
Qual
a possibilidade de misturar uma peça clássica e fortemente simbólica
de Federico Garcia Lorca ("A Casa de Bernarda Alba" escrita em 1936),
com músicas POP interpretadas pela Madonna e mais referências à serpente
do Paraíso dar certo?
Pouquíssima é claro.
E isto se confirma ao vermos
a montagem de “Bernarda” que esteve em cartaz até ontem no Teatro
Renascença.
Não sei de onde a diretora Graça Nunes tirou que
criar um imbróglio destes resultaria num prato apetitoso. O que é uma
pena realmente pois a montagem está coberta de méritos, porém todos
desconectados uns dos outros.
Vejamos :
A trilha
musical é praticamente toda em cima de músicas que Madonna gravou. Isto
é curioso uma vez que nem todas músicas apresentadas são composições
dela, o que levanta a questão : qual a intenção da diretora ao utilizar
tanto canções da Madonna como intérprete, como em “Fever” e “Bedtime
Story”, quanto como compositora, como em “Like a Prayer”? Por exemplo,
ao ouvirmos “Bedtime Story” devemos fazer uma referência à Madonna ou à
Bjork? E o patético é que quem não conhece as letras em inglês não
consegue de modo algum conectá-las à ação e fica tipo “que cantora
foda!” - a extraordinária Gabrielle Fleck cantando e arrasando em cena-,
e a coisa fica por isto mesmo. Isto sem dizer que cada uma das
intervenções musicais quebra completamente o ritmo, a emoção da peça,
gerando repetidos buracos e novos recomeços que são verdadeiros pé no
saco.
Já a inserção de textos referentes a tentação da cobra
sobre Eva no paraíso também soa desconectada, apesar da beleza da
coreografia e da performance da Angela Spiazzi. O texto dito por ela
realmente é muito bom, mas não cria liga nem com a música pop da Madonna
nem com o texto do Lorca, soando mais como uma espécie de apêndice
cravejado de “sedução ao pecado”.
O texto original - ou as
partes que vimos aqui, uma vez que “Bernarda” traz excertos do original
– é defendido por um grupo de atrizes excelentes. Quer dizer, quase
todo o grupo, pois a performance de Aline Vargas é lamentável, tadinha.
Muito me surpreende que as limitações da moça não tenham sido tratadas
durante os ensaios a fim de não expô-la ao constrangimento estilo
“vergonha alheia”. Mas as demais estão ótimas, com destaque absoluto
para Rosangela de Britto (Bernarda), Elaine Segura (Poncia), Roberta
Pochmann (Martírio) e Martina Fensterseifer (Adela). Infelizmente,
mesmo que o grupo de atrizes guerreiras lute para manter a dignidade do
texto fenomenal de Lorca, ele é constantemente agredido pelas
invencionices “madônicas” e “serpênticas” nele injetadas.
Que m...
Enfim, com toda esta dinâmica “interpenetrada”, o que temos pela
frente são três ações correndo em paralelo todo o tempo: a Madonna
cantando, a Serpente “tentando” e a Bernarda causando, o que cria um
estranhamento e afastamento totais diante da ação. Repito : o que é uma
pena, pois cada um destes elementos funciona muito bem se desfrutados
separados uns dos outros (isto sem falar da belíssima encenação).
Resumindo, o que temos em “Bernarda” é uma tentativa de “reforçar”, de
“empoderar”, de ressignificar o que já era naturalmente poderoso.
Porém
á verdade é que o resultado é apenas uma trip megalomaníaca, cheia de
intenções “causadoras” que resultou linda, porém pífia.