfred é o patriarca
egoista, irascível, teimoso e preconceituoso. Engenheiro aposentado de uma
estrada de ferro que vive, com Enid, sua esposa, em St. Jude, uma cidade
fictícia Super-WASP. Perfeito exemplo dos “valores tradicionais”, trata sua
mulher como lixo, um burro de carga sem voz e sem vontade que ele tiraniza,
explora e desrespeita. Seguidor da linha “homem forte e macho”, do “homem
utilitário e sério”, Alfred fracassa em desenvolver laços emocionais com quem quer que seja. Assim, afunda-se na
solidão e terror ao reconhecer a destruição do seu corpo e de sua mente pelo
Mal de Parkinson. E, mesmo diante da crescente decrepitude geral, faz a linha
“durão” e se recusa a pedir ajuda ou aceitar qualquer sugestão de mudança em
seus velhos hábitos. Neste quadro da dor, o papai – como um pateta total - passa por momentos de delírio, sedução pelo
suicídio, luta pela vida, enfrentamentos com a família e desesperadas
batalhas com suas necessidades fisiológicas
Enid, a matriarca,
empenha-se em construir um mundo de fantasia, um mundo envernizado
onde sua família (completamente fraturada) surje como exemplos de
cidadãos, com ótimas profissões, , ótimos relacionamento e ótimas realizações.
Para construir e sustentar este universo de mentiras, ela recorre a diversos
expedientes (principalmente o auto engano), culminando no uso de uma droga
milagrosa, daquele tipo que “traz a felicidade”. Assim como Alfred, ela filtra
sua relação com os filhos através de valores – na sua opinião corretos -
que só ocasionam afastamento e rancor. Apegada à felicidade de
aparências, a mamãe empenha-se em montar “cenas familiares de felicidade”, e
sofre pelo fato dos personagens errarem seus papéis.
Chip, o filho do meio, é um
“intelectual de passeata”, como diria Nelson Rodrigues. Um cara – um professor cheio
de ideias revolucionárias e “ousadas” - que soa completamente anacrônico
e é incapaz de qualquer ação prática e útil. Marxista naufragado, aproxima-se
da completa alienação (e diga-se de passagem também quase torna-se uma
espécie de delinquente – em cenas absolutamente ridículas - ) após envolver-se
com num escândalo sexual com uma de suas alunas (uma garota gostosa, disponível
e rica). Absolutamente sem perspectivas e sem um tostão no bolso, acaba
na Lituânia, trabalhando – num tipo de atuação falcatrua - para um
vigarista empenhado em locupletar-se e, ao mesmo tempo, num viés patriota,
“contribuir para o futuro do país”.
Gary seria o exemplo
perfeito de um “vencedor”. Filho mais velho de Alfred e Enid é aquele tipo de
cara bem sucedido socialmente, com um bom emprego, boa esposa, bons filhos;
tudo emoldurado por uma bela casa repleta de avanços tecnológicos. Nada a
reclamar, tudo perfeitamente encaixado numa foto colorida digna de um belo
comercial familiar. Porém Gary é depressivo e quase alcoólatra, situações que
ele se esforça para ocultar de sua esposa Caroline (uma megera) e dos filhos
totalmente imbecilizados (tirando um, o Jonah, Mas que também acaba na vibe dos
demais). Gary desconfia que a esposa e filhos tramam contra ele e,
seguidor dos manuais do tipo “como educar seu filho”, mostra-se incapaz de
exercer qualquer papel educacional ou de respeito diante da sua plugada prole
(devidamente associada à Caroline). Assim como sua infeliz mãe, Gary inventa
“cenas de felicidade” ( do tipo churrasco para a família, passeios com o
filhos, etc) que acabam sempre em raiva e mais neura. Com o objetivo de
“progredir”, de “levar vantagem” e , ao mesmo tempo “ocultar a infelicidade, o
mêdo e a depressão”, Gary acaba condenado a uma desgraçada existência de
mentiras. Amaldiçoado a sustentar uma aparência de “realizado”,
exatamente dentro daquilo que se espera de um típico vencedor, de um cara que
“se deu bem na vida”, Gary é o perfeito quadro de um looser-winner (se é que
isto existe).
Jonathan Franzen |
Denise, a filha mais nova,
segue a linha do pai no que se refere à seriedade profissional desde seu
primeiro emprego. Como uma bem sucedida chef, encontra o reconhecimento pleno
no alto mundo gastronômico. Porém, como não poderia deixar de ser, sofre de
profundas doenças “da alma” e todos seus relacionamentos amorosos fracassam
magnificamente. Com uma sexualidade ambígua (com um toque masoquista) ela
alterna paixões com homens e mulheres de forma um tanto arriscada e suicida. Assim, logo ela se descobre insatisfeita e o “amor” desaparece
entre entre brigas, mentiras e traições.
Todo este cenário bizarro
vai culminar em uma reunião familiar para “comemorar o último Natal”. O que rola
alí vai desde o mais bizarro até o mais amoroso, passando claramente pela
raiva, ódio, desconsideração, egoísmo e desamor. Sim amor e desamor misturados,
o que afinal acaba traduzindo o relacionamento da imensa maioria das famílias
de qualquer época ou país.
Livraço.
Autor : Jonathan Franzen
Editora : Cia das Letras.
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