O que é ser homem? Como um menino se reconhece e é reconhecido socialmente como homem?
Para a cultura da etnia Xhosa – da África do Sul – tornar-se homem
requer que o jovem passe por um ritual de iniciação que envolve
retirar-se para a montanhas (sob os cuidados de um tutor), ser
circuncidado a sangue frio e passar oito dias aprendendo e exercitando
os modelos de masculinidade tribal. Estes incluem cortar lenha, matar
animais, falar publicamente sobre orgulho, família e tradição, fazer
troça sobre mulheres, entre outros.
“Inxeba” (“Os iniciados” no
Brasil), do estreante John Trengove, acompanha um grupo destes jovens,
os tais "iniciados" do título.
Mais especificamente a iniciação
de Kwanda (Niza Jay), um rapaz afeminado e urbanizado (tem IPhone,
Adidas, curte techno, etc), que é obrigado pelo pai a participar do tal
ritual a fim de aprender a ser homem.
Para dar uma “dura” no jovem gay, o pai do garoto contrata Xolani ( Nakhane Touré) como tutor de Kwanda.
Xolani, um jovem operário, é conhecido por ter participado da
iniciação de vários jovens nos anos anteriores, e o pai contratante pede
que ele seja implacável com o filho frutinha, pois ele quer que Kwanda
volte da montanha “macho pra valer”.
Só o que ninguém sabe é que
Xolani é gay, e, pior que isto, é apaixonado por Vija (Bongile
Mantsai), outro tutor que também vai ao retiro tomar conta de outros
iniciados.
Xolani e Vija mantêm uma espécie de romance há tempos,
porém se veem apenas uma vez por ano, nas montanhas, quando ocorrem as
iniciações.
Assim que se encontram, os dois enrustidos partem
logo para trepadas rápidas e furtivas, com Xolani sendo usado quase como um depósito de esperma do ansioso Vija.
Xolani deixa claro à
Vija sua paixão, porém este é um macho casado e nem cogita ter um
relacionamento verdadeiro com outro homem.
O lance entre eles fica na foda relâmpago, logo esquecida entre papos banais.
Então o cenário bafão se monta :
De um lado a bichinha afrontosa deixando bem claro que detesta toda
aquela merda de iniciação e que tá doida pra voltar para Johanesburgo.
De outro, dois gays “de armário” vivendo uma paixão pra lá de perturbada, cheia de remorso e culpa.
Isto sem contar os outros iniciados fazendo bullying direto com moninha
rica e deixando claro que sacam toda a veadagem dos tutores.
Este panorama faz com que, aos poucos, o clima do local fique super tenso.
Para desestabilizar mais a situação, os tempos são outros. A tradição
está cada vez mais fraca. Os jovens já não respeitam os ritos. A
rebeldia e o questionamento surgem a todo momento e de forma cada vez
mais ostensiva. O velho, o passado, os costumes estão em cheque. Tudo
está mudando.
Neste verdadeiro caldeirão erótico-social-tribal,
Kwanda, Xolani e Vija vão se enredando cada vez mais em mentiras,
descobertas e enfrentamentos que acabam colocando em cheque a verdade de
cada um.
Depois da merda jogada no ventilador, só resta os
personagens agirem de acordo com seus instintos - o que não significa o
bem de todos.
O filme do John Trengove (que é homossexual) é
surpreendente por trazer uma poderosa trama gay ocorrendo na África
tribal, um mundo fortemente machista e tradicional.
E, para
acrescentar lenha na fogueira,surpreende também por mostrar como a cultura e a
tradição (sejam quais forem) estão condenadas à extinção (como
conhecidas historicamente), por conta da invasão dos valores da aldeia
global até mesmo nas aldeias mais longínquas do planeta.
Diante
disto, não é à toa que o filme foi alvo de denúncias e pedidos de
boicote por parte de alguns ativistas xhosa ("Inxeba Must Fall”,
proclama um dos cartazes).
Dizem eles que o filme é profano por
revelar rituais agrados, que é usurpador por apropriar-se da cultura
negra, que é ofensivo por mostrar os negros como selvagens e
incivilizados e que se só vai beneficiar os brancos opressores que o
fizeram. (ver link abaixo).
Sei lá. Nem vou entrar no mérito.
Só sei que eu amei.
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Protestos contra o filme :
http://xhosaculture.co.za/banning-wound-inxeba-movie/
Fiquei curiosa sobre os protestos e pelo menos o que li, faz muito sentido o boicote e a crítica do racismo contra o filme, porém fiquei instigada de ver! fato é que ninguém fala que antes de forçar as comunidades autoctones africanas a adotar valores sexistas e misóginos cristãos, vários povos tinham as pessoas que o ocidente conhece como trans, como seres importantes manipuladores de magia, enfim não vi o filme ainda, mas talvez faltou pro diretor lembrar que todo essa barbaridade incivilziada pode ter origem na colonização e não como herança africana tradicional do povo em questão! além de que o questionamento que os protestos trazem sobre para onde vai o dinheiro do filme é super pertinente, sempre os brancos vão mexer no que é tabu pro ocidente apenas para fazer carreira, mas o apoio real, redistribuição financeira, assistência educacional e o acolhimento para os dissidentes destas situações vividas nunca interessa aos produtores e diretores do filme, na real as críticas mostra a branquitude como urubus envolta em um monte de cadáver fresco que depois de se alimentar sai voando em busca de novos!
ReplyDeletealgumas referencias para pensar que o cisheterossexismo em povos africanos é produto da colonialidade europeia de base cristã
https://esqrever.com/2015/05/18/a-homossexualidade-africana-pre-colonial/
https://medium.com/revistaokoto/homofobia-uma-inven%C3%A7%C3%A3o-branca-6a346db73027