Eu
estou participando de uma Oficina de Contos ministrada pela escritora Cintia
Moscovich, aqui em Porto Alegre.
No
primeiro dia de aula a professora colocou como desafio a criação de um
personagem que deverá aparecer em todos os contos que iremos escrever durante a
Oficina.
A
cada aula ela estabelece um título e nós temos que desenvolver uma história a
partir daí.
É
uma coisa muito louca pois não sabemos o que ela vai definir como mote
para o conto semanal.
Já
estamos no conto numero cinco .
O
personagem que eu criei é o Francisco / Talitha, um travesti
perigoso.
Até agora o personagem apareceu como crliança, adulto e
adolescente - não sei se aparecera como velho e/ou se morrerá no final da
Oficina.
Esta
é minha primeira oficina de contos, portanto não tenho nenhuma pretensão de me
apresentar como um sábio escritor.
A verdade é que, depois de reler o que
submeti à mestra, fico chocado por ter deixado passar várias coisas que
não me agradam. Mas, como se diz, bola pra frente.
O
primeiro título é : O PERSONAGEM E AS RUINAS
(
Obs : Maria Degolada e Azenha são bairros de Porto Alegre)
Depois de caminhar desde a Maria Degolada até
a Azenha, Francisco sentou-se na imponente escadaria da Igreja Universal da
Oscar Pereira e amaldiçoou sua mãe.
- Aquela puta...
puta.
Sua cara ainda
ardia com a marca da última porrada. Maria era um mulher grande e sua mão
tinha o peso de um tijolo. E ela sabia bater. Fechava a mão e baixava a lenha
sem dó, sem cuidar onde os golpes pegavam. Francisco tentava se proteger,
mas seus braços finos, quase raquíticos, eram escudos de ar frente à força
heróica da mãe.
Sentido o sal
amargar sua boca, chacoalhou a cabeça como se quisesse expulsar da moleira os
berros histéricos daquela vadia.
- 12 anos e já
é puto ? Meu Deus, o que eu fiz para merecer isto ? Um filho veado que quer ser
mulher ? Já não basta eu ter me fodido com aquele bosta de negrão do teu pai,
agora ainda tenho que aturar isto ? Aqui em casa não ! Se tu quer ser
puto, vai ser na rua !
Novamente foi pego os
beijos com Walace – o garoto de 15 anos que morava no barraco ao lado. Na
primeira vez Maria o tinha trancado no quarto e aplicado uma sova que o deixou
doído três dias.
Porém desta vez sua
ira foi maior ao ver o filho borrado com sua maquiagem, querendo parecer uma
menina. E ainda por cima com algumas piranhas coloridas no cabelo
Furiosa, a mulher
avançou para os garotos que recuaram em pânico. Walace esquivou-se e fugiu
porta afora. Mas Francisco acabou sentindo o trato especial daquela mão
gorda diretamente na sua cara antes de também saltar rumo à rua.
Na luz do dia sua
cabeça foi tomada por um zunido misturado com dor e ódio. Sem notar,
cambaleou pelas vielas e becos alheio às piadas, xingamentos e propostas
obscenas que algumas pessoas faziam ao ver sua pequena figura mal
travestida
Agora se achava ali,
sentado nas escadarias da Igreja onde ele e sua mãe frequentaram alguns
cultos no passado, quando ainda pareciam se dar bem. Sentia-se perdido.
Uma boca de abandono e solidão corroía suas tripas. Tentou ter
idéia do que fazer mas seu pensamento parecia um rato atropelado na poeira.
Sentia sua cabeça diminuir, afundar num buraco de fraqueza e impotência
Voltar para aquela
vaca lhe parecia a pior coisa do mundo. Mas ir para onde ? Ir para a casa da
avó seria pior, pois a velha só sabia falar de Jesus e Bíblia, e ele achava
tudo aquilo uma merda. Deixou-se ficar por ali numa apatia desalmada até
que o acender das luzes da igreja dissipou a escuridão que o envolvia
- O que tu ta fazendo aí ?
A voz autoritária e coberta de
repugnância do irmão obreiro o assustou.
- Nada
- Tu não pode ficar
aqui. Te manda
Francisco
levantou-se, olhou em volta, hesitou e debilmente tomou o rumo de casa. Sentia
seus miolos rompidos, boiando soltos num valão negro. Já sabia o que
esperar
No caminho,
indiferente às buzinas e ao trânsito insano do anoitecer, olhava
para as luzes das ruas e tinha a impressão que cada lâmpada acesa correspondia
a uma que se apagava no seu peito.
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