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Monday, February 05, 2018

Filme - Os Iniciados ("Inxeba")

O que é ser homem? Como um menino se reconhece e é reconhecido socialmente como homem?

Para a cultura da etnia Xhosa – da África do Sul – tornar-se homem requer que o jovem passe por um ritual de iniciação que envolve retirar-se para a montanhas (sob os cuidados de um tutor), ser circuncidado a sangue frio e passar oito dias aprendendo e exercitando os modelos de masculinidade tribal. Estes incluem cortar lenha, matar animais, falar publicamente sobre orgulho, família e tradição, fazer troça sobre mulheres, entre outros.

“Inxeba” (“Os iniciados” no Brasil), do estreante John Trengove, acompanha um grupo destes jovens, os tais "iniciados" do título.

Mais especificamente a iniciação de Kwanda (Niza Jay), um rapaz afeminado e urbanizado (tem IPhone, Adidas, curte techno, etc), que é obrigado pelo pai a participar do tal ritual a fim de aprender a ser homem.

Para dar uma “dura” no jovem gay, o pai do garoto contrata Xolani ( Nakhane Touré) como tutor de Kwanda.

Xolani, um jovem operário, é conhecido por ter participado da iniciação de vários jovens nos anos anteriores, e o pai contratante pede que ele seja implacável com o filho frutinha, pois ele quer que Kwanda volte da montanha “macho pra valer”.

Só o que ninguém sabe é que Xolani é gay, e, pior que isto, é apaixonado por Vija (Bongile Mantsai), outro tutor que também vai ao retiro tomar conta de outros iniciados.

Xolani e Vija mantêm uma espécie de romance há tempos, porém se veem apenas uma vez por ano, nas montanhas, quando ocorrem as iniciações.

Assim que se encontram, os dois enrustidos partem logo para trepadas rápidas e furtivas, com Xolani sendo usado quase como um depósito de esperma do ansioso Vija.

Xolani deixa claro à Vija sua paixão, porém este é um macho casado e nem cogita ter um relacionamento verdadeiro com outro homem.

O lance entre eles fica na foda relâmpago, logo esquecida entre papos banais.

Então o cenário bafão se monta :

De um lado a bichinha afrontosa deixando bem claro que detesta toda aquela merda de iniciação e que tá doida pra voltar para Johanesburgo.

De outro, dois gays “de armário” vivendo uma paixão pra lá de perturbada, cheia de remorso e culpa.
Isto sem contar os outros iniciados fazendo bullying direto com moninha rica e deixando claro que sacam toda a veadagem dos tutores.

Este panorama faz com que, aos poucos, o clima do local fique super tenso.

Para desestabilizar mais a situação, os tempos são outros. A tradição está cada vez mais fraca. Os jovens já não respeitam os ritos. A rebeldia e o questionamento surgem a todo momento e de forma cada vez mais ostensiva. O velho, o passado, os costumes estão em cheque. Tudo está mudando.

Neste verdadeiro caldeirão erótico-social-tribal, Kwanda, Xolani e Vija vão se enredando cada vez mais em mentiras, descobertas e enfrentamentos que acabam colocando em cheque a verdade de cada um.

Depois da merda jogada no ventilador, só resta os personagens agirem de acordo com seus instintos - o que não significa o bem de todos.

O filme do John Trengove (que é homossexual) é surpreendente por trazer uma poderosa trama gay ocorrendo na África tribal, um mundo fortemente machista e tradicional.

E, para acrescentar lenha na fogueira,surpreende também por mostrar como a cultura e a tradição (sejam quais forem) estão condenadas à extinção (como conhecidas historicamente), por conta da invasão dos valores da aldeia global até mesmo nas aldeias mais longínquas do planeta.

Diante disto, não é à toa que o filme foi alvo de denúncias e pedidos de boicote por parte de alguns ativistas xhosa ("Inxeba Must Fall”, proclama um dos cartazes).

Dizem eles que o filme é profano por revelar rituais agrados, que é usurpador por apropriar-se da cultura negra, que é ofensivo por mostrar os negros como selvagens e incivilizados e que se só vai beneficiar os brancos opressores que o fizeram. (ver link abaixo).

Sei lá. Nem vou entrar no mérito.

Só sei que eu amei.

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Protestos contra o filme :

http://xhosaculture.co.za/banning-wound-inxeba-movie/

1 comment:

Amapô Igbo said...

Fiquei curiosa sobre os protestos e pelo menos o que li, faz muito sentido o boicote e a crítica do racismo contra o filme, porém fiquei instigada de ver! fato é que ninguém fala que antes de forçar as comunidades autoctones africanas a adotar valores sexistas e misóginos cristãos, vários povos tinham as pessoas que o ocidente conhece como trans, como seres importantes manipuladores de magia, enfim não vi o filme ainda, mas talvez faltou pro diretor lembrar que todo essa barbaridade incivilziada pode ter origem na colonização e não como herança africana tradicional do povo em questão! além de que o questionamento que os protestos trazem sobre para onde vai o dinheiro do filme é super pertinente, sempre os brancos vão mexer no que é tabu pro ocidente apenas para fazer carreira, mas o apoio real, redistribuição financeira, assistência educacional e o acolhimento para os dissidentes destas situações vividas nunca interessa aos produtores e diretores do filme, na real as críticas mostra a branquitude como urubus envolta em um monte de cadáver fresco que depois de se alimentar sai voando em busca de novos!

algumas referencias para pensar que o cisheterossexismo em povos africanos é produto da colonialidade europeia de base cristã

https://esqrever.com/2015/05/18/a-homossexualidade-africana-pre-colonial/
https://medium.com/revistaokoto/homofobia-uma-inven%C3%A7%C3%A3o-branca-6a346db73027